É preciso tirar o setor das mãos das empresas e tratar o transporte como um direito, como Saúde e Educação.Ônibus e trens lotados, passageiros amontoados, desesperados para chegar ao trabalho ou em casa. Congestionamentos quilométricos e horas e horas a fio, desperdiçadas diariamente. Nas primeiras horas do dia ou no final de tarde, as cenas se repetem, seja em uma grande metrópole como São Paulo ou qualquer outra cidade de médio ou grande porte do país.

Não é preciso ser nenhum especialista para ver o óbvio: o transporte público no Brasil está em colapso. E as vítimas, como não poderiam deixar de ser, são os milhões de trabalhadores que dependem dele e são obrigados a viver um inferno diário dentro dos coletivos.

Longe de discutirem as reais causas para o transporte público ter chegado a esse ponto, governos e a imprensa em geral tratam o assunto como mera obra do acaso, sem causas ou culpados. A população, por sua vez, é condicionada a se resignar e achar que esse problema não tem solução. Mas será mesmo assim?

Transporte público, lógica privada
O problema do transporte público de fato não é novo, mas histórico, e remonta principalmente ao modelo de transporte que o Brasil privilegiou nas últimas décadas, o modelo, ou matriz rodoviária, ou seja, aquele baseado em ônibus, carros, caminhões etc. E qual é o problema disso? A questão é que, ao contrário do transporte ferroviário, como trens e metrôs, o rodoviário é bastante limitado quanto ao número de passageiros que pode suportar, além de ser mais caro. Para se ter uma ideia, um trem de metrô transporta o equivalente a 43 ônibus, ou 1200 carros.

A opção pelo transporte rodoviário se deu devido à pressão e influência das grandes multinacionais da indústria automobilística, como a Ford e a GM. Até a década de 1950, o transporte no país era essencialmente ferroviário. Com o início da industrialização, começou-se a se privilegiar o transporte rodoviário, com a abertura de estradas e rodovias em detrimento das linhas de ferro, que foram cada vez mais sucateadas, até finalmente serem privatizadas no governo FHC. Hoje, 60% das cargas e 90% dos passageiros são transportados por veículos rodoviários, ao contrário de outros países, como os próprios EUA, que mantém a matriz ferroviária.

A esse modelo, caro e ineficiente, imposto pelas multinacionais, soma-se o baixo investimento realizado pelo governo no transporte público. Segundo levantamento do Ilaese (Instituto Latino-Americano de Estudos Sócio-Econômicos), enquanto que na década de 1970 investia-se o equivalente a 1,5% do PIB em transportes, no governo FHC esse índice baixou para 0,3%, mantendo-se assim até o final dos anos Lula.

Nos últimos anos, seguindo a lógica da inserção submissa do país no mercado internacional, o governo federal vem investindo em logística e transporte para escoar a produção de matérias-primas para exportação, utilizando para isso as próprias ferrovias. Estima-se que apenas 5% de toda a malha ferroviária existente hoje seja utilizada para transportar passageiros, o resto está voltado para o transporte de cargas, como minério e soja.

Ao mesmo tempo, o governo aprofunda as Parcerias Público Privadas (PPP’s) do governo FHC, entregando o controle das rodovias federais nas mãos do capital privado, o que provoca pedágios extorsivos. Já dentro das cidades, as concessões de transporte estão nas mãos das grandes empresas, verdadeiras máfias que, junto com os governos de plantão, assaltam o bolso do trabalhador e, em troca, oferecem transporte precarizado e ineficaz.

Para se ter uma ideia de quão dramático é o problema do transporte público, basta citar que 34% das 150 milhões de viagens realizadas todos os dias são feitas a pé, por pessoas que não têm dinheiro para pagar passagens.

Por um transporte público de fato
O problema do transporte público no Brasil passa pelo modelo que foi implantado nas últimas décadas, pelos baixíssimos investimentos realizados pelo governo e pela lógica que rege o setor, voltado aos lucros das grandes empresas e concessionárias, e não nas necessidades da grande maioria da população. Como se não bastasse, nos últimos anos, como forma de salvar a indústria automobilística da crise, o governo apostou nas isenções e subsídios, aliado ao crédito facilitado. Resultado de tudo isso: um trânsito que não anda, um transporte público que não funciona e horas e horas perdidas todos os dias.

Mas esse quadro, longe de ser um fato dado, é possível de ser alterado. Basta tratar transporte como um serviço público e um direito, como Saúde e Educação. Para isso é preciso primeiro investir em transporte público de massa. Redirecionar parte dos 47% do Orçamento da União que vão hoje para o pagamento da dívida pública na construção e ampliação da malha metroferroviária, interligando as regiões. Segundo Sérgio Lessa, ex-presidente do BNDES, bastaria a aplicação de 2% do PIB para, em oito anos, mudar a matriz rodoviária.

Também é necessário retomar as concessões ferroviárias e rodoviárias entregues ao capital privado e construir uma empresa estatal de transporte de cargas e passageiros. Nas cidades, estatizar o transporte público e subsidiar as passagens, de forma a transformar o que hoje é o lucro das empresas em investimento em transporte acessível e de qualidade.