Do início da década de 1990 para cá, governos de direita e de esquerda prometeram combater as desigualdades sociais e o atraso cultural do nosso país; as deficiências dos serviços públicos – educação em particular – e a escandalosa concentração de renda – 10% dos mais ricos se apropriando de 50% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres tinham que se conformar com apenas 10% – não podiam mais continuar como dantes.

O passaporte para esse “futuro radioso” – um país mais justo, menos atrasado e com emprego e renda para a juventude – seria a educação, particularmente a educação básica. Todos os governos – federal, estaduais e municipais – empreenderam a tarefa de reformar a educação, universalizando o acesso à educação básica e eliminando – por decreto – a evasão e a repetência; criando um sistema escolar compulsório com aprovação automática e obrigatória.

Na construção desse novo mundo via educação, caberia aos professores um lugar especial. Os mestres deixariam de ser os “sacerdotes do ensino” para se transformarem nos arautos da nova era – o magistério foi secularizado.

Mas, como não existe almoço de graça como dizia o economista Milton Friedman, a universalização da educação básica teria que ser feita sem que o Estado arcasse com mais investimentos. Ao longo dos dezesseis anos de FHC e Lula, os recursos públicos para educação oscilaram entre 4% e 5% do PIB. Seria necessário, então, apelar ao mercado – ao capital privado – tanto no financiamento como na gestão (produtividade) da escola pública; uma vez que aumentaria substancialmente o número de alunos e de professores para dividir o mesmo bolo, as mesmas verbas.

Uma primeira medida para fazer esse “milagre dos pães” foi aumentar o tamanho das turmas que, juntamente com a aprovação automática, garantiriam que o professor atendesse mais alunos. A segunda grande medida foi reduzir o custo da mão-de-obra; os direitos sociais e trabalhistas do professorado foram flexibilizados – reduzidos ou eliminados em alguns casos. Planos de carreira foram desmontados, as jornadas de trabalho foram aumentadas com a eliminação das horas atividade, os reajustes salariais dos professores foram vinculados ao mérito ou desempenho – o magistério financiou a expansão do ensino com suas condições de trabalho.

Passada uma geração – pouco mais de vinte anos – do início das reformas estruturantes neoliberais na educação brasileira, é preciso fazer um balanço; o que elas produziram para o país e para o ensino público.

Após dois mandatos de FHC e dois mandatos de Lula, somos a terceira formação social mais desigual dentre os nossos parceiros de América Latina e Caribe – segundo dados do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – perdendo apenas para países como Bolívia e Haiti. O IDH/2010 ratificou nossa posição de ponta no ranking da desigualdade; estamos entre as cinco formações econômicas mais desiguais do planeta – os ricos continuam muito ricos, com os 10% mais ricos abocanhando 45% da renda nacional e os pobres continuam muito pobres – onde 50% da população recebe 15% da renda nacional.

Apesar dos índices de pobreza e indigência terem mostrado pequena melhora devido ao Programa Bolsa Família, ainda temos, segundo a PNAD/2009 do IBGE, 8% de brasileiros na pobreza extrema, mais de treze milhões de indigentes – quase três vezes a população do Uruguai.

As desigualdades diminuíram, é um fato; mas tal diminuição foi bem abaixo do que prometeram o “direitista” FHC e o “esquerdista” Lula no início de seus respectivos mandatos presidenciais.

Na educação as coisas vão de “mau a menos mau”, segundo palavras do sociólogo-presidente FHC. Nosso país possui, segundo o IBGE, 15 milhões de analfabetos – leia-se ágrafos. Os analfabetos funcionais – os que não sabem ler e escrever com pleno domínio – variam de 60 a 75 milhões de pessoas; o que nos leva ao despautério de possuirmos, potencialmente, 90 milhões de analfabetos, entre ágrafos e funcionais.

A escola sequer é capaz de ensinar a ler e escrever a maioria das pessoas que por ela passam; segundo dados do IDH/2010 a escolaridade média do brasileiro é de 7,2 anos, equivalente a do Zimbabwe – isso mesmo, o país de pior IDH do planeta, que sequer possui moeda corrente.

A persistência de nosso atraso cultural se expressa num dado bem esclarecedor: segundo pesquisa feita pela Câmara Brasileira do Livro em 2008, o brasileiro compra, em média, 1,2 livro por ano – se descontarmos da pesquisa os 6,2 milhões que declaram ter acesso somente à Bíblia, a média despenca para menos de um livro por habitante – distribuído desigualmente, como a riqueza em nossa sociedade, uma vez que, na mesma pesquisa, 47 milhões de pessoas declararam nunca ler livros. Os principais motivos para não ler foram: falta de tempo, o alto preço dos livros e cansaço.

Uma primeira e elementar conclusão é que a esmagadora maioria de nossa população, devido à superexploração do trabalho e às profundas desigualdades sociais, nesta lógica jamais terá acesso aos bens culturais e ao conhecimento; pela falta de condições cognitivas, socioeconômicas ou as duas coisas.

Nossa juventude, no limiar do terceiro milênio, convive com o desemprego – 64% dos desempregados no país são jovens – e com a violência – a maior causa de mortalidade entre os jovens é assassinato segundo o IBGE. De acordo com o Núcleo de Estudos Sobre a Violência da USP 50% das vítimas de assassinato nas periferias dos médios e grandes centros urbanos brasileiros são jovens e não brancos.

A promessa de mais justiça social, mais prosperidade e educação de qualidade como alavancas para combater o atraso e criar no Brasil uma sociedade moderna e menos desigual, ficou no papel e nos discursos – prometeram o paraíso terreno e nos entregaram o purgatório.

De tantas promessas de redenção social via educação, restou a privatização crescente do ensino público com a ingerência do capital privado; e decadência da profissão docente e a criminalização dos professores através de uma campanha sistemática de culpabilização do magistério pela má qualidade do ensino público – pelos meios de comunicação e por pseudos intelectuais que agem como penas de aluguel a serviço do capital.

A juventude também foi vitimizada pelas reformas neoliberais na educação com um ensino cada vez mais aligeirado – limitando-se toda a educação básica a ler e escrever, alfabetização ou letramento – onde as escolas públicas se transformaram em “depósitos de gente”, num instrumento de contenção social, com os professores sendo obrigados a deixar de ensinar para assumir a condição de “animadores culturais”.

É preciso transformar nossa angústia em ação, como disse a jovem professora Amanda Gurgel, ou, noutros termos, o professorado deve encabeçar um movimento social em defesa de sua dignidade profissional e do direito a escola pública de qualidade para todos – nossas reivindicações funcionais e salariais são educacionais, nossas reivindicações educacionais são sindicais.

Como disse Oliver Cronwell – revolucionário inglês do século XVII – “Aquele que sabe pelo que luta, luta mais e melhor”.

* Historiador e professor da rede pública em São Paulo. Co-autor do livro “A Proletarização do Professor”, Ed. Sundermann