Momento em que policial dispara em direção a grupo de jornalistas

O ar pesava no final da tarde do dia 13 de junho, nas ruas do centro de São Paulo. Mesmo à distância do local da concentração do ato contra o aumento das passagens, já era perceptível o clima de tensão. Nas quadras próximas à Praça Ramos de Azevedo, o comércio fechava as portas mais cedo e as ruas já se esvaziavam em um horário que, normalmente, seria de pico. Uma infinidade de policiais e viaturas fazia cordões de isolamento, enquanto três helicópteros rasgavam o céu. As cenas lembravam a de uma cidade sitiada.

Chegando ao local do protesto, porém, essa tensão logo se dissipava. Mesmo com a praça praticamente tomada por milhares de pessoas, a imensa maioria de jovens, alguns muito jovens, o ambiente era absolutamente amistoso. Flores, rostos pintados, cartazes, fantasias, compunham uma cena que poderia lembrar, talvez, um Woodstock urbano em pleno Século XXI. Nem mesmo o ruído dos helicópteros estragava aquilo, já que o que se sobrepunha eram palavras de ordem como: "Dança Haddad/dança até o chão/aqui é o povo unido contra o aumento do busão". 

Tinha recebido a informação de que a coordenação do ato tomara várias medidas para evitar qualquer tipo de confronto com a polícia, incluindo aí um trajeto cuja maior parte passava pelo calçadão, e não fechava qualquer avenida de grande movimentação. Essa atitude não se resumia aos líderes da manifestação. Havia um esforço consciente por parte da multidão em evitar as cenas dos protestos anteriores. Um exemplo que presenciei é bastante representativo. Um rapaz exaltado que caminhava a poucos metros de mim chutou a porta de um estabelecimento quando a passeata se aproximava da República. Não chegou a danificar, mas fez um certo barulho. Ato contínuo, as pessoas em volta, centenas delas, começaram a vaiá-lo. O rapaz baixou a cabeça e saiu correndo.

Apesar de ter ouvido que dezenas de pessoas haviam sido presas antes mesmo de o protesto começar, achava realmente que tudo acabaria bem. Os manifestantes eram pacíficos, nada havia sido destruído ou "vandalizado", o que poderia dar errado? Até que apareceu a polícia. Tudo aconteceu bem rápido, poucos metros à frente da Praça Roosevelt, chegando à Rua Maria Antônia.

Primeiro, em um princípio de tumulto, sou empurrado para frente e tento me equilibrar para não cair. À minha direita, vejo chegando quatro ou cinco policiais, disparando balas de borracha indiscriminadamente na multidão. Um clarão se abre ao redor deles. Ao mesmo tempo, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo começam a explodir à minha frente. Com uma câmera fotográfica, começo a filmar.  Uma barreira policial se posta à frente da passeata.

A reação das pessoas é de perplexidade, ninguém entende o que está acontecendo. Logo, começam a gritar: "Sem violência/ sem violência". Mas a tropa de choque começa a disparar de forma generalizada. Mais policiais iam aparecendo, sem que eu conseguisse identificar de onde vinham. Várias viaturas descem a Consolação. Até que conseguem rachar a passeata, postando-se em formação no meio da avenida, disparando balas de borracha e bombas de gás em direção aos manifestantes. Alguns jovens se aproximam do choque e chegam a se ajoelhar, gritando "sem violência", mas são recebidos a bombas de gás e tiros de bala de borracha.

Os olhos ardem e se fecham com o gás, mas consigo correr para uma esquina junto a um grupo de fotógrafos e cinegrafistas. Daquele ângulo, podia-se ver a polícia de um lado e os manifestantes de outro e, como não havia ninguém atrás de nós ou ao nosso lado, não corríamos o risco de sermos atingidos pelas balas de borracha. Todos ali portavam câmeras fotográficas ou filmadoras. Alguns tinham máscaras de gás ou capacete. Um local relativamente seguro.

Em determinado momento, porém, um agente da tropa aponta em nossa direção e dispara bala de borracha, a poucos metros de distância. Os fotógrafos e câmeras começam a gritar "imprensa!", "é imprensa aqui", "estamos com máquinas aqui". Um deles grita aos demais: "abaixa!". E logo, começam a voar as bombas de gás lacrimogêneo, que caem bem no meio do grupo, instante que consegui registrar. Indignados, muitos xingam a polícia. "Estou aqui trabalhando!", gritavam.

Atuando junto aos movimentos sociais e de classe já há alguns anos, já cobri muitas manifestações que acabaram reprimidas pela polícia. Já vi também jornalistas sendo vítimas da violência policial. Em 2007, durante um protesto contra a visita de Bush ao Brasil, eu mesmo fui agredido por um PM. Tentava fotografar um rapaz que era atirado ao chão e chutado simultaneamente por pelo menos quatro policiais. Imobilizado e bastante machucado, o homem era levado à viatura enquanto eu tentava acompanhar com a câmera para não deixá-lo sozinho com a polícia e, assim, coibir novas agressões. Até que um deles me golpeou pelas costas com um cassetete. Neste dia 13, no entanto, foi a primeira vez que vejo a polícia atacar um grupo inteiro de profissionais da imprensa, intencionalmente.

Horas depois, quando li as notícias e vi que havia jornalistas feridos, inclusive dois com gravidade, por disparos de bala de borracha nos olhos, percebi que aquele ataque que havia filmado não havia sido um ato isolado. Os depoimentos de vários jornalistas e fotógrafos relatavam que a polícia apontava para eles e disparava. Ou seja, havia um método ali, uma intenção em se atacar a imprensa. Na noite de 13 de junho, os jornalistas foram, literalmente, caçados pelas ruas do centro de São Paulo.

Por que isso? Penso que há uma regra, bastante básica: coibir ou reprimir a imprensa é uma forma de esconder algo que se sabe ilegítimo. Vale para uma ditadura, um governo corrupto ou que lança mão de meios ilegais, como a espionagem, por exemplo, a fim de conseguir seus fins, até um bandido ou político que é preso e faz o tradicional gesto de tampar a lente da câmera. Por que a polícia não queria que aquelas cenas não fossem registradas?

As agressões sofridas pelos jornalistas e profissionais da imprensa não partiram somente da ação policial, cuja brutalidade foi estampada em jornais do mundo inteiro. Aqueles homens seguiam um comando, uma estratégia de atuação.

Em uma escalada autoritária, a imprensa é sempre a primeira a ser atingida. Parece que, com a chegada dos grandes eventos e a escalada de manifestações, os jornalistas estão se transformando em um alvo em potencial.