Com o objetivo de construir uma opção de esquerda socialista, que mantenha viva no processo eleitoral a luta pela ruptura com o imperialismo e o grande capital, José Maria de Almeida, o Zé Maria, será candidato pela segunda vez a presidente pelo PSTU. Nessa entrevista ele fala dos objetivos desta campanha, da situação política no país, critica o caminho adotado por Lula e fala ainda um pouco da sua visita recente a França as vésperas do processo eleitoral naquele país.

Opinião Socialista – Agora que já é definitiva a sua candidatura à Presidência da República, nos diga como você vê a situação do Brasil, o quadro eleitoral que vem se armando e o porquê da sua candidatura.

Zé Maria – A realidade brasileira se insere em um quadro de crescente polarização e radicalização social e política que caracteriza a situação mundial. Argentina, Palestina, Venezuela, Colômbia, são expressões – cada qual com sua característica específica – dessa polarização. Essa situação é fruto da ofensiva imperialista que aperta e aperta para aumentar a exploração dos trabalhadores (inclusive os dos países imperialistas) e da rapina das riquezas do 3º Mundo.

Por outro lado, justamente em função desses ataques, assistimos a um intenso crescimento e radicalização das massas trabalhadoras que não aceitam, não suportam mais viver nas condições que lhe são impostas pelo imperialismo e pela burguesia de cada país.

O Brasil não se encontra na mesma situação que uma Argentina, por exemplo, mas caminha no mesmo sentido: o endividamento do país é explosivo. Já passam dos 700 bilhões de reais, que consomem metade do orçamento do país todos os anos. São similaridades como essa, entre Brasil e Argentina, entre os modelos – de verdadeira recolonização – que nos leva a dizer que o rumo é o mesmo, que é uma questão de tempo para que aconteçam também aqui explosões da luta de classes.

OS — Que saída os trabalhadores têm frente a esse quadro?

Zé Maria — O governo FHC para continuar ajudando o império norte-americano a recolonizar nosso país já apresentou sua alternativa: José Serra.

A candidatura Lula infelizmente vem marcada pelo abandono completo da defesa de qualquer mudança substancial na realidade que o país vive. Ao afirmar que vai continuar pagando a dívida, que vai manter os acordos com o FMI, o que Lula e a direção do PT estão dizendo é que não vão mudar a vida do povo, que vão ajudar a que se continue implantando no país o plano de recolonização do imperialismo.

O Brasil precisa de uma alternativa verdadeiramente de esquerda, socialista, que apresente uma saída da crise de maneira a que os ricos paguem por ela e não, mais uma vez, os trabalhadores; que levante um programa de ruptura com o imperialismo e com o capitalismo, e que diga com clareza ao nosso povo que ele não deve depositar suas esperanças nas eleições simplesmente, ou nestas instituições podres da sociedade capitalista, que ele precisa fortalecer suas organizações e lutar, que é a luta do povo que muda a vida do povo

OS – O PT hoje diz ser um partido de centro-esquerda. No quadro mundial atual, na sua opinião, que papel tem cumprido a centro-esquerda e qual o lugar da esquerda?

Zé Maria – A centro-esquerda acaba sendo o governo que, apoiado na autoridade que tem frente as massas, enfrenta os trabalhadores para dar continuidade à implantação do programa econômico dos grandes grupos capitalistas.

O melhor exemplo disso é a Argentina, onde o “candidato do social”, de oposição ao “neoliberalismo de Menem”, apoiado pela grande maioria da esquerda argentina ganhou as eleições. O que aconteceu? Ele continuou pagando a dívida externa, não rompeu com o FMI, não reestatizou as empresas privatizadas, não mexeu com os bancos…Bem, nós estamos vendo o resultado disso.

Outro exemplo são as prefeituras administradas pelo PT, que prenunciam a materialização desse “modo petista de governar”. Como está a administração da Marta Suplicy em São Paulo? A prefeitura fica gastando fortunas com propaganda de medidas paliativas que não resolvem nenhum dos problemas do povo pobre de São Paulo e só faz propor parcerias com os governos federal e estadual. Agora, acabou de fazer aprovar na Câmara dos Vereadores uma lei que diminui as verbas para a educação. E para aumentar o absurdo, o PT municipal expulsou o único vereador petista que teve a hombridade de votar contra o projeto da prefeita.

As massas vão se rebelar contra isso tudo a que estão sendo submetidas. A centro-esquerda vai estar do outro lado da barricada. Cabe à esquerda socialista construir uma direção que possa levar essa revolta das massas a se transformar em uma luta consciente contra a exploração capitalista e à disputa pelo poder para que se implante um governo da classe trabalhadora, apoiado em suas organizações.

OS – Você acabou de chegar da França. Lula esteve lá apoiando Jospin, você foi apoiar Arlette Laguiller, de esquerda. É possível algum paralelo com as eleições brasileiras?

Zé Maria – A França está passando por uma disputa eleitoral marcada pelo descrédito das pessoas. O maior fenômeno acaba sendo a abstenção, porque as massas não vêem diferenças entre o candidato da direita com chances de ganhar – o Chirac – e o candidatos da centro-esquerda, do PS – o Jospin – que Lula foi à França apoiar. Os dois já governam a França em co-habitação, como dizem por lá: um é presidente (Chirac) e o outro (Jospin) é primeiro-ministro. Governaram juntos, sem nenhuma grande diferença, por anos. Agora aparecem como adversários políticos, em torno a diferenças que ninguém consegue enxergar.

Por isso, foi emblemático o apoio de Lula a Jospin. Este, deu destaque a Lula porque precisava apresentar algo que o identificasse mais com a esquerda. Lula, de seu lado, foi apoiar o chefe de um governo imperialista europeu “porque tem a mesma visão de mundo”, e “vão fazer muitas parcerias se vencerem as eleições”. Deste jeito, se ganhar as eleições vai ficar igual a Jospin e ao terminar o mandato, os trabalhadores não vão conseguir ver as diferenças.

O crescimento da chamada extrema esquerda é outro fenômeno importante, que se expressa principalmente na votação da Arlette Laguiller, mas também no candidato da LCR. Sem dúvida é expressão de que há uma radicalização de setores do movimento de massas francês e que há uma experiência importante se completando, com o governo da esquerda reformista.

OS — Como será a sua campanha? Que propostas você apresentará e como vê a relação entre as eleições, sua candidatura, os movimentos sociais e as lutas dos trabalhadores?

Zé Maria — A campanha do PSTU será uma campanha anti-capitalista, partindo de um eixo central que é a luta contra o imperialismo sintetizado na luta contra a Alca, pelo rompimento com o FMI e pelo não pagamento da dívida externa.

A partir daí o nosso programa elencará pontos como a defesa da estatização dos bancos e das grandes empresas, a reestatização das empresas privatizadas, a reforma agrária ampla, sob controle dos trabalhadores rurais, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, a proibição da demissão imotivada, investimento maciço na educação, saúde, moradia popular, etc.

Ao levantar esse programa a nossa campanha discutirá também duas outras questões que para nós são centrais: só um governo da classe trabalhadora aplicará um programa como esse, e só a nossa luta poderá criar as condições para implantarmos um governo assim. Nossa campanha acontecerá estreitamente vinculada às lutas, aos movimentos sociais, será um instrumento para a luta contra a Alca, para a defesa das ocupações do MST, para as greves, etc. Nosso programa de televisão, nossos atos políticos, tudo estará a serviço dessas lutas e do debate sobre essa saída que propomos ao país.

OS — Você diz que não é possível mudar o Brasil sem romper com o FMI, não pagar a dívida externa e sem tomar medidas anti-capitalistas. Muitos dizem que o país iria para o brejo com tais medidas, isso se não fosse bombardeado pelos EUA. O que você acha disso?

Zé Maria — Sobre o argumento de que o país vai para o brejo parece piada. O povo desse país já está no brejo há muito tempo por causa da subordinação dos interesses do nosso país ao imperialismo e aos interesses da burguesia.

Não é verdade que o capital financeiro coloca dinheiro no Brasil para financiar nossa economia. Eles tiram dinheiro daqui. Se pararmos de pagar a dívida e por isso não entrar mais nenhum tostão de dinheiro estrangeiro no país, ainda assim estaríamos ganhando e muito.

Além do mais, se um país com a importância econômica e política que tem o Brasil toma uma atitude como parar de pagar a dívida, sem dúvida poderíamos gerar um processo em cadeia que levaria muitos outros países a adotar a mesma atitude, o que poderia levar a uma explosão da ordem imperialista, mas no mínimo limitaria muito qualquer medida de retaliação por parte dos donos do mundo.

OS — Dirigentes de correntes de esquerda do PT, apesar de discordarem do programa que Lula defende e de algumas alianças, como com o PL, dizem que é preciso apóiá-lo porque sua candidatura, apesar de tudo, significará um acúmulo de forças e, portanto, dizem que a candidatura do PSTU é divisionista. Como você vê esta questão?

Zé Maria — Quem divide a esquerda é quem passa de malas e bagagens para o campo do inimigo. A direção do PT e Lula, ao atirarem o programa das organizações dos trabalhadores no lixo para viabilizar alianças com a burguesia, ao criticarem o MST para parecerem bonzinhos aos donos do poder, dividem a esquerda brasileira.

E praticamente obrigam o PSTU a lançar uma candidatura, pois se a direção do PT desertou da tarefa de construir uma alternativa de classe, socialista, o PSTU não vai fazer o mesmo. E nós não concordamos com essa estória de que, mesmo do jeito que está, a candidatura de Lula signifique algum acúmulo de forças para os trabalhadores. Significará acúmulo de forças para a centro-esquerda, que defende um projeto contrário aos interesses dos trabalhadores. E se ganhar as eleições vai enfrentar os trabalhadores para defender os interesses da burguesia com quem está se aliando e também os interesses do imperialismo. Que acúmulo de forças para os trabalhadores argentinos representou De La Rua?

OS — Você e o PSTU vêm insistindo de que é necessário hoje construir uma alternativa ao PT, de esquerda, socialista e revolucionária. Essa proposta continua de pé? Como ela se viabilizaria e qual a urgência dela, na sua opinião?

Zé Maria — O conteúdo do projeto defendido pela direção do PT já está definido e está bastante claro para todos aqueles que querem ver.

Para aqueles que continuam lutando pelo socialismo no nosso país, então, é que fica essa responsabilidade. E ela não é só do PSTU, porque não é só no PSTU que se encontram os socialistas, os revolucionários brasileiros. Estão também na base do PT, na Consulta Popular, no MST, nos diversos movimentos sociais e em outras opções partidárias.

Nós acreditamos que é urgente que se construam pontes, caminhos, que possam unificar a todos nós, da esquerda socialista brasileira em um grande partido socialista, revolucionário, que seja esse instrumento para a luta do nosso povo, pela sua libertação do jugo do capitalismo.

Um partido que seja superior ao PSTU, não só em quantidade de militantes, mas em qualidade política também, que possa somar a experiência e a tradição do PSTU, dos militantes que estão no PT, no MST, nos diversos movimentos sociais, na Consulta Popular, etc. Esse é o desafio que está colocado para todos nós nesse período que se abre.

OS — O que você propõe aos milhares de ativistas combativos deste país?

Zé Maria — A primeira coisa que proponho a todos é que intensifiquemos nossos esforços na campanha contra a Alca, contra o pagamento da dívida externa. Que apoiemos com determinação as lutas sindicais, as ocupações do MST, as lutas do movimento popular. E que nestas lutas levem, aí sim as nossas propostas, um programa para mudar o Brasil e um chamado à luta para aplicar esse programa. E que formem grupos de apoio, da forma e da maneira que for mais adequado em cada situação. Que cada um, de acordo com as suas possibilidades ajude a campanha, façam contatos com a nossa militância para organizarem juntos atividades.

Mas que acima de tudo tenham presente que não se trata apenas de uma disputa eleitoral.

Trata-se de manter viva a luta pelo socialismo em nosso país, de construir uma ferramenta, um partido revolucionário que possa impulsiona-la. O PSTU está colocando todas as suas forças a serviço desse objetivo. E queremos que todos os companheiros que pensam como nós, venham nos ajudar a construir esse projeto