Voltamos a ser vira-latas. Com a campanha e a derrota para a França, os jogadores enterraram a frase do escritor Nelson Rodrigues que, após o título de 1958, profetizou que havíamos perdido o complexo de vira-latas.

Em campo, o Brasil caminhou de um lado a outro, sem conseguir ameaçar o adversário. Não rosnou, não lutou, não ofereceu perigo. Não mordeu a bola. Não mostrou os dentes. Não jogou com garra. Como todo vira-lata, não teve raça.

O melhor time do mundo mostrou-se apenas uma matilha de cães adestrados. O clima de euforia dos malas Galvão Bueno e Pedro Bial tomou conta do país, mas invadiu primeiro a cabeça dos jogadores. Afinal, se o time era comparável ao de 70, como poderia não se classificar para a final? Assim, entrar em campo era apenas cumprir um ~~script~~. A vitória viria, assim como o afago ou o presente do dono após uma pirueta.

A marca de um vira-lata é a sua docilidade. Não é traiçoeiro e tampouco compartilha da personalidade dos felinos. Pode ser maltratado, chutado, abandonado, mas voltará a abanar o rabo ao primeiro olhar de seu dono. É dócil. Alguns podem chamar isso de lealdade. No caso do futebol, é apenas falta de vergonha na cara.
E foi o que a torcida cantou. E dá-lhe “Time sem vergonha”, ao som de “Poeira”, de Ivete Sangalo.

Em 1982, depois da derrota nos pés de Paolo Rossi, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma crônica para o Jornal do Brasil que ficou famosa. Depois de contar o choro das pessoas nas ruas, o poeta escreveu: “Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo.”

Os torcedores de hoje, muitos de gerações que se acostumaram a ver o Brasil na final, não querem afagar a cabeça dos jogadores. Longe disso. Erguem o dedo médio e os xingam de tudo o que podem.

Alguns podem dizer que, se um dos raros ataques do time tivesse resultado em gol, a torcida estaria exaltando o time. Pode até ser. Mas o combustível dessa decepção e revolta não está apenas no resultado. Afinal, o 5º lugar é o mesmo de 1982 e 1986, com equipes que são lembradas até hoje, principalmente a de 1982.

A seleção não despertaria tanta raiva se tivesse lutado em campo. Se tivesse caído de pé, como, rixas a parte, fez a Argentina.

A apatia em campo é o motor da raiva. E quais as razões para essa apatia? Muitos têm apontado os altíssimos salários e o fato de a maioria absoluta jogar fora do país. É um fato que não pode ser desprezado. Marx dizia que “a existência determina a consciência”. É o que talvez explique porque três jogadores, inclusive Roberto Carlos, tiveram tranqüilidade para sair às compras no dia seguinte à derrota. Que apenas dois jogadores tenham pedido desculpas aos torcedores. Que Ronaldo tenha embarcado em um jato. Que apenas três tenham retornado ao país.

O time de estrangeiros não vestiu a camisa da seleção. Em meio às seleções dos países, havia dezenas de outras. A do Barcelona, do Real Madrid, do Manchester United, do Lyon, do Internazionale de Milão. Companheiros de clubes, compartilham da vida européia, de altos salários. Durante o jogo, trocam sorrisos enquanto sofrem milhões de desdentados. No fim, diante da graça de um Zidane em seus melhores dias, só faltou pedir a camisa e autógrafos. Com exceções, não são jogadores da seleção brasileira. Estão jogadores. Amanhã estarão de volta aos seus clubes.

Desde o começo da Copa, Parreira tem sido alvo de críticas. Ele levou ao extremo a máxima de que copa do mundo não é lugar para espetáculo, para jogar bonito. Assim, manteve um esquema burocrático, responsável por um futebol irreconhecível. Promoveu amistosos com seleções fraquíssimas, incluindo até um time suíço, um Tabajara Futebol Clube dos Alpes. Levou a campo contra a França um esquema não testado, demorou a fazer substituições, trocou errado. Errara antes, contra equipes mais fracas. Diante da primeira seleção campeã que enfrentou, seus erros mostraram-se fatais. Juca Kfouri tem razão: “Todo castigo é pouco para quem se recusa a jogar bonito”.

Mas talvez sua maior deficiência, para além da tática, tenha sido não ter conseguido dirigir o time. A França, mesmo com Zidane e Henry, não é uma seleção brilhante. Como também não o é a de Portugal que, embalada pela paixão de Scolari, chegou às semifinais. Faltou essa garra em nosso time.

O que terá dito Parreira no intervalo, quando tudo caminhava para uma nova tragédia? Números? Posicionamentos? Não era isso de que precisava aquele time de estrelas milionárias. Faltou a energia de Zagalo, sacudindo todo o time de 94 antes dos pênaltis. Terá esbravejado? Dito que Kaká não era Kaká? Que Ronaldinho Gaúcho precisava tirar aquela ridícula faixa da Nike e jogar o que sabe?

Faltou um técnico, alguém que fizesse cada um dar tudo de si. Que fizesse com que os 22 astros fossem de fato um time. Que deixasse o veterano Roberto Carlos concentrado no jogo, a ponto de ele simplesmente esquecer que usava meias. Faltava um técnico. Tivemos um síndico.

Alguns leitores, que nesse momento estão envolvidos em greves, na luta contra as demissões ou na preparação da campanha eleitoral com a garra que faltou aos nossos jogadores, possivelmente poderão achar que foi melhor assim. Que a derrota é benéfica, pois “desaliena o povo”. Que, finda a festa, agora os olhos se voltarão para os ataques do governo, para as mentiras da oposição burguesa.

Sim, o pano desceu. As batalhas do cotidiano voltarão ao seu devido lugar. Mas o futebol não pode ser deixado de lado apenas porque alguns se utilizam dele para manter as ilusões. Não se pode voltar as costas para um espetáculo com esse brilho, assim como a esquerda, durante a ditadura, não conseguiu torcer contra o time de Pelé. Continuaremos atrás do futebol-arte, esteja ele onde estiver, o pá!

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