A política de alianças com a “burguesia progressista“, defendida pelo PCB, contribuiu com a tragédia do golpe militar. Quarenta anos depois, o pt repete as alianças como farsa

No dia 31 de março de 1964, tropas do Exército comandadas pelo general Olímpio Mourão Filho chegaram às ruas do Rio de Janeiro desfechando um golpe que instaurou um truculento regime militar no país por 21 anos. O golpe, que derrubou o governo João Goulart, sepultaria as ilusões do principal partido de esquerda brasileira daquele período, o Partido Comunista Brasileiro, PCB. Cerca de 40 anos depois, o Partido dos Trabalhadores, herdeiro de boa parte das experiências críticas que se desenvolveram ao PCB, entre os anos 60 e 80, encabeçou uma ampla frente de partidos que elegeu o primeiro presidente de um partido de esquerda no país: um dos símbolos da resistência à ditadura militar e ex-operário nascido no berço das gloriosas jornadas de 1978/79. Com efeito, é curioso que o governo Lula esteja concretizando a famosa sentença de Karl Marx no Dezoito Brumário, que diz que todos os grandes fatos e personagens da história estão condenados a se repetir por duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa.

De fato, há uma similaridade bizarra entre o governo do PT e a atuação do PCB nos idos dos 60. Apesar do patamar de organização da classe trabalhadora, muito superior ao de 40 anos atrás, é importante relembrar e reconhecer que, para que os erros do passado não voltem a se repetir, é necessário aprender com a experiência.
Em 1964, vigorava entre os comunistas a linha política traçada na Declaração de Março de 1958. Por este documento, reconhecia-se, pela primeira vez, que o capitalismo se desenvolvia no Brasil – o PCB enxergava o Brasil como um país semifeudal. Pelo texto, considerava-se que o desenvolvimento das forças capitalistas de produção era entravado pelo imperialismo norte-americano e, neste contexto, “O proletariado e a burguesia se aliam em torno do objetivo comum de lutar por um desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo norte-americano”, dizia o documento.

O texto da Declaração de Março tinha como um dos aspectos centrais a teoria stalinista dos “campos”, que definia contradições principais e secundárias no curso de cada época histórica. Sendo assim, a contradição principal naquele período não era entre o capital e o trabalho, a burguesia e o proletariado, mas entre a Nação e o imperialismo. Por isso, o chamado à “burguesia progressista” para que formassem uma “frente única” (sic) antiimperialista. Consoante com essa caracterização, a profissão de fé no caminho pacífico da revolução brasileira.

PCB: passividade diante do golpe

O desfecho daquela política foi apatia e passividade ante o golpe militar. O PCB pagou um preço caro pelos seus erros de avaliação. O resultado foi o seu esfacelamento em diversas dissidências e organizações que criticaram o “pacifismo” e “reboquismo” do “Partidão” e partiram para a construção da luta armada.
O PCB foi o primeiro partido a ser atingido pela dura repressão que se abateu sobre os trabalhadores e suas principais lideranças, ao mesmo tempo em que a experiência da luta armada também se revelou trágica, com centenas de líderes presos, torturados e mortos ou “desaparecidos”.

Finalmente em fins dos anos 70, o surgimento de um movimento pela construção de um Partido dos Trabalhadores retomou a reorganização da classe trabalhadora que refletia sobre a sua própria trajetória, seus erros e acertos. O resultado desse processo culminou nas famosas teses de Santo André – Lins, documento embrionário do Partido dos Trabalhadores, na qual se dizia: “Enquanto vivermos sob o capitalismo, este sistema terá como fim último o lucro, e para atingi-lo utiliza todos os meios: da exploração desumana de homens, mulheres e crianças até a implantação de ditaduras sangrentas para manter a exploração. Enquanto estiver sob qualquer tipo de governo de patrões, a luta por melhores salários, por condições dignas de vida e de trabalho, justas a quem constrói todas as riquezas que existem neste País, estará colocada na ordem do dia a luta política e a necessidade da conquista do poder político”. E mais adiante: “que este partido seja de todos os trabalhadores da cidade e do campo, sem patrões, um partido que seja regido por uma democracia interna, respeite a democracia operária, pois só com um amplo debate sobre todas as questões, com todos os militantes, é que se chegará a conclusão do que fazer e como fazer. Não um partido eleitoreiro, que simplesmente eleja representantes na Assembléia, Câmara e Senado”.

A capitulação do PT

É curioso que os princípios estabelecidos nas teses estejam muito mais distantes do PT de hoje do que as formulações que possibilitaram a derrota da classe trabalhadora há 40 anos. Senão, como entender que o governo Lula tenha capitulado (coisa que o PCB não chegou a fazer) a um programa meramente burguês? Como acreditar que a experiência que desembocou no PT esteja a serviço da preservação de uma ordem que só beneficia os interesses do capital? Como apostar que há um plano “B”, “C” ou coisa que o valha, quando a classe trabalhadora já deu mostras de que pode retomar as lutas, a partir da construção de novas organizações de classe e socialistas?

A trajetória do PT revelou as insuficiências e limitações de sua própria estrutura interna. Daí o aumento da importância da institucionalidade, da atividade parlamentar e do cupulismo autoritário, ante as lutas sociais, a ação direta e a democracia operária. Por isso, entre o PT de hoje e o PCB de 40 anos, há não apenas a repetição dos erros que levaram a derrota de 1964, mas a possibilidade de um salto dialético que impeça que a farsa não se transforme em tragédia.
À classe trabalhadora caberá, mais uma vez, o protagonismo na construção das alternativas.

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