Criação de um banco comum é uma ação antiimperialista ou caminho para escoar o capital do petróleo venezuelano e garantir a expansão das multinacionais em toda a América Latina?O Banco do Sul foi fundado no dia 9 de dezembro de 2007, em uma cerimônia na Casa Rosada, em Buenos Aires. Os presidentes de seis dos sete países fundadores estavam presentes: Venezuela, Bolívia, Argentina, Brasil, Equador e Paraguai, além do Uruguai. O objetivo do Banco do Sul é financiar projetos de desenvolvimento na América do Sul, a partir de um capital inicial formado por aportes dos países membros, à semelhança de outros organismos semelhantes. Sua importância para a economia da região ainda não pode ser estimada, mas é possível fazer uma análise de seus principais objetivos levando-se em conta declarações de seus membros e a realidade econômica e política da América do Sul.

O ministro das Finanças da Venezuela, Rodrigo Cabezas, disse que o Banco do Sul teria um capital inicial de US$ 7 bilhões. Até agora, apenas a Venezuela comprometeu-se com um desembolso de US$ 1,4 bilhões e a Argentina com 10% de suas reservas internacionais, ou seja, US$ 350 milhões. Já o Brasil participará do Banco, segundo um funcionário do Ministério das Relações Exteriores, “só para não ficar de fora. … se o Brasil quer manter sua influência regional, não se pode dar ao luxo de não participar numa entidade onde há outros seis países… Simplesmente, agora temos dois bancos de desenvolvimento, o BNDES e o Banco do Sul”.

Entre as novidades previstas está a proposta venezuelana de que cada país participante tenha direito a um voto, independentemente de sua participação no patrimônio do Banco. Segundo o ministro venezuelano, o Banco do Sul “não terá dono” e abrirá um precedente criando uma instituição de financiamento multilateral livre do poder de veto de acionistas não regionais. Nos organismos de financiamento existentes, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os países membros têm direito a um número de votos proporcionais à quantidade de ações que possuem. Os EUA, por exemplo, possuem 30 % dos votos nas decisões do BID e são determinantes em sua política de investimentos.
Diferentes objetivos
Há mais de um ano o presidente venezuelano Hugo Chávez pôs em marcha o projeto do Banco do Sul, com apoio inicial apenas de Nestor Kirchner, presidente da Argentina, e Evo Morales, da Bolívia. Para o ministro das Finanças da Bolívia, Luis Arce, “na América do Sul necessitamos de um organismo financeiro que solucione o problema da concessão de empréstimos”, referindo-se à redução de empréstimos concedidos pelo Banco Mundial e pelo BID.

Já o Brasil, onde o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o principal agente de financiamento, pretende que o Banco do Sul esteja baseado em padrões estritamente comerciais. Segundo Guido Mantega, ministro da Fazenda, “O banco do Sul deve ser um banco de desenvolvimento com as leis de mercado, que requeira garantias e tenha objetivos muito claros para a alocação de recursos, por cujas aplicações, afinal, somos todos responsáveis”. Além disso, pretende direcionar seus investimentos no desenvolvimento do Mercosul, pois “estamos apoiando um projeto que irá beneficiar nossos sócios comerciais e políticos, e empresas brasileiras que atuam nesses países”.

No entanto, a Venezuela o vê como uma espécie de FMI da América do Sul, com um papel importante na definição da política monetária regional e para providenciar formas de equilíbrio da balança de pagamentos dos países membros e proteger suas reservas internacionais. A Argentina, que teve seu peso econômico na região bastante diminuído após a crise de 2001, tem o objetivo de evitar uma redução ainda maior de sua importância regional e ser um fator de equilíbrio entre Venezuela e Brasil.

Para resumir, poderíamos dizer que o governo brasileiro quer que o Banco do Sul adote ferramentas econômicas para direcioná-lo politicamente ao seu objetivo de expandir o capital estabelecido aqui aos demais países, baseado na maior força de sua economia. A Venezuela quer estabelecer meios políticos para a expansão de sua economia, atualmente com um capital petroleiro ávido por novas aplicações, baseado no grande peso político de Chávez. Os países de menor peso, como Bolívia e Equador, vêem uma chance de receber parte do capital acumulado nestes dois países, para fortalecer sua própria burguesia, e a burguesia da Argentina procura se reerguer no cenário local.

O petróleo como pano de fundo
A alavanca mais potente para a formação do Banco do Sul é o preço do barril do petróleo, beirando a casa dos cem dólares. Isto faz com que um grande capital suplementar seja dirigido aos países exportadores, principalmente à Venezuela, único país da OPEP na América do Sul, mas também ao Brasil, à Bolívia, com a terceira maior reserva de gás natural do mundo, e ao Equador. Na economia capitalista em sua fase imperialista, é necessário que o capital vindo da indústria e da agricultura se transforme em capital financeiro, para poder se internacionalizar, através da participação no mercado mundial de ações, e assim seja valorizado mais rapidamente. Isto é, este capital extra-acumulado, proveniente da renda petroleira em alta, será aplicado no mercado através do Banco do Sul para procurar melhores oportunidades de exploração da classe trabalhadora em países onde a mão de obra seja mais barata, através das bolsas de valores. A criação de um banco regional, ao invés da compra de títulos diretamente nas bolsas, tem o objetivo de criar também uma burguesia financeira atada aos negócios do petróleo.

Os banqueiros tradicionais estão preocupados com esta perspectiva de concorrência. Roberto Teixeira da Costa, do Banco Itaú, preocupado em perder capitais, declarou que “minha reação inicial à criação do Banco do Sul foi negativa, e esta percepção não mudou…O que a região precisa é de projetos viáveis e adequados para serem financiados. Eu penso que, em geral, há recursos disponíveis, não uma falta de fundos. Portanto, continuo pensando que o Banco do Sul é um projeto movido pelas aspirações políticas do presidente Hugo Chávez, para ter maior influência na região baseado em seus petrodólares”.

O Banco do Sul também será um instrumento para aprofundar a submissão dos povos do subcontinente à burguesia ligada à exploração do petróleo, e agora dos biocombustíveis. Existem planos para a construção de refinarias para o processamento de gás natural e de 3 gasodutos – um mega-projeto da Venezuela à Argentina, outro atravessando os Andes e outro entre Colômbia e Venezuela, já em construção. O Banco do Sul também poderá ser usado para financiar projetos de expansão da fronteira agrícola da Amazônia, para expandir a plantação de cana para fabricação de etanol, além de linhas de gás natural através da floresta. Todos projetos de alto impacto ambiental e que visam explorar ao máximo as reservas de petróleo existentes e o potencial comercial do etanol em benefício do grande capital.

Uma ação antiimperialista?
O Banco do Sul vem sendo alardeado como um importante meio de combater os organismos internacionais de financiamento, controlados pelo imperialismo norte-americano. Segundo esta versão, o banco poderia substituir o BID e também o FMI e, assim, a influência dos EUA na América do Sul.

Os empréstimos do BID aos países da América Latina estão estagnados em cerca de US$ 5 bilhões anuais há cinco anos. Por outro lado, os valores dos pagamentos de juros e de empréstimos de emergência efetuados pelos países ao BID foram maiores que os investimentos recebidos em 2004 e 2005. Em 2004 houve um fluxo negativo de US$ 1,2 bilhão e em 2005 de US$ 0,1 bilhão. Os empréstimos do Banco Mundial também decresceram, com um fluxo negativo de US$ 4,6 bilhões entre 1999 e 2005.

Vários motivos explicam esta sangria promovida pelos organismos financeiros internacionais. Em 1999 e 2000 foram feitos empréstimos de emergência com altas taxas de juros para que os países da América Latina pudessem suportar a crise econômica ocorrida em 1999. No Brasil essa crise foi identificada com o fim do Plano Real e pôs fim ao ciclo neoliberal do PSDB e de vários governos semelhantes no sub-continente. Com o crescimento ininterrupto do PIB desde 2003 na América latina, os bancos passaram a “cobrar a fatura”, impedindo assim que a riqueza produzida fosse repassada aos povos da região. Este período corresponde a um novo ciclo neoliberal, agora sob governos nacionalistas-burgueses e de frente popular, como o de Chávez na Venezuela e o de Lula no Brasil, que têm pago religiosamente suas obrigações e até adiantado pagamentos, submetendo-se assim ao imperialismo e impondo ataques às conquistas das massas em seus países.

Além disso, a maior parte dos projetos de investimentos aprovados pelo BID em 2005 estava concentrados no Brasil, na Colômbia e na Venezuela. Em relação aos desembolsos naquele ano, aproximadamente US$ 1 bilhão foram direcionados ao Brasil, ao programa Bolsa Família e para operações do BNDES, de um total de US$ 5,2 bilhões.

Por isso, é de se estranhar que o Banco do Sul seja alardeado como uma alternativa antiimperialista aos organismos internacionais, já que os principais países envolvidos neste projeto não só se submetem a tais organismos como continuam utilizando-se deles em suas operações financeiras. O que está ocorrendo é, na verdade, um maior ingresso de divisas provenientes da renda petroleira, como já explicado, e, com isso, uma maior margem de manobra por parte dos países produtores deste produto. Não é por outro motivo que Chávez, em seu discurso na III Reunião de Cúpula da OPEP, realizada na Arábia Saudita em novembro, disse que “necessitamos de estabilidade, tranqüilidade e que as potências mundiais não suspeitem de nossa garantia de fornecimento seguro e que podemos cooperar bem com estes grandes países consumidores para dar estabilidade ao mercado e estabilidade aos preços”, e completa: “o preço de US$ 100 o barril é praticamente equivalente aos preços de trinta, trinta e cinco dólares dos anos 70. É um preço justo”. Preço “justo” de mundo em princípio de crise econômica, da mesma forma que nos anos 70.

Para bom entendedor, “meia” palavra basta. Chávez está longe de pregar uma ruptura com o imperialismo, mas quer sim garantir a estabilidade política mundial para continuar recebendo o “preço justo” de cem dólares o barril de petróleo, acalmando os países imperialistas quanto aos reais objetivos de seu “socialismo do século XXI”, que tem como verdadeiro significado o fortalecimento da burguesia venezuelana, a chamada “boliburguesia”, baseada nos petrodólares. Quanto às intenções do governo brasileiro, não é preciso dizer mais que Lula já fez e disse várias vezes, quando recebeu Bush de braços abertos e considerou os EUA como o principal parceiro comercial do Brasil. Isto é, o Banco do Sul seguirá as mesmas orientações do Mercosul, será um organismo a serviço da expansão das multinacionais em toda a América Latina. Os demais países componentes do Banco do Sul estão entre estes dois, digamos, extremos.

A verdadeira integração latino-americana
Existem, também, análises, não apenas da esquerda mas de setores da burguesia, de que o Banco do Sul pode ser o impulsionador de uma Comunidade Sul-americana – a União das Nações Sul-Americanas – com moeda única e fim das barreiras alfandegárias, à semelhança da Comunidade Européia e seu euro. Iniciar tal integração através da fundação de um banco e sob governos pró-imperialistas é um bom indício do que está por vir para a classe trabalhadora. Isso só poderia resultar numa associação de países para serem ainda mais submetidos ao imperialismo. Podemos buscar o exemplo, mais uma vez, no Mercosul, alardeado por apoiadores do governo Lula como um mecanismo de integração dos países do cone sul, mas que serve como instrumento de maximização dos lucros de empresas nacionais e estrangeiras, principalmente as montadoras de automóveis, ao custo do salário e emprego de milhares de trabalhadores. O que estes governos buscam, na verdade, é uma união para negociar em melhores condições com o imperialismo e ficar com as sobras que caem da mesa de banquete dos países ricos.

Para a classe trabalhadora, continua atual a posição de Trotsky que, no fim dos anos 30, frente ao surgimento de burguesias nacionais na América Latina que enfrentavam parcialmente o imperialismo, disse a respeito da união dos países latino-americanos: “Haya de la Torre insiste na necessidade da unificação dos países latino-americanos e termina sua carta com a fórmula: ‘Nós, os representantes dos Estados Unidos da América do Sul’. Em si a idéia é totalmente correta. A luta pelos Estados Unidos da América Latina é inseparável da luta pela independência nacional de cada um dos países latino-americanos… Das fórmulas extremamente vagas de Haya de la Torre, pode-se extrair a conclusão de que espera convencer os governos atuais da América latina de que deveriam unir-se voluntariamente … sob a custódia dos Estados Unidos. Na realidade, somente mediante a mobilização revolucionária das massas populares contra o imperialismo, incluída sua variante “democrática” (os EUA), é possível alcançar esta grande meta. É um caminho difícil , admitimos, mas não há outro”.

Completamos dizendo que, embora hoje os Estados Unidos não possam ser classificados mais como um imperialismo “democrático”, mesmo que entre aspas, os governos da região continuam submissos a ele e fazendo acordos políticos e comerciais, mesmo quando seus discursos sejam de oposição. O contrário do que é necessário para a verdadeira independência e unificação dos países da América Latina, que só será possível com a emancipação da classe operária para a construção dos Estados Socialistas da América Latina.

FONTES UTILIZADAS

– www.adital.com.br, Banco del Sur começará a funcionar em três meses, 30/12/2007
– www.elpais.com, Siete países fundan el Banco del Sur, 10/10/07
– www.elpais.com, Chávez logra el apoyo de Brasil e Colombia al Banco del Sur, 27/10/2007
– www.vermelho.org.br, Lula: Banco do Sul é ‘decisivo’ para integração, 10/12/2007
– www.bicusa.org, Vince McElhinny, Banco del Sur: A reflection of declining IFI relevance in Latin America
– www.pdvsa.com, Discurso del presidente Hugo Chávez en la sesión de apertura de la 3era cumbre de la OPEP
– Relatório anual do BID, 2005 Annual Report on Portfolio Management, Performance and Results
– L. Trotsky, Haya de la Torre y la democracia – Um programa de luta militante ou de adaptação ao imperialismo norte-americano?, Escritos, Editorial Pluma, Tomo X, v. 1