Baixos salários e salas superlotadas são a realidade de uma categoria que insiste em resistir à precarização do EnsinoQuando Patrícia Karinne Alves de Souza era ainda estudante de um colégio público estadual, na década de 1980, talvez não imaginasse que estaria, anos depois, do outro
lado da sala de aula. Hoje, aos 38 anos, Patrícia é professora de português na escola estadual Cleise Marisa Siqueira, na região de São Miguel Paulista, Zona
Leste de São Paulo.

A escola da periferia reúne algo como 1.500 estudantes e é o lugar para onde ela vai todo dia após acordar às 5h45 e em que convive diariamente com a precária situação do ensino público.
Patrícia leciona na parte da manhã e é exceção em uma categoria obrigada a
sobrepor turnos. “Eu fazia ideia de como era, mas era uma visão mais externa, só ali dando aula a gente vê como realmente é”, explica.

A então estudante comunicativa e amante da língua portuguesa pensou que poderia unir as duas coisas e ainda apostar em uma área que via como tendo grande função social: a educação. A dura realidade que começou a viver desde 1998, quando passou a lecionar na rede pública, porém, trouxe o sonho à realidade.

A situação que encontrou pelos lugares em que passou, além de São Miguel Paulista, escolas na Penha e em Itaquera, também na Zona Leste, não costuma aparecer nos comerciais institucionais do governo do estado. Drogas, violência e salas superlotadas são elementos do cotidiano de milhares de estudantes e professores. “A rotina é muito estressante, tem muito barulho e é impossível, com tantos alunos em uma mesma sala de aula, dar atenção a cada um”, relata. Para ela, a superlotação é
um dos principais problemas da rede pública. Nas salas que dá aula, do 8º ano e 1º colegial, a média por sala é de 45 estudantes. “Fica impossível acompanhar cada aluno de forma personalizada, o que seria o ideal já que cada um tem uma dificuldade distinta, uma característica própria”.

Desânimo
Com uma situação dessas, é comum que os professores sejam atingidos por um profundo sentimento de impotência. “O desânimo é generalizado, e tem aumentado muito nos últimos anos”, conta a professora. Sentimento que pode se desdobrar até mesmo em doenças, como a depressão, uma verdadeira epidemia na categoria. Na escola de Patrícia vários professores já passaram ou passam ainda pelo problema, tendo que recorrer muitas vezes à licença médica. Também é comum, segundo a educadora, os professores que cada vez mais pensam em abandonar a carreira. “Em minha escola
tem vários casos de professores que dizem que vão seguir outro caminho, prestar um
concurso público, e fazer outra coisa”.

Patrícia mesmo já pensou em entregar os pontos. “São muitas coisas que desmotivam o professor, como a violência, indisciplina, às vezes uma direção que não é comprometida”, diz. Em um caso específico, a professora foi vítima de agressão verbal. Mas evita personalizar o problema, contextualizando o fato como parte de uma questão social mais ampla que acaba atingindo as escolas. “São casos em que os alunos já vem de famílias desestruturadas, vai para a escola e se sente como obrigado a estar lá, e aí acaba se exaltando” , relembra evitando detalhes.

Do luto à luta
Apesar de reconhecer que em alguns aspectos a escola pública melhorou um pouco, como nos materiais fornecidos, Patrícia afirma que em muitas outras, como na violência e nos salários, piorou e muito. E por que Patrícia não desistiu, apesar de tantos desgostos? “Não desisti porque gosto muito de ser professora, e porque não penso só nesses casos, penso também naqueles bons alunos, alguns que já são inclusive profissionais”, confessa a professora que ainda sente orgulho de sua profissão e sentir que faz a diferença na vida de muitas pessoas. “Se vamos mudar algo aqui, é através da educação”, acredita, apesar de sentir na pele a desvalorização que a carreira docente sofreu nos últimos anos.

Quando começou a lecionar em 1998, a professora ganhava o equivalente a 6 salários mínimos. Hoje, porém, seu salário não chega a 3, em média. Esse foi um dos motivos que fizeram Patrícia a se envolver nas mobilizações da categoria, cerca de cinco anos
após ter começado a trabalhar na rede pública. “Fui observando as lutas dos professores e fui vendo que aquilo pelo que lutavam tinha a ver com o que me
afetava diariamente, e eu não podia ficar indiferente”, relembra. Começou
assim a frequentar as assembleias de professores, observar a responsabilidade
do governo para a atual situação da educação e, principalmente, em tudo o
que tinha que ser mudado.

Patrícia sonha, e luta, por um dia em que preencher “professora” na ficha de algum estabelecimento não seja motivo para provocar comentários negativos.
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