Cena do filme
Yara Fernandes Souza, da redação

Philippe Barcinski apresenta em seu longa de estréia “Não por acaso”, em cartaz nos cinemas a partir deste 8 de junho, duas histórias simétricas e paralelas, que se encontram num evento surpresa que altera as linhas traçadas por seus personagens principais para suas próprias vidas.

O solitário Ênio (Leonardo Medeiros) guarda a história de um relacionamento passado fracassado, escondendo-se em seu trabalho de engenheiro de trânsito. Da mesma forma que controla o tráfego paulistano, os tempos dos semáforos, Ênio acredita poder controlar seus sentimentos, sua vida.

Já Pedro (Rodrigo Santoro) é profissional da sinuca, além de construir as mesas do jogo. Sua namorada Teresa (Branca Messina) se muda para sua casa. Tanto para jogar quanto para o serviço da marcenaria, ele trabalha com a precisão matemática. E, da mesma forma que ensaia uma série de jogadas sucessivas, achando que pode prever inclusive as ações do adversário, Pedro trata a vida como uma sucessão de esquemas desenhados.

As histórias de Ênio e Pedro sofrem bruscas transformações após um acidente de trânsito. Ênio se vê forçado a romper sua solidão e deixar entrar em sua vida a filha adolescente que não conhecia, Bia (Rita Batata). Sem a namorada, Pedro se envolve com Lúcia (Letícia Sabatella), inquilina do apartamento de Teresa. Ele tenta substituir uma pela outra nas mesmas cenas, mas a vida não pode ser ensaiada e prevista.

A capital paulista aqui é bela e triste, com suas ruas, avenidas, pontes, cruzamentos, seus imensos prédios cinzentos, com inúmeras janelas igualmente solitárias e anônimas. Inicialmente, os movimentos das ruas e das bolas de sinuca parecem estar no mesmo ritmo, igualmente controlado pelos personagens. Os carros e as bolas são engrenagens de um sistema, seus movimentos são efeitos de uma causa inicial (a tacada precisa na bola branca, ou a cronometragem dos semáforos). Na medida em que esses personagens perdem as rédeas de seus caminhos, o mundo e a cidade parecem se acelerar. Desta forma, a cidade é parte das duas histórias, ou mesmo uma espécie de personagem delas. São Paulo, aliás, já foi cenário de curtas do diretor, como “Palíndromo”.

“Não por acaso” é um filme que fala sobre o amor e a perda, sem se tornar piegas. Coloca as contradições entre o caos e o controle, o esquemático e o incerto, sem se tornar frio. O mecanicismo da sinuca e do trânsito (cujo funcionamento também é comparado a um sistema de canos hidráulicos) não são apenas metáforas para os conflitos de relacionamento apresentados. Barcinski estudou física antes de fazer cinema e faz uma obra que inclusive suscita alguns questionamentos filosóficos.

O filme mostra o confronto entre as ciências exatas e os vaivéns inusitados das vidas humanas, entre as idéias mecanicistas da física clássica, como a ação e reação, e o evento inusitado, a transformação. No final, a dialética se impõe sobre o mecanicismo newtoniano.

O desfecho das histórias é previsível, mas só se chega até ele quando os dois personagens decidem romper a mecânica lógica de suas vidas.