Em um dos escândalos de corrupção que freqüentemente vem à tona no noticiário, apareceu uma expressão que estava de acordo com o senso comum: no Brasil não existiam partidos e sim “gangues organizadas para assaltar o orçamento público”. Esta é a percepção da maioria da população sobre os partidos que controlam os governos de turno.

Mas, em 2002, a maioria da população lançou mão da “última linha de defesa” da “ética” para tentar administrar o Estado, e voltá-lo para os “mais necessitados”; elegeu o PT e Lula, para mudar suas vidas e acabar com a corrupção.
Agora, após o desmoronamento da “última linha de defesa” da ética na administração do Estado burguês, a população trabalhadora percebe que o PT também é “igual a tudo isso que está aí”.

Esta constatação apenas inicia os nossos problemas. O miolo da discussão entre a maioria dos ativistas, em particular entre aqueles que fizeram a campanha de Lula, é que não existe alternativa. Em geral se repetem as frases de que “todos os partidos são corruptos. Qualquer um que chegue ao poder também vai se corromper”.

Temos um ponto de contato importante com todos os que afirmam que o PT já não se diferencia de “tudo isso que esta a풔. Mas os que afirmam que não existe alternativa, omitem a questão central deste debate: o PT teve como estratégia administrar o Estado dos patrões e afirmava que se manteria incólume à máquina de corrupção da burguesia. Não deu certo.

Mas é esta a única alternativa que tem os trabalhadores para mudar suas vidas? O horizonte da “política” se resume ao lamaçal da política burguesa?

Defesa da propriedade privada
O Estado na forma como o conhecemos hoje é um conjunto de instituições – o governo que administra o cotidiano do país, a Justiça, o Parlamento e as Forças Armadas – que tem uma função central, manter e preservar o sistema capitalista, cuja base é a propriedade privada.

Assim todas as instituições do Estado têm a função de preservar a propriedade privada, seja por leis, seja pelo uso da repressão. Nós nos deparamos todos os dias com estes fatos quando sem-teto ocupam um terreno urbano ou sem-terra ocupam uma propriedade rural, e os operários ocupam uma fábrica: todas estas instituições do Estado se encarregam de “garantir o direito à propriedade”. Pois esta é a fonte da apropriação dos lucros. Mas o Estado nem sempre teve essa cara.

De Estado absolutista para capitalista
As classes dominantes que existiram antes da burguesia dirigiam pessoalmente o aparelho do Estado, pois era pela via da coação que se garantia a extração do excedente econômico obrigando os camponeses a trabalhar de forma gratuita em suas terras, ou nas “terras do Estado”.

Foi na Europa, quando surge um tipo de Estado, chamado absolutista, que foi obrigado a estruturar as fronteiras, ordenar o mercado interno, montar um sistema de aduanas e um exército permanente, que se desenvolve um tipo de Estado com um poderoso aparato burocrático, no interesse de uma determinada classe.

As revoluções burguesas, não destruíram esta máquina estatal absolutista desenvolvida pela nobreza, mas a aperfeiçoaram e a colocaram ao seu dispor. Mantendo a burocracia estatal a serviço do nascente capitalismo.

A burguesia, não necessitava, estar à frente do Estado. Necessitava sim estar à frente de seus negócios, no controle da propriedade, que é de onde obtém seus lucros.

No entanto o sistema capitalista não se desenvolve de forma harmônica. O Estado burguês além de garantir o interesse geral da burguesia como classe – expresso na defesa da propriedade privada – também é árbitro dos interesses particulares dos distintos setores burgueses.

O capitalismo tem o conflito em sua própria essência. Burguesia contra o proletariado é a contradição fundamental, mas a burguesia também tem fortes conflitos na divisão da mais valia e na proteção que o Estado pode dar a distintos ramos da produção.

A luta dos distintos partidos burgueses para controlar o governo e administrar o aparato do Estado reflete os interesses de cada uma das camarilhas e seus representantes dentro do aparato do Estado e suas instituições.

Toda burocracia tende à corrupção

A burguesia ampliou e qualificou a máquina burocrática do Estado. A alta burocracia do Estado é a representante direta do interesse geral da burguesia.

Mas este fato não anula a disputa pelos interesses específicos de cada uma das frações. É conhecida a relação carnal da administração Bush com as petroleiras e com a indústria militar. Toda a atual cúpula do governo, a começar pelo presidente, já esteve no comando de grandes empresas de petróleo e energia.

A burguesia usa todas as armas que dispõe para manter e ampliar seus negócios, desde a guerra aberta contra o proletariado e contra setores burgueses, até a corrupção.

Ao administrar os negócios da burguesia dentro do Estado, a burocracia também é corrompida pelas distintas frações burguesas para facilitação dos negócios.

E isto não ocorre somente no contrato do lixo das prefeituras, mas nas altas esferas do Estado, tanto do Estado brasileiro como no Estado norte-americano, como ficou demonstrado no último escândalo da empresa Enron, que, com a conivência do órgão de controle do Estado, falsificava o balanço da empresa, transformando prejuízos em lucros.

Assim a corrupção da burocracia que administra os negócios do Estado é parte carnal do sistema. É o resultado de um sistema em que o enfrentamento de “todos contra todos” é a regra básica, onde o contrato ganho por uma empresa significa o prejuízo de outra.

A concorrência entre as grandes empresas não se dá somente no “mercado” em geral, mas também nos milionários contratos do Estado que pode decidir se uma empresa sobrevive ou não.

O PT fez uma opção política: administrar esse Estado e fazer parte de “tudo isso que está aí”, e o resultado não poderia ser diferente.

Democracia burguesa e monopólios

Lenin, se referindo ao sistema parlamentar que governava a maioria dos países imperialistas, afirmou que “A república burguesa, o parlamento, o sufrágio universal, tudo isso constitui um imenso progresso do ponto de vista do desenvolvimento mundial da sociedade”. Em um sentido histórico, o parlamento burguês foi um profundo avanço no sentido de estabelecer a democracia interna, dentro da classe burguesa. A democracia burguesa foi em sua época a expressão mais desenvolvida de uma democracia dentro de uma sociedade dividida em classes.

Esta democracia permitiu definir nos seus inícios as regras pacíficas para a mudança do controle do Estado. Era o período da livre concorrência entre os capitais.

O proletariado pôde utilizar os respingos desta democracia interna das classes burguesas adquirindo a liberdade de expressão e de organização, construindo seus sindicatos, seus partidos.

De quem são as prerrogativas
O advento do imperialismo, porém, converte essa imensa conquista da humanidade em algo decadente: “O imperialismo, época do capital bancário, época dos gigantescos monopólios capitalistas, época de transformação do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado, mostra o esforço extraordinário da máquina do Estado, o crescimento inaudito de seu aparelho burocrático e militar em ligação com o esforço da repressão contra o proletariado”, dizia Lenin.

O fim da livre concorrência entre os capitais também significou o fim do parlamentarismo burguês como a expressão da democracia interna da própria burguesia. O parlamento converte-se em um jogo nas mãos das grandes empresas, tanto nos países semicoloniais como nos imperialistas.

Os senhores deputados não conseguem sequer definir quanto o país vai gastar em saneamento básico. Essa é uma prerrogativa do Palocci, ou melhor, do FMI. A taxa de juros, bom essa é uma prerrogativa do BankBoston.

Se os grandes negócios estão na alçada da presidência da República e dos ministérios, e o orçamento público é prerrogativa do FMI, os parlamentares buscam “sua parte” na definição do orçamento e na direção das estatais.

O financiamento das campanhas eleitorais pelas grandes empresas é a expressão mais clara de que o que se discute nesta instituição é tudo menos o interesse “geral do povo”.

A tragicomédia da CUT, MST e UNE que, em sua “Carta ao Povo Brasileiro” falam sobre o “golpe da direita”, não têm sequer o trabalho de analisar quais foram os projetos apresentados pelo governo ao parlamento que resultou nas denúncias de corrupção: as reformas da Previdência, Tributária, Sindical e Trabalhista. Todas de profundo interesse das grandes empresas.

Ao optar pela administração dos negócios da burguesia contra a maioria do povo explorado, o PT incorpora os mesmos métodos com os quais todos os governos burgueses atuam. Esse é o jogo, essas são as regras.

O movimento operário e o Estado burguês

A postura em relação ao Estado divide o movimento operário desde suas origens. A primeira grande batalha sobre esse tema ocorre entre os marxistas e anarquistas, quando o movimento operário ainda engatinhava.

Os anarquistas postulavam que a base de toda a opressão tinha origem no Estado, que bastava suprimi-lo e o proletariado se libertaria das amarras do capitalismo.
A polêmica com o anarquismo foi em grande parte resolvida pela própria realidade, quando Engels observa que na Espanha em 1873, durante o processo revolucionário que resultou na proclamação da República, os anarquistas “em vez de abolir [o Estado] criaram uma série de pequenos Estados novos”.

A primeira percepção de Marx e Engels sobre a relação do movimento operário em relação ao Estado aparece no Manifesto Comunista. Os fundadores do Socialismo Cientifico definiram que a classe operária “usará o seu domínio político para ir arrancando todo o capital das mãos da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado”.

No entanto, foi depois da Comuna de Paris, que, segundo Lenin, fornece “a experiência viva”, permitirá ao marxismo chegar a duas conclusões fundamentais: A primeira refere-se ao fato de que “Todas as revoluções anteriores aperfeiçoaram a máquina do Estado, mas é preciso destruí-la, quebrá-la. Esta conclusão é o principal, o fundamental da doutrina marxista sobre o Estado”.

Polêmica na social-democracia
Não foi todo o movimento marxista, entretanto, que teve essa interpretação das tarefas do proletariado diante do Estado.

O principal teórico da social-democracia alemã, Kautsky, polemizando então com Benstein, afirmava que “não é menos certo que criaram o termo ‘ditadura do proletariado’, pela qual Engels lutava, todavia, em 1891, pouco tempo antes de sua morte, expressão da hegemonia política exclusiva do proletariado como única forma sob a qual este pode exercer o poder”.

Mas, segundo Lenin, já em suas polêmicas com a então ala direita do Partido, Kaustky se recusava a tocar no ponto central do que fazer com a máquina do Estado, via somente o governo operário com a hegemonia do partido operário dentro da máquina estatal construída pela burguesia: “A tergiversação do marxismo pelos partidários de Kautsky e da II Internacional mostra-se mais sutil quando eles, reconhecendo o Estado como produto irreconciliável das contradições entre as classes (…), uma força que está por cima da sociedade e por vezes se divorcia dela. Esquecem que a libertação da classe oprimida é impossível sem (…) a destruição do aparato de poder estatal que a classe dominante criou e no qual toma corpo aquele divórcio”.

Assim a idéia de um governo operário, para a maioria da social-democracia alemã, manteria intacta a estrutura do Estado herdado da burguesia.

Por isso Kautsky se converte em um crítico implacável da estrutura soviética que adquire o governo que surge como produto da revolução de outubro na Rússia, defendendo a manutenção do parlamento burguês.

Os fatos posteriores também resolvem a polêmica. A participação da social-democracia no governo alemão em 1918, o conseqüente assassinato de Rosa Luxemburgo pelas mãos do aparato de Estado burguês dirigido pela social-democracia e a derrota da revolução alemã são expressões de que nenhum partido operário teria condições de controlar a maquina do Estado burguês.

Não existe nenhuma possibilidade de transformar a vida dos milhões de oprimidos utilizando-se da máquina do Estado. A tentativa do PT, como a da social-democracia européia, somente resultou na transformação destas organizações em partidos da ordem burguesa.

Para se acabar com a corrupção no Estado, é necessário acabar com o próprio Estado. Só assim será possível que a base trabalhadora controle o aparato do Estado, e evite a corrupção. Os funcionários deste Estado seriam eleitos, e revogáveis a qualquer momento, pela sua base. Teriam salários iguais aos dos operários, sem qualquer privilégio.

Para usar um exemplo concreto: não vemos nenhuma possibilidade de acabar com a corrupção nos Correios somente com a substituição do PT no governo pelo PSDB nas próximas eleições, ou por qualquer partido no sistema atual. Qualquer um deles seria corrompido pelas empresas que fazem os contratos com essa estatal. Seria necessária uma revolução que acabasse com as empresas privadas, as grandes corruptoras.

Uma primeira medida que pode ser defendida ainda no sistema atual, como parte da luta contra este Estado, deve ser a eleição direta das diretorias das empresas estatais pelos trabalhadores da empresa. Assim a direção dos Correios seria eleita pelos seus funcionários (com salários iguais aos outros trabalhadores), podendo ser mudada a qualquer momento.

Post author João Ricardo Soares, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU
Publication Date