O avanço da Petrobras em territórios estrangeiros segue fielmente a receita de expansão capitalista. O caso do Equador é um exemploA história já não começa bem. A companhia brasileira entrou no Equador pela porta dos fundos. Pelas leis locais, a empresa deveria ter uma sede no país e submeter os contratos de exploração à aprovação governamental. A Petrobras desembarcou no Equador em 2002 sem ter ganhado nenhuma licitação pública. Chegou lá através de uma compra ilegal dos direitos que a similar argentina Pérez Companc tinha na Amazônia equatoriana, “gerando um quadro de corrupção sem precedentes”, segundo relatório de uma comissão especial criada pelo ex-ministro Alberto Acosta.

Em outubro de 2002, a Pérez Companc comunicou a venda de 58,6% de suas ações à Petrobras, incluindo 100% das ações da EcuadorTLC que, por sua vez, tinha 70% dos direitos de exploração do Campo Palo Rojo, na Amazônia. Até o nome da região foi trocado. De Palo Rojo (Pau Vermelho) para Palo Azul (Pau Azul). É mais ou menos como se uma empresa estrangeira chegasse aqui e não gostasse do nome Bacia de Campos.

A história de exploração desse campo, mais especificamente do Bloco 18, é permeada por falcatruas, cessões ilegais de direitos, inclusive entre empresas de fachada e sediadas em paraísos fiscais, como as ilhas Cayman, informações privilegiadas e outras fraudes. No melhor estilo imperialista pós-moderno, a Petrobras arrebatou tudo isso e hoje é quem dá as ordens por lá.

Há no Equador um movimento muito forte para que sejam anulados todos os contratos de exploração envolvendo a transnacional brasileira, tendo sido criada uma Comissão Especial para análise jurídica do caso. O país está elaborando uma nova constituição, e o presidente da Assembléia Nacional é ninguém menos que o próprio Alberto Acosta, ex-Ministro de Minas e Energia.

Estima-se que a companhia verde-amarela, em menos de cinco anos, tenha retirado ilegalmente cerca de US$800 milhões do Equador, um país onde mais de um terço da população sobrevive com menos de US$1 por dia.

Agressões sociais e ambientais
Se os detalhes jurídicos e econômicos já não dão motivo para nenhum brasileiro se orgulhar de sua poderosa petroleira, os efeitos das atividades da empresa nas populações locais fazem a gente sentir vergonha.
No Bloco 18, por exemplo, localizado no atual Campo Palo Azul (ex-Palo Rojo), existem aproximadamente 4 mil moradores divididos entre cinco comunidades. Em todas elas, os resultados são nefastos.

Na comunidade 25 de Deciembre, com 73 famílias, 70% das crianças apresentam problemas de pele, os quais começaram há uns quatro anos, pouco depois da chegada da Petrobras.

O mesmo acontece nas outras comunidades. Além das doenças de pele, vômitos e diarréia são comuns entre as crianças. Os moradores associam essas enfermidades à água contaminada. Tanto que a maior reivindicação deles é que a empresa traga água tratada, para consumo humano.

Chegaram a firmar um convênio para isso, mas a empresa jamais cumpriu. O máximo que fez foi perfurar um poço artesiano na comunidade Guataraco, contudo insuficiente para abastecer sequer os moradores dali.

Há, portanto, um reconhecimento implícito da contaminação que provocou nas fontes de água potável. Isso ainda tem outros efeitos bem piores.

Tudo começa com a própria perfuração em si, que traz, junto com o petróleo, a água de formação. Essa água vem naturalmente misturada a uma série de compostos, em especial o benzeno. A água é devolvida ao subsolo pelo mesmo caminho, o poço. O processo, porém, não garante 100% de sucesso no retorno. Fora isso, há relatos de despejo direto nos rios e a utilização de caminhões-pipa que molham as estradas locais, todas de terra batida, para baixar a poeira, colaborando muito para a penetração do benzeno nas entranhas da terra e no lençol freático.

O benzeno causa esses problemas de pele e também a leucopenia, doença consistente na diminuição dos glóbulos brancos, acarretando anemia e até leucemia, nos casos mais graves. Uma criança já morreu de leucemia, tendo apresentado os sintomas típicos da contaminação, começando com as erupções de pele. A mãe do garoto agora observa o início dos mesmos sintomas em seu segundo filho.

A direção da Petrobras nega as ocorrências e provavelmente dirá que a morte da criança foi um caso isolado, mesmo porque não há um monitoramento das condições de saúde da população. Em todos os centros médicos, diga-se, criados e mantidos pela empresa a título de “benefício à comunidade”, não há uma rotina de exames nem um protocolo de atendimento, apesar da grande incidência das mesmas doenças no mesmo local. Dessa forma, cada uma das muitas crianças doentes fica sendo “um caso isolado”.

Por outro lado, os funcionários mais graduados da empresa são submetidos a rotinas médicas mensais, inclusive com coleta de amostras de sangue, que são analisadas em laboratórios de Quito, capital do país.

Meio de vida extinto
Além da saúde, as pessoas perderam o único meio de subsistência que tinham. Antes da exploração petrolífera, as comunidades viviam basicamente da cultura de mandioca, banana e cacau. Ao lado dos efeitos óbvios do cultivo com aquela água, o ar foi também contaminado pela fumaça preta gerada pela queima dos gases que sobem à superfície junto com o petróleo e não têm utilidade econômica. As frutas ainda apresentam um aspecto horrível. Ninguém as compraria.

Hoje, quem mora na área vive das migalhas advindas do Plano de Relações Comunitárias criado pela Petrobras, torna-se funcionário dela, geralmente terceirizado, sem direito a nada, em condições de trabalho impostas por algumas das agenciadoras de mão-de-obra, estas, suspeita-se, da mesma forma criadas e mantidas pela própria empresa. A outra opção é ir embora.

Quem fica, além de tudo, corre o risco de nem conseguir dormir direito, pois a empresa recusa-se a suprimir o turno da noite. Ali, no meio da selva amazônica, o barulho é insuportável.

Parque Nacional Yasuní
A Petrobras responde a uma série de processos judiciais no país por degradação ambiental e más condições de trabalho. Além das demandas individuais, há a pressão dos movimentos sociais sobre o presidente Rafael Correa e sobre a Assembléia Nacional Constituinte para a anulação dos contratos da Petrobras.

Fora do Palo Azul, a empresa do Brasil opera no Parque Nacional Yasuní, também no coração da Amazônia equatoriana, uma das zonas de maior biodiversidade do planeta e, desde 1989, parte da Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO.

Por isso, todas as atividades do parque devem sujeitar-se ao acordo internacional denominado Estratégias de Sevilha, que as limita em estudos científicos, educação ambiental e, no máximo, ecoturismo.

Leis locais também protegem a região, não só pela importância ecológica, mas também por abrigar várias nações indígenas. Desde 1999, o parque é considerado Zona Intangível, com a proibição de toda e qualquer atividade extrativista.

Inexplicavelmente, em outubro de 2007, o governo do Equador concedeu à Petrobras uma licença ambiental para operar ali.

Manipulação da mídia
Lá, como cá, as técnicas de persuasão e manipulação da opinião pública são exatamente as mesmas. Porém, enquanto muitos brasileiros ainda se ufanam dos bilhões de dólares faturados pela Petrobras em 2007, mesmo que a maior parte dessa bolada fique com os acionistas em Nova Iorque, e acreditam no “compromisso sócio-ambiental” propagado pela empresa, os equatorianos são mais céticos.

O jornalista Fernando Villavicencio, um dos co-autores do livro Ecuador: Peaje Global (Equador: Pedágio Global), que trata justamente da presença da transnacional brasileira em seu país, afirma que “a Petrobras compra o silêncio”. E parece que está bem informado: “Em seu país, sob o regime de Lula, a petroleira financia eventos esportivos, sociais, políticos e culturais, patrocina publicações de líderes de esquerda e até apoiou economicamente o Fórum Social Mundial, um espaço de resistência à globalização neoliberal e oposição às transnacionais. Em 2005, a petroleira investiu mais de US$110 milhões em atividades culturais e acredito que em 2006 essa cifra tenha dobrado. Assim, a Petrobras ‘refinou’ o silêncio de uma parte da esquerda brasileira e da América Latina”.

Imagem dos brasileiros
Os problemas gerados pela Petrobras são de conhecimento geral no Equador. Mesmo assim, os equatorianos ainda tratam os brasileiros muito bem e reconhecem que nós não podemos ser responsabilizados pela estupidez do nosso governo.

Mais que isso, começam a perceber que o descaso para as questões ambientais, sociais e culturais com que a Petrobras atua lá é exatamente o mesmo em seu país de origem.

Nós é que ainda não percebemos o papelão imperialista que o Brasil faz na América Latina e na África. Sem contar o caso do Haiti, mas aí já é outra história.