Dos cinco milhões de novos infectados, três milhões são africanos

No dia 1º de dezembro, Dia Internacional de Combate à Aids, há pouquíssimo o que se comemorarHá cerca de 20 anos, a imprensa sensacionalista alardeava a chegada da “peste gay” ao Brasil, cercando de preconceitos as primeiras notícias sobre a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) que, vinculando a epidemia a supostos “grupos de risco”, em muito ajudaram a disseminar a doença. Postura e conseqüência semelhantes se repetiram em grande parte do mundo.

De lá para cá, se houve algum recuo no preconceito foi devido à atuação da comunidade gay e de organizações, que se colocaram à frente das campanhas de esclarecimento e prevenção, forçando, inclusive, alguns governos (do Brasil, entre eles) a adotarem políticas em relação a medidas preventivas e ao tratamento dos soropositivos.

Contudo, a disseminação da doença não parou de crescer e as pesquisas para a cura não avançam, pois os interesses das indústrias que produzem os medicamentos de controle não permitem. A Aids dá lucro.

Alimentada pelo descaso da maioria dos governantes, pela ganância assassina da indústria farmacêutica e pela igualmente criminosa postura de instituições como a Igreja Católica, que prega contra o uso da camisinha, a Aids já infectou cerca de 40 milhões em todo o mundo, tendo provocado, somente em 2005, mais de três milhões de mortes. O pior é que este número ainda está muito distante da situação real. Segundo dados da Unaids (órgão vinculado à ONU), só 10% das pessoas que contraíram o HIV fizeram o teste e estão cientes de que são portadoras do vírus.

O vírus da pobreza e da discriminação
O relatório aponta que, somente em 2005, cerca de cinco milhões contraíram a doença. Para se ter uma idéia da rapidez de sua disseminação, em 2003, o número de infectados era de 37,2 milhões de pessoas. Desde então, nada menos do que 9,2 milhões de pessoas morreram e, apesar disso, o total de infectados não pára de crescer. Hoje são 40,3 milhões, incluindo 500 mil crianças.

Como não poderia deixar de ser, a grande maioria das pessoas infectadas e mortas (que, desde 1981 somam 25 milhões) encontra-se nas regiões mais pobres do planeta e entre aqueles que foram historicamente marginalizados dentro dos países mais ricos. Nesse sentido, o cenário no continente africano é, literalmente, trágico. Dos cinco milhões de novos infectados, três milhões são africanos, a maioria concentrada na chamada África Subsaariana (centro e sul do continente), onde o número de infectados é de 25,8 milhões. Em países mais ao sul como África do Sul, Moçambique e Botsuana, o índice de soropositivos chega a 40% da população.

Para se ter uma dimensão da tragédia, é importante lembrar que, apesar da África Subssariana abrigar apenas 10% da população mundial, é lá que vivem 60% dos infectados e foi lá que morreram 2,4 milhões de pessoas este ano (de um total de 3,1 milhões de mortes registradas).

Nos últimos anos, a proliferação da Aids atingiu particularmente duas regiões do planeta, que não por acaso estão no centro das mazelas do capitalismo: a Ásia e o Leste Europeu, onde a incidência da epidemia é 25 vezes maior do que era há dez anos.

Na América Latina, o aumento do número absoluto de casos de Aids registrados em 2005 é o maior de todos os tempos: 200 mil novos casos elevaram o número de soropositivos para 1,8 milhão; 66 mil pessoas morreram. Destas, mais de um terço encontra-se no Brasil, mas os países mais atingidos são Guatemala e Honduras, onde 1% da população está contaminada.

Nos EUA, onde a epidemia está se alastrando principalmente nas comunidades negra e latina, a idiotia sem limites do governo Bush produziu uma das mais absurdas “políticas” governamentais diante da epidemia: a defesa da abstinência sexual para se prevenir. Agências do governo Bush condicionam os investimentos (no país ou mundo afora) ao compromisso de que os “beneficiados” não utilizem o dinheiro em projetos que questionem sua orientação, que inclui restrições à distribuição de camisinhas e seringas descartáveis.

Descaso fatal e “feminilização”
Como a hipocrisia é uma das marcas registradas do sistema, são os próprios governos e entidades como a ONU que afirmam que para se realizar qualquer programa sério de prevenção e tratamento nos próximos dois anos, seriam necessários, no mínimo, US$ 15 bilhões, mas a previsão é de que apenas pouco mais da metade disso seja aplicado. Enquanto isso, mundo afora, apenas um milhão de pessoas infectadas têm acesso gratuito ao tratamento contra a doença. Na África, somente 10% dos soropositivos têm esse atendimento.

Em todo o mundo, um elemento fundamental sobre a evolução da doença é seu crescimento entre as mulheres. Na África, 75% dos jovens infectados são do sexo feminino.

Brasil: pressão é fundamental
O fato de ter um programa que é referência mundial está longe de fazer do Brasil um local imune aos problemas que se alastram pelo mundo. Assim como em todas as demais, o governo Lula só tem significado más notícias nessa área. Em 2005, o país enfrentou duas crises no abastecimento de preservativos e remédios fundamentais. E a possibilidade de que a coisa mude no próximo ano é remota.

A coordenação do Programa Nacional de DST-Aids já divulgou que os recursos destinados para as campanhas educativas e de prevenção serão de R$ 300 milhões, ou seja, R$ 180 milhões a menos do que o próprio órgão considera ideal.

E mesmo o programa “referência”, que foi considerado graças a muita mobilização e pressão, está muito longe do ideal. Todas as entidades que atuam na área são unânimes em afirmar que enquanto não houver a quebra da patente da medicação utilizada no combate à doença, não haverá um programa realmente eficiente.

Hoje, por exemplo, o programa de distribuição gratuita de remédios contra Aids atinge 151 mil pessoas (das cerca de 600 mil que devem estar infectadas), a um custo de R$ 600 milhões por ano, sendo que 80% são gastos com remédios importados.

A quebra de patentes será a principal reivindicação das entidades que atuam com prevenção e tratamento no próximo dia 10, como afirma um manifesto lançado pelo fórum das entidades do setor de São Paulo: “Ao contrário do que a mídia divulga, o governo jamais quebrou as patentes dos remédios de Aids. A opção – do governo FHC, seguida pelo governo Lula – foi forçar a queda de preços de marcas patenteadas com a ameaça de licenciamento compulsório. Foi uma medida paliativa, mas que não solucionou o problema”.

Segundo as Ongs, se não houver a quebra das patentes, em breve não será possível manter o programa atual, e nem expandí-lo para outras pessoas que deverão procurá-lo no próximo ano.

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