Mesmo tendo morrido em 1989, Raul Seixas, que completaria 60 anos em 28 de junho,ainda hoje é parte fundamental da trilha sonora de quem sonha com uma “sociedade alternativa”Nascido em Salvador, em 28 de junho de 1945, Raulzito cresceu cercado de livros e, ainda adolescente, foi embalado, simultaneamente, pelos xotes e baiões (particularmente de Luis Gonzaga) e o rock de Elvis Presley, Little Richard e Chuck Berry.

Conhecido como “maluco” desde a adolescência (principalmente por andar pelas ruas da cidade com trajes e penteado inspirados e seus ídolos norte-americanos), Raul formou sua primeira banda, “Os Relâmpagos do Rock”, em 1962. Transformada em “Raulzito e Os Panteras”, a banda gravou seu primeiro disco em 1964. Diante de um considerável fracasso, Raul transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde, a partir de 1970, atuou como produtor dos ídolos da Jovem Guarda, como Jerry Adriani, Trio Ternura e Renato e seus Blue Caps.

O primeiro sucesso veio em 1972, quando a música “Let me sing, let me sing” – uma mistura de rock com baião, que Raulzito interpretou travestido de Elvis Presley – ficou entre as classificadas no VII Festival Internacional da Canção.

Foi no ano seguinte, no entanto, com o lançamento do primeiro disco solo, “Krig-ha, bandolo!” (título inspirado no grito de guerra de Tarzan: “cuidado, aí vem o inimigo”), que Raulzito começou a deixar sua marca na história da música brasileira, com “Metamorfose Ambulante”, “Al Capone” e “Ouro de Tolo”.

Músicas que, com suas letras cheias de referências autobiográficas (cada vez mais marcadas por uma espécie de esoterismo anárquico) e, ao mesmo tempo, recheadas de críticas à sociedade, fizeram de Raul o amalucado porta-voz de um setor da sociedade que buscava alternativas diante da repressão ditatorial, do consumismo capitalista e da mediocrização do ser humano.

Viva a sociedade alternativa!
Essa busca ganhou verdadeiros “hinos” em 1974, com o lançamento do disco “Gita”. Além da música-título e das belíssimas “Medo da Chuva” e “Trem das Sete”, o disco trazia a deliciosamente anárquica “Sociedade Alternativa”, que transformou-se em sucesso imediato entre a juventude.

Compostas com o então “alternativo” Paulo Coelho, as músicas de “Gita” mergulhavam fundo no esoterismo inspirado pelo guru inglês Aleister Crowley e faziam parte de um “projeto” de constituição de uma comunidade em que valesse a máxima “Faze o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Uma ousadia que não passou despercebida pela repressão: Raul foi preso e acabou exilando-se nos Estados Unidos.

A volta ao Brasil foi marcada por uma seqüência de discos bem-sucedidos, lançados entre 1975 e 1977, como “Novo Aeon”, “Há 10 Mil Anos Atrás” (o último em parceria com Paulo Coelho), “Raul Rock Seixas” e “O Dia Em Que a Terra Parou”, que, além da música-título, que celebra uma espécie de “greve geral” alimentada por “um sonho de sonhador”, trazia a música que se tornou o verdadeiro sinônimo do artista: “Maluco Beleza”.

Nos anos seguintes, discos como “Mata Virgem” e “Por Quem os Sinos Dobram”, ambos lançados em 1979, ajudaram a consolidar a figura de Raul como um vibrante poeta que, de forma única, sabia versar sobre temas que vão da sensualidade à política, do amor aos fatos do cotidiano.

Cada vez mais celebrado por jovens que, das formas mais distintas, se rebelavam contra a ditadura (seja pela ruptura com os padrões de comportamento, seja pelo engajamento na luta política), Raul respondia à altura, compondo músicas que se transformaram em verdadeiros manifestos de uma época, como “Aluga-se”, que lançada no disco “Abra-te Sésamo” (1980), fazia uma mordaz ironia ao endividamento do país e levava milhões, Brasil afora, a cantar “nós não vamos pagar nada”.

Maluco beleza
Nos anos seguintes, o equilíbrio entre a “maluquez” e a “lucidez” do cantor tornou-se cada vez mais frágil. Vitimado por seu crescente alcoolismo, sua carreira começou a ser cada vez mais marcada por constrangedoras apresentações embriagadas e ausências em shows, que acabavam transformando-se em tumultos.

Com dificuldades em ser aceito pelas gravadoras e boicotado por um enorme setor da mídia, Raul, contudo, continuava fazendo shows antológicos, como as apresentações nos “woodstockianos” festivais de Águas Claras e Iacanga, realizados no interior de São Paulo, entre 1981 e 1984.

Um novo disco, o introspectivo e melancólico “Raul Seixas”, saiu em 1983, mesmo ano em que foi lançado o livro “As aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor”, uma curiosa mescla de anotações biográficas, contos e delirante história em quadrinhos.

Em 1984, Raul lançou “Metrô Linha 743”, cuja música-título, com versos cortantes como “Eu morri e nem sei mesmo qual foi o mês”, denotavam a amargura do cantor.
O último grande sucesso veio com “Cowboy Fora-da-Lei”, lançada em 1987 num disco que trazia o impagável título de “Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!”. Os trabalhos seguintes, como “A Pedra do Gênesis” (1988) e “A Panela do Diabo” (lançado em 1989) foram feitos em meio a uma situação de crescente deterioração das condições físicas de Raul, atingido por pancriatite e hepatite crônicas, uma situação que o levou a uma fatal parada cardíaca, em 21 de agosto de 1989.

Autor de frases como “O homem é o único ser que tem o poder de modificar as coisas” e “A desobediência é uma virtude necessária à criatividade”, Raul Seixas foi uma figura inegualável na história de nossa música e, por isso mesmo, continua sempre atual.

Dotado de uma paixão desenfreada pela vida, de capacidade de “metamorfosear-se” permanentemente e de uma (nem sempre) lúcida maluquez, Raulzito não só marcou uma época, como continua a embalar os corações e mentes de todos aqueles que sonham e lutam por uma sociedade alternativa.

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