Dias 2 e 3
Cheguei na noite desta quarta ao aeroporto do Cairo, e havia um grande clima de desolação. Não foi possível deixar o aeroporto durante o toque de recolher. Logo no começo da tarde chegaram inúmeros relatos de violência contra estrangeiros e jornalistas, seguindo inevitavelmente a vontade do governo. Na Praça Tahrir, uma contagem do movimento democrático chegou a dez mortos e centenas de feridos. A grande expectativa é que esta sexta-feira (dia 4), com a marcha, traga uma força renovada numérica e qualitativa, no Cairo e nas outras grandes cidades.

Dia 4
Na mobilização de hoje [o Dia da Partida], toda a gente conheceu as imagens em que cristãos protegiam os muçulmanos na hora do salat, a reza. Mas poucos divulgaram a palavra de ordem “muçulmano, cristão, uma só mão!”, que simboliza melhor ainda o sentido dessa união: a disposição unida para a resistência.

No Dia da Partida, não havia uma única mão, mas no mínimo dois milhões de braços na Praça Tahrir – organizadores chegaram a contar três milhões de pessoas, o que é possível se considerarmos a intensa movimentação ao longo do dia. Tinham todas as caras, todas as formas: alguns com turbantes surrados, outros com chapéu, alguns com capacete de operário e ainda os com taqiyahs, os quipás muçulmanos, limpíssimos; uns com barbas longas, malfeitas, raspadas; usando suéteres, macacões, casacos ou abayads, uma espécie de robe masculino; portando hijabs, o véu, niqabs, faixas de lã e seda, e cabeleiras à Amy Winehouse. O único propósito é o de virar a história do Egito. E do mundo árabe.

Dia 6
Dois reforços chegavam neste sábado à Praça Tahrir. O primeiro veio com cerca de 500 ativistas de Suez, que apareceram em caravana. O segundo, em uma brigada internacional que trazia muitos buquês de flores, como símbolo da solidariedade internacional. A mobilização na praça se consolida e entra no 12º dia de atividade, como exemplo para outras importantes mobilizações, como as de Alexandria.

Dia 8
No início da tarde desta terça-feira, a Praça Tahrir está mais cheia do que nos outros dias. Calculo que 1,5 milhão de pessoas estejam aqui. Muitas vieram comemorar a libertação de Wael Ghonim, executivo do Google, preso desde 27 de janeiro.

Aproveitando esse grande público, a coordenação do movimento na Praça Tahrir fez circular um manifesto intitulado “Por que continuamos aqui. Por que não fomos para casa”. O texto apresenta nove motivos para continuar a luta, como a exigência da revisão da constituição, a saída de Mubarak e a punição dos responsáveis pelas mortes na Praça Tahrir, até a criação de um salário mínimo no país. E conclui pela continuidade da luta, alertando que não se faz uma “revolução pela metade”.

Dia 10
A noite tinha um clima pesado. Era um ar de perplexidade, todas aquelas rodinhas de pessoas tentando ouvir o sistema de som dos palcos ou rádios e celulares, para receber tantas palavras duras do ditador. A imagem dos mártires vinha à cabeça, pessoas choravam o desespero de encontrar uma muralha de incompreensão do outro lado da política.

Muitas pessoas continuaram na praça, e foi bastante inteligente da parte dos organizadores logo lançar outras tarefas. Ir ao palácio, ir aos ministérios, ir à TV estatal. Manter-se ocupado.

Dia 11
Quando entrei na praça ocupada, havia um resto de silêncio, e de repente um novo estouro, um chiado potente, um clamor vigoroso.

As pessoas pulavam, cantavam, abraçavam-se. Outras prostravam-se e agradeciam a Deus. Tinham uma vibração em frequência única, possível apenas para uma massa que aprendeu a se conhecer e se respeitar em semanas de esforço comum. Era a primeira vez que eu via tal sintonia, e eu continuava rindo, eufórico.

Post author Por Luiz Gustavo, direto do Cairo
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