O Opinião entrevistou Flávio Guimarães, militante do PSTU e integrante da Frente de Defesa do Povo Palestino, que recentemente visitou o Egito. O ativista fala sobre os principais desafios da revolução, depois da queda de Mubarak. ConfiraQuais foram as suas impressões na chegada no Egito após a queda de Mubarak?
Flávio – A primeira sensação de quem chega ao Cairo é o clima de revolução que está no ar. Todas as pessoas com quem conversei sentiam orgulho da revolução do dia 25 de janeiro, como a chamam lá. As famílias levam os filhos para visitar a Praça Tahrir, escutar os discursos, compram bandeiras do país, pintam os rostos dos filhos com as cores nacionais. Na verdade o povo egípcio sente que derrubou um ditador odiado pela coragem e pela força da mobilização de milhões.

Mas houve mudanças concretas?
As conquistas da revolução são evidentes: além da derrubada de Mubarak, o parlamento ilegítimo foi destituído, a polícia política foi dissolvida e transformada em uma divisão do Ministério do Interior, os sindicatos independentes estão legalizados, as greves conquistaram reajustes, vários presidentes de empresas estatais foram destituídos, daqui a seis meses haverá eleições livres para todas as associações estudantis universitárias, os edifícios e auditórios nas universidades foram rebatizados com os nomes dos mártires da revolução e todos os grupos políticos atuam abertamente, incluindo os socialistas.

A revolução já terminou?
Não. Essas conquistas são muito parciais. Há demandas democráticas como a liberdade para todos os presos políticos, julgamento de Mubarak, igualdade para as mulheres e outras que não foram atendidas. Os baixos salários e o altíssimo desemprego entre a juventude também não estão resolvidos. Há ainda questões anti-imperialistas como os acordos com Israel e o fornecimento de gás a preços reduzidos para Israel, que também não estão resolvidas. Na verdade, só um governo dos trabalhadores pode oferecer uma solução séria para estas demandas.

Qual é a reação entre o governo e o imperialismo?
A burguesia egípcia e a cúpula militar, com o apoio dos governos estadunidense e europeus, frente à força da revolução popular, mudou de tática. Ao invés de apelar para a repressão aberta contra as mobilizações, busca outra saída para congelar e desmobilizar a revolução: ampliar a base de sustentação do regime através de eleições livres com a cooptação dos partidos burgueses de oposição, como a Irmandade Muçulmana, e de dirigentes da juventude e do movimento popular.

O que o governo tem feito para congelar a revolução?
Após a queda de Mubarak, a cúpula militar indicou um novo governo com integrantes não vinculados a ele, e um conselho de sábios para fazer propostas de emendas constitucionais. O chefe desse conselho é ligado à Irmandade Muçulmana, que desde então está unida às políticas do governo. Esse apoio levou a várias crises internas com a juventude e outros dirigentes da Irmandade. A primeira vitória do novo governo foi no plebiscito sobre as emendas constitucionais.

Quais eram as emendas constitucionais aprovadas?
Estas emendas basicamente estabeleciam garantias para a legalização dos partidos e para as eleições, além de limitar as leis de exceção ao período de seis meses. De imediato as emendas foram apoiadas pela Irmandade Muçulmana e pelo partido de Mubarak, os maiores do país.

Qual é a posição dos setores revolucionários?
A juventude representada principalmente pela coalizão da Juventude da Revolução e setores à esquerda se opuseram às emendas, pois querem uma nova constituição, já que a atual tem vários problemas, como dar poderes ditatoriais ao presidente, a impossibilidade de mulheres se candidatarem à presidência, e a discriminação aos cristãos, que são cerca de 20% da população. A população cristã também se opôs. Outros setores liberais se opuseram às emendas, pois querem adiar as eleições para ter tempo e condições para concorrer e impedir que a Irmandade Muçulmana, maior partido de oposição, vença as eleições.

O governo conseguiu aprovar as emendas…
O governo venceu com uma votação dividida nas cidades mais importantes do país, do Cairo e Alexandria. No dia seguinte ele anunciou uma lei antiprotestos. Antes o governo já fazia uma campanha aberta contra as greves baseado na necessidade de retomar a economia e de ter estabilidade. Com isso, o governo busca isolar as greves que se generalizaram.

A revolução acabou?
Não, a revolução continua. A resposta veio no dia 1° de abril. A manifestação na Praça Tahrir no Cairo, e em frente à mesquita Al Qaed Ibrahim em Alexandria, reuniu mais de cem mil pessoas. As reivindicações são julgamento de Mubarak por conta das mortes durante a revolução e o indiciamento do “eixo do mal” [principais colaboradores de Mubarak]. Também querem o fim das leis de emergência, a libertação de todos os presos políticos, abolir o uso dos tribunais militares para julgar civis, a destituição dos governos e parlamentos regionais, e a dissolução do NDP [partido de Mubarak], com um período de proibição de seus membros de participar de eleições. E deu prazo de uma semana para o atendimento das reivindicações, já convocando manifestações para 8 de abril.

Qual é a posição sobre a Revolução na Líbia?
No dia 18 de março, na Praça Tahrir, um representante dos rebeldes líbios foi ovacionado pelos manifestantes. O apoio à revolução líbia é visível. No dia 1º de abril, um bloco de 100 apoiadores de Kadafi tentou integrar a manifestação na Praça Tahrir, mas foi impedido pelos manifestantes.

E a posição quanto a Israel?
Israel é odiado pelo povo egípcio. O ascenso das lutas no Egito começou em 2000 com o movimento de solidariedade aos palestinos. O preço baixo do gás fornecido a Israel foi objeto de protestos no último dia 1º. Esse ódio contra Israel ocorre em todo o mundo árabe. No Líbano, por exemplo, há uma ativa campanha de boicote à Israel.

Quais são as perspectivas da Revolução?
A revolução é uma só em todo o mundo árabe. Já teve uma primeira vitória na Tunísia e no Egito. Mas segue em aberta em toda a região. A aliança entre a juventude revolucionária com a classe trabalhadora, mais as mulheres e os soldados na base do exército, pode criar um poder alternativo, um poder operário, que pode levar a revolução até o fim. A maior debilidade é a direção do movimento. Após a falência do nacionalismo árabe de Nasser e do stalinismo, que se acomodaram com o imperialismo e Israel, surgiram as correntes fundamentalistas. Estas também tendem à negociação com o imperialismo pelo seu caráter burguês. É necessário apoiar todas as iniciativas que existem para a construção de um partido revolucionário socialista em toda a região.

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