Enterro das vítimas do massacre. Imagem reprodução

A chacina de nove camponeses na Gleba Taquaruçu do Norte, no município de Colniza, região Norte do Mato Grosso, escancarou o quadro de barbárie vivido no campo brasileiro.

A suspeita é que um grupo de jagunços, bancado por fazendeiros e madeireiros da região, tenha cometido o massacre. Segundo a polícia, 5 camponeses foram abatidos com tiros de espingarda calibre 12. Os outros foram trucidados a golpes de terçado. A perícia aponta que as vítimas foram amarradas e sofreram tortura. Uma delas teve uma orelha cortada, uma prática comum neste tipo de crime pois serve como confirmação de que “o serviço foi feito”.

A região tem um longo histórico de conflitos agrários há mais de 10 anos. Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), outros assassinatos já haviam ocorrido. Uma investigação da Polícia Civil mostra que os gerentes das fazendas na região comandavam uma rede de capangas armados para limpar a áreas de posseiros ou pequenos camponeses.

Em 2004, as famílias do Taquaruçu do Norte foram expulsas do assentamento por jagunços armados. Na área estavam assentadas 185 famílias. O suspeito pela expulsão dizia ter comprado as terras. Em um raro caso no judiciário brasileiro, o Juiz da Comarca de Colniza concedeu reintegração de posse em benefício dos camponeses e da Cooperativa Agrícola Mista de Produção Roosevelt (Cooperosevelt).

Em 2007, pelo menos 10 trabalhadores foram vítimas de torturas e cárcere privado. Os responsáveis pelas violências são fazendeiros que atuam na região de Colniza em associação com uma organização que atua especificamente na extração de madeira ilegal. Naquele mesmo ano três camponeses foram assassinados. Os suspeitos pelas mortes são da mesma associação de pistoleiros.

A região do Taquaruçu é ainda marcada por muitos e extensos fragmentos de floresta. Por isso é alvo de desmatamento comandados por fazendeiros que derrubam a mata, vendem a madeira e depois plantam pasto para o gado. No que se refere à posse da terra, na região há grandes propriedades de terra (muitas delas griladas) que convivem com assentamentos e pequenas propriedades rurais camponeses, além de posseiros – camponeses que não detém o título da terra, mas que nela trabalham por gerações. Também existem, nas regiões contíguas ao município de Colniza, reserva indígenas que, apesar de se encontrarem demarcadas pela Funai, são alvos de madeireiros e garimpeiros.

Sem medo de cair no lugar comum, pode-se dizer com todas as letras que chacina de Colniza foi mais uma tragédia anunciada. Um crime bárbaro alimentado pela impunidade e pela omissão do poder público – senão colaboração direta como costuma ocorrer. Dez anos de violência sistemática de jagunços e a tolerância com a práticas criminosas culminaram com a chacina. E o pior é que os assassinatos em Colniza poderão ter o mesmo destino que muitos outros crimes que ocorreram na região: a impunidade e conivência, especialmente em relação aos mandantes que dificilmente são presos.

O aumento da barbárie no campo Brasil
Dados da CPT mostram que nos primeiros três meses de 2017, ocorreram 19 assassinatos no campo. É praticamente um terço dos assassinatos ocorridos no ano passado, que totalizou 61 mortes, ou seja, uma média de cinco por mês. Nos últimos 25 anos, o número de assassinatos só foi maior em 2003 quando foram registrados 73 assassinatos.

O ano de 2016 também registrou o maior número de conflitos por terra dos últimos 10 anos: 1.295 conflitos que envolveram 909.843 pessoas. Só no Mato Grosso, estado da chacina de Colniza, mais de 40 mil famílias foram envolvidas em conflitos no ano passado. No total, a região da Amazônia legal concentra 57% dos conflitos. Os dados foram publicados no relatório sobre Conflitos no Campo Brasil 2016.

A região do Matopiba, palco do avanço da expansão do agronegócio, tem registrado grande aumento dos conflitos. No Tocantins, os conflitos por terra aumentaram 313% em comparação com o ano anterior. O Maranhão, onde há movimentos sociais de grande resistência contra o agronegócio e de luta pela terra, ficou em segundo lugar em número de assassinatos, atrás somente de Rondônia com 21 no total

O Matopiba, a nova fronteira de expansão do capital, é um projeto de desenvolvimento do agronegócio que foi turbinado por Dilma e que avança sobre o cerrado e a Pré-Amazônia.

A razão de toda essa barbárie no campo é a enorme concentração de terras no Brasil. Segundo o IBGE, 0,91% dos proprietários de terra com mais de mil hectares detém 44,42% da aérea ocupada, enquanto 86% dos pequenos proprietários (que ocupam imóveis de 10 a 100 hectares) ocupam apenas 21,4% da área.

O Brasil precisa de uma reforma agrária que liquide a estrutura latifundiária atual e desenvolva em seu lugar um amplo e massivo plano de acesso à terra e a água. Por tudo isso, a luta pela reforma agrária é mais atual do que nunca e continuará abalando o campo brasileiro enquanto o latifúndio não acabar.