`FotoSara Granemann, professora de Serviço Social, presidente da Associação dos Docentes da UFRJ e integrante dos Grupo de Trabalho de Seguridade Social do Andes-SN, fala ao Opinião Socialista sobre a tramitação da contra-reforma da Previdência no Senado, avalia a tentativa do governo de aprovar o texto vindo da Câmara sem mudanças em troca de uma PEC paralela. Nos conta também da importância de seguir a luta contra esta “reforma” e também contra a trabalhista, que virá em seguida.

Opinião Socialista: Qual a sua avaliação das “mudanças” ocorridas na “reforma” da Previdência aprovada e que tramita no Senado Federal?
Sara Grannemann: A proposta de reforma da Previdência que o governo Lula encaminhou ao Congresso Nacional não contém uma única medida que estabeleça justiça social. Esta compreensão mostra-se tanto mais correta quando se analisa o parágrafo 12 do artigo 201, inserido na PEC–40. O parágrafo 12 tenta responder as críticas feitas pelos servidores públicos, estudiosos do tema, intelectuais, sindicalistas e também por vocês, do PSTU, ao discurso governamental de “justiça social”, que sequer mencionava os 40 milhões de trabalhadores brasileiros que não têm direito ao benefício previdenciário. Mas, a propalada inclusão dos ‘trabalhadores de baixa renda’, freqüentemente sem renda, mencionada no parágrafo 12, é estritamente demagógica porque – ademais de seu traço vago – se dispõe a incluir os mesmos trabalhadores que já estão – ou deveriam estar – cobertos pelo Benefício de Assistência Social, de um salário mínimo, quando esta parte da força de trabalho chega à velhice e nem tem direito ao benefício previdenciário.
A PEC-67, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, pelo parecer do relator (senador Tião Viana –PT/AC), em nada alterou o texto aprovado na Câmara dos Deputados. Com a rejeição das 326 emendas recebidas na CCJ, a base governamental pôs em ação um estranho mecanismo: a proposição de uma “PEC paralela”. Trata-se de uma iniciativa dos senadores governistas com as mudanças que o governo aceitaria fazer na reforma. Em realidade, como não há garantias mínimas de que esta “PEC paralela” realmente seja aprovada pelo Congresso Nacional, revela-se a intenção do governo: tentar impedir, no Senado, alterações no texto já aprovado na Câmara dos Deputados para que a PEC-67 não careça de uma nova apreciação por parte daquela Casa. Agilizar a aprovação da contra-reforma da Previdência interessa ao governo, sobretudo, porque os parlamentares e os partidos da base governista poderão sofrer desgastes ao aprovarem medidas tão impopulares e contrárias aos interesses dos trabalhadores em ano eleitoral, como 2004.

OS: Quais as perspectivas para os trabalhadores se for aprovada em definitivo essa “Reforma”? O que fazer diante disso e de outras medidas contrárias, como a reforma trabalhista?
Sara: Já bem o disse alguém: “A única luta que se perde é a que se abandona”. Para a classe trabalhadora – no Brasil e no mundo – na vigência do modo de produção capitalista não há outra alternativa senão lutar. Abandonar a luta significa não somente perdê-la no curto prazo; significa perder a possibilidade de construir uma sociedade plena de humanidade, vale dizer, plena de liberdade, na qual os problemas do estômago, da sobrevivência, não mais nos preocuparão como espécie. Centraremos então, nossas melhores energias na fruição de uma vida feliz e solidária. Entretanto, no cotidiano de nossas vidas como servidores públicos e para os demais trabalhadores deste país o desmonte do sistema de proteção social como uma das últimas fronteiras da mercantilização dos direitos dos trabalhadores é bastante grave, porque a velhice da classe trabalhadora será inteiramente hipotecada aos rodopios do capital especulativo e do desmonte do Estado como instrumento da proteção social. Certamente, aqui se reproduzirão as tragédias da miserabilização de enormes contingentes de trabalhadores e o desamparo na velhice que assistimos em outros países, quando quebram os sistemas previdenciários construídos a partir da lógica do capital financeiro. A perspectiva da classe trabalhadora no Brasil, no âmbito da Previdência, não poderá ser a rendição aos fundos de pensão e ao seu gerenciamento, embora estes mesmos fundos ofereçam aos seus administradores – ditos algum dia, trabalhadores – uma inequívoca possibilidade individual de ascensão econômica. Como projeto para superação da sociedade capitalista os fundos de pensão não nos servem. Ao contrário, funcionam como saída interessante apenas para o capital em mais um de seus momentos de crise. Esta é a razão da contra-reforma da Previdência; este é o motivo que o governo insiste em ocultar com seus discursos de justiça social e com os falsos mecanismos que pretendem dizer público ao que somente pode ser privado: os fundos de pensão. Sejam eles de qualquer categoria profissional, sejam eles ‘geridos pelos trabalhadores’.
Com relação à reforma trabalhista, também esta é uma reforma idealizada contra os trabalhadores. Devemos novamente exercitar nossa capacidade de organização e aglutinação dos trabalhadores empregados no serviço público e os diretamente contratados pelo capital, para impedirmos mais um forte ataque contra as condições de vida e de trabalho já em muito aviltadas em nosso país. A defesa dos direitos trabalhistas é a defesa do próprio trabalho; é, assim, a defesa da classe trabalhadora como um todo, esteja ela empregada ou não.

OS: Nas suas palestras e debates você vem enfatizando a necessidade da organização e mobilização dos trabalhadores e da construção do partido. Como você avalia a participação do PSTU na luta contra a reforma da Previdência?
Sara: Julgo-a essencial. Este partido demonstrou, também no curso da luta dos servidores públicos contra a reforma da Previdência, o seu enorme compromisso com a classe trabalhadora brasileira e com a necessidade – por muitos esquecida – de superação do modo de produção capitalista. Ademais, penso que o PSTU contribuiu enormemente para que a luta dos servidores públicos tivesse o apoio de parte da força de trabalho não vinculada ao Estado brasileiro, ou seja, dos trabalhadores diretamente empregados pelo capital.

OS: Qual a sua opinião sobre a proposta de formação de um “Movimento por um Novo Partido”?
Sara: Aposto na vitalidade desta iniciativa, embora não ignore que esta é uma construção delicada porque exige de todos os envolvidos uma disposição também ela inédita, em razão da diversidade de setores implicados na edificação desta nova organização política. Os limites e a trajetória daquele que logrou ser o maior partido de trabalhadores do país não podem ser a última e a final referência para os que aqui lutam, para aqueles que desejam construir outros referenciais de sociabilidade humana. Assim, penso que os mais organizados nesta direção devem ter a generosidade de – sem deixar de encaminhar as suas tarefas como organização – promover as possibilidades para que as demais organizações e os militantes dos movimentos sociais não vinculados a correntes e partidos políticos sintam-se concernidos na construção do novo projeto, já que nenhuma das expressões políticas de esquerda existente em nosso país, hoje, poderá sozinha formular e construir um projeto político desta envergadura; por isso, a importância de promover o debate com unidade impõe-se como um fundamento mesmo para esta construção.

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