A China deixou de ser um baluarte socialista? O caráter do Estado chinês é uma discussão importante entre a esquerda mundial hoje. Martín Hernández, dirigente da LIT(QI), em artigo publicado na revista Marxismo Vivo no 2 (outubro de 2000), lembra que o governo chinês desmente que tenha restaurado o capitalismo usando como argumento o grande número de empresas que continuam sendo estatais. A burocracia define seu regime econômico como “socialismo de mercado”, o que seria então um Estado híbrido, em parte socialista, em parte capitalista.

É certo que a maioria das empresas continuam nas mãos do Estado, mas isso não significa que o Estado chinês seja híbrido. A participação da indústria privada no total da produção não pára de crescer enquanto com as empresas estatais ocorre o oposto. Mesmo sendo estatais, elas estão submetidas às regras da economia de mercado e, direta ou indiretamente, têm uma participação decisiva no desenvolvimento das empresas privadas. Isso é determinante para se definir o Estado chinês como capitalista, e não híbrido ou qualquer variante de “socialismo de mercado”. Porque, como lembrou Trotsky, ao comentar a situação da ex-URSS, em 1939, as formas de propriedade e as relações de produção que um Estado protege e defende é o que define o caráter de classe desse Estado (A URSS na Guerra).

E como está isso na China? Em seu artigo, Martín Hernández cita um folheto editado pelo próprio governo chinês, em que se afirma que “as empresas estatais fizeram importantes contribuições: abasteceram as empresas não-estatais de matérias-primas, fontes de energia, instalações públicas e equipamentos técnicos; assumiram em grande medida responsabilidades no cumprimento dos ingressos financeiros, dos planos de caráter orientador e das tarefas sociais; apoiaram o Estado na aplicação de políticas preferenciais para as empresas coletivas, individuais, privadas e de capital externo; criaram as condições para uma rápida acumulação de bens e um acelerado desenvolvimento das empresas não-estatais”.

A burocracia chinesa colocou o Estado a serviço do capital privado e está construindo uma economia sustentada na exportação de produtos industrializados. Assim, em vez de tornar-se uma potência, ela torna-se cada vez mais uma economia dependente do imperialismo e do capital multinacional. Hoje, uma parte dessas empresas é proibida de repatriar seus lucros. Mas as multinacionais, com sua voracidade sem fim, vão conseguir derrubar também essas barreiras, como já derrubaram inúmeros mecanismos regulatórios e até mesmo culturais. O velho costume chinês de tomar chá já está sendo substituído pelo café, tamanho o bombardeio de algumas empresas exportadoras, entre elas a brasileira Cacique.

Na divisão de trabalho da economia globalizada, a China ocupa o lugar dos países subdesenvolvidos. Basta que a fonte dos investimentos externos seque ou que os EUA deixem de comprar da China para que ela despenque ladeira abaixo, como ocorreu com outros “milagres econômicos” que conhecemos, entre eles o brasileiro na década de 70.
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