Mobilizações contra o aumento da passagem na década de 80

Há 30 anos, sede da Convergência Socialista/Alicerce é invadida pela Polícia FederalHá 30 anos, a ditadura militar enquadrou na famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN) vários militantes da Convergência Socialista (CS) em Belém do Pará. Este episódio foi mais um dos tantos ataques sofridos pela CS em virtude da sua participação na luta contra a ditadura.

A ditadura militar vivia seus dias de agonia, as mobilizações contra o regime dos militares era uma realidade em todo país. As greves dos trabalhadores e as manifestações da juventude ganhavam as ruas, e Belém do Pará não era uma exceção. Com os ventos que sopraram das greves dos operários do ABC paulista, em 1981, os estudantes secundaristas de Belém iniciaram as primeiras manifestações exigindo o direito à meia passagem. Foi uma grande jornada de lutas com a participação de milhares de estudantes duramente reprimida pela polícia. A cada manifestação, havia dezenas de presos e duros enfrentamentos com a cavalaria, que a todo custo tentava impedir que as passeatas chegassem até a casa do governador.

Na cabeça desta luta estava o GREMPS, um grupo de estudantes secundaristas fundado em 1980. Este grupo de jovens, após um longo processo de debate interno, se define pela necessidade de construir uma alternativa revolucionária. Assim, em sua maioria, aderem à Convergência Socialista em 1981. Em 1983, já não éramos um grupo de secundaristas senão que intervíamos na construção das oposições sindicais e participamos de forma ativa na construção do PT. Nas eleições de 1982, nossa candidata Bernadete Menezes foi a segunda candidata mais votada do PT em Belém.

O rápido crescimento da CS, em particular na juventude, chamou a atenção do regime. Neste momento, o jornal Alicerce da Juventude Socialista chegou a vender 800 exemplares nas escolas e universidades. Assim, a resposta não tardou. Em fevereiro de 1983, a sede da CS/ Alicerce, na Nove de Janeiro, foi invadida pela Polícia Federal.

De metralhadoras em punho, ocuparam durante 11 horas nossa sede. Chegaram de manhã e já detiveram os militantes que residiam na parte superior. Todos os que chegavam eram identificados, fotografados e detidos. Neste dia, pela noite, estava convocada uma reunião para a formação de uma chapa que concorreria ao DCE da UFPA. Compareceram mais de 50 ativistas do movimento estudantil e todos foram fichados.

Ao final da “operação”, 16 pessoas foram chamadas a depor na PF e 8 foram indiciados na Lei de Segurança Nacional: Bernadete Menezes, João Batista (Babá), Francisco Cavalcante, Fernando Carneiro, Carlos Vinicius Teles, Luziu Horácio, Maristela dos Santos e Conceição Menezes (Concha). Fomos indiciados no artigo 36 e 42, ameaçados de pegar de 8 a 30 de prisão.

Segundo a ditadura militar “cometemos os crimes” de: incitar a subversão da ordem política e social, de pregar a luta pela violência entre as classes sociais e de fazer propaganda subversiva e aliciamento de menores. Um episódio interessante do julgamento foi quando os textos de Trotsky foram apresentados como “prova” pelos militares para “demonstrar” como éramos pessoas “perigosas”. Os textos apresentados pelos militares se referiam à necessidade da unidade do movimento de massas contra o nazismo na Alemanha. O advogado da Anistia Internacional, Carlos Castro, diga-se de passagem, de forma brilhante, evocou o legítimo direito de luta contra a barbárie nazista e desconcertou os acusadores na medida em que o Exército Brasileiro participou da segunda guerra junto com os aliados. Transformou, assim, a “prova” em defesa dos acusados.

A Lei de Segurança Nacional foi a principal lei repressiva da ditadura e um instrumento para perseguir ativistas sindicais e estudantis, jornalistas e lideranças que combateram o regime militar. No Pará, também foram enquadrados na LSN e expulsos do Brasil dois padres de origem francesa. No mesmo período, os donos da Gráfica Suyá, que editava o Jornal Resistência, foram processados e a Livraria Jinkings foi invadida. Em 1983, existiam 17 presos políticos no Brasil.

Respondemos esse processo por quase dois anos, fomos à julgamento no final de 1984. Durante este período, sofremos muitas ameaças. As agendas telefônicas apreendidas foram utilizadas para telefonar para a casa dos militantes e suas famílias com ameaças, muitos foram demitidos de seus empregos. Éramos monitorados permanentemente.

O Brasil é o país mais atrasado da América Latina em punir repressores da ditadura. Nunca se puniu um torturador. Na Argentina, Uruguai, Chile, vários militares acusados de assassinatos e torturas cumprem penas. Recordar a luta contra a ditadura, reivindicar que toda a verdade venha à tona, que se possa reconstituir a memória das vítimas desta perseguição e que haja justiça, ou seja, punição aos torturadores e assassinos, não é um exercício de nostalgia das lutas do passado. Neste sentido, o ato convocado em Belém pelo gabinete do vereador Fernando Carneiro (PSOL), no aniversário dos 30 anos dos processados pela LSN, ajuda na reconstrução da memória histórica da luta contra a ditadura no Brasil, dos jovens que dedicaram o melhor de suas vidas a esta luta e das organizações, como a CS, que estiveram nesta batalha.