Rosenverck Estrela Santos, do PSTU Maranhão, Quilombo Raça e Classe e vocalista do grupo de Rap Gíria Vermelha

O 1º de maio é, sem dúvida, uma referência da luta internacional da classe trabalhadora. É um dos marcos da nossa solidariedade de classe. Trabalhadores organizados do mundo todo apontam as formas de exploração e opressão de que são alvos pela burguesia, a partir do modo de produção capitalista que, por sua natureza, gera a miséria e violência, mas também buscam relembrar os episódios de resistência, as lutas em defesa de suas vidas e, para muitos, a necessidade da destruição desse sistema aniquilador da humanidade e da natureza.

No Brasil, não é diferente, rememora-se a luta da classe trabalhadora brasileira, as formas extremamente radicais de exploração do capitalismo em nosso território e a urgência para materializar um projeto de emancipação e igualdade social.

Neste artigo, queremos refletir como tudo isto se relaciona à vida e às lutas daqueles e daquelas que, além da exploração capitalista, se enfrentam com a opressão, particularmente o racismo profundamente arraigado numa sociedade com o passado colonial e escravocrata como o nosso. Uma luta que, para nós do PSTU, só pode acontecer através da unidade com a classe trabalhadora e de forma radicalmente independente da burguesia e seus representantes. Algo que a própria história das lutas negras, desde a época dos quilombos, nos ensinou.

O contexto atual de ampliação da miséria e do desemprego

No atual quadro do capitalismo neoliberal, a exploração e a violência sobre a classe trabalhadora têm se intensificado de tal forma que têm ampliado substancialmente o desemprego, a miséria e a fome dos(as) trabalhadores(as) no mundo, ao mesmo tempo que têm enriquecido astronomicamente um punhado de bilionários que usufruem de suas riquezas, a despeito de toda a miséria do que realmente produzem riqueza.

A imprensa noticiou fartamente que durante a pandemia do coronavírus “as maiores fortunas do planeta dispararam”.  O jornal “El País” afirmou, por exemplo, que “os 20 indivíduos mais ricos do mundo acumularam 1,77 trilhão de dólares no final de 2020, 24% a mais que um ano antes”. Enquanto isso, a pandemia aumentou a pobreza e a miséria no mundo. Em relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) apontou-se que o total de pessoas pobres chegou a 209 milhões, ao fim de 2020. 22 milhões de pessoas a mais do que 2019.

No Brasil, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) destacou que 12,8% dos brasileiros precisam viver com apenas R$ 246 por mês, ficando abaixo da linha de pobreza extrema. Nesse contexto, o IBGE constatou que ao fim de 2020, o nosso país chegou a mais de 13,5 milhões de desempregados, representando uma alta de 33,1%.

Não bastasse esse contexto, o Brasil, a partir de 2019, passou a ser governado por um político de extrema-direita – Jair Bolsonaro – que tem mesclado ultraliberalismo, com reacionarismo nos costumes, e por isso, em seus discursos e práticas, tem instaurado um clima de que no Brasil não existe racismo e que as chamadas “minorias sociais” têm mais privilégios do que deveres.

Além disso, experienciamos a radicalização do neoliberalismo, com suas consequências destrutivas no campo econômico-social, mas também nos processos de racialização da vida, da política e da dominação. Nesse cenário de terror capitalista, somos governados por um presidente racista, machista, LGBTfóbico, autoritário, que, ao combinar reacionarismo nos costumes com ultraliberalismo na economia, tem nos trazido mais miséria, mais desemprego e mais fome.

Negros e negras: ainda mais vitimados pela crise sanitária e socioeconômica

Tudo isso é ampliado em potência quando se trata da grande maioria da classe trabalhadora negra. Este governo genocida, sua política repressora, o neoliberalismo capitalista, com sua burguesia sanguinária, combinados com a pandemia do coronavírus, têm levado parte considerável da classe trabalhadora negra à marginalização extrema e ao extermínio.

A imprensa e os pesquisadores têm alardeado aos quatro cantos, o quanto a pandemia e a política de extermínio do governo Bolsonaro têm afetado sobremaneira negros e negras. Em fins de 2020, por exemplo, os homens negros eram os que mais morriam pela Covid-19, chegando a 250 óbitos pela doença a cada 100 mil habitantes, enquanto os brancos chegavam a 157 mortes.

O IBGE também demonstrou que mulheres, negros e pobres eram os mais afetados pela doença. A cada dez pessoas com sintomas do coronavírus, sete eram negras. Nesse contexto, os assassinatos e mortes de jovens negros e a violência policia chegaram a números absurdos, superiores a muitas guerras em curso no planeta.

Uma análise do retrato social do Brasil constata facilmente que o país é composto por uma população substancialmente empobrecida. Nesse contexto, os dados estatísticos apresentados pelas pesquisas sobre a desigualdade racial têm revelado que a maioria da população brasileira é negra, portanto, em nosso país, a classe trabalhadora e a pobreza têm cor e é negra.

Mas o que gera essa desigualdade social da população negra, principalmente se comparada a outros grupos étnico-raciais da sociedade brasileira? Que explicações causais podem ser dadas a esse processo de enegrecimento da desigualdade social no Brasil? É o racismo que gera a pobreza e a desigualdade social no Brasil, entre a população negra, ou é um problema eminentemente socioeconômico?

Bom, estes questionamentos servem pra refletirmos que o 1º de maio também deve ser uma data de denúncia do racismo e das formas de extermínio de grande parte da população negra. Mais que isso, deve ser um momento para pensarmos na necessária relação de raça e classe na análise da formação social brasileira, e, sobretudo, como condição da destruição do capitalismo e construção do socialismo.

Mas isso é tarefa de quem? Só do movimento negro? Apenas da classe trabalhadora negra? Como o movimento operário e sindical deve atuar na luta contra o racismo? De outro modo, como o movimento negro tem tratado a questão da superação do capitalismo em sua luta contra o racismo? Antes disso, é fundamental conhecermos a classe trabalhadora no Brasil em suas múltiplas dimensões.

O que é a classe trabalhadora brasileira?

Estatísticas mais recentes publicadas pelo IBGE, em 2019, por meio do informativo “Desigualdades sociais por cor e raça no Brasil” demonstram que a maior parte da classe trabalhadora brasileira é composta de pessoas autoafirmadas pretas ou pardas (que, nós, consideramos como “negras”).

Em 2018, por exemplo, correspondiam a 57,7 milhões de trabalhadores, isto é, 25,2% a mais do que os trabalhadores autodeclarados brancos, que totalizavam 46,1 milhões. Porém, analisada a taxa de desocupação ou subemprego a força de trabalho de pessoas pretas ou “pardas” são substancialmente mais significativas. Eles formavam dois terços dos desocupados (64,2%) e dos subutilizados (66,1%) na força de trabalho, em 2018, apesar de comporem tão somente metade da força de trabalho (54,9%).

Nesse sentido, o 1º de maio, tão perto de outra data significativa – 13 de maio, dia da abolição da escravidão – deve nos fazer, também, refletir sobre as características da classe trabalhadora brasileira e as maneiras assumidas pela exploração e opressão em nossa formação social capitalista.

Digo isto, porque durante muito tempo, em nossa tradição sindical, política e intelectual tratou-se a classe trabalhadora brasileira como se fosse um todo homogêneo, sem diversidade de experiências histórico-culturais, econômicas e culturais. Isso é evidente, quando tratamos da questão racial. Quando pensamos a experiência da classe trabalhadora negra.

O mito da democracia e a invisibilização da classe trabalhadora negra

Como destacamos inúmeras vezes, o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento serviram para mistificar e ocultar os processos de opressão e exploração vivenciados pela classe trabalhadora negra, ao mesmo tempo em que nos dividiram racialmente, enfraquecendo nossa solidariedade de classe e potencializando o lucro por parte da burguesia dominante – que, grosso modo, em nosso país, é herdeira direta dos grandes fazendeiros escravocratas.

Dessa forma, é muito comum olhar para o homem e a mulher negra, e sua história, como sinônimos de escravos, marginais e passivos. Desconsiderou-se, inclusive, que a população negra contribui na formação da classe trabalhadora brasileira e de suas formas de organização.

Os trabalhadores escravizados, nem se quer, foram colocados no rol da classe trabalhadora brasileira, que teria se originado apenas após o processo migratório subsidiado de europeus, no contexto da industrialização e urbanização das primeiras décadas do século XX.

Ao tratar a formação da classe trabalhadora brasileira apenas com a aparição dos europeus, em nossa análise, ignora solenemente milhões de trabalhadores que resistiram as formas de exploração e opressão de sua condição de trabalhadores escravizados. Imagina-se a classe trabalhadora negra apenas sob a condição de boçais, no eito das plantações de cana-de-açúcar, café ou na mineração.

Esquece-se que por quase 400 anos a população negra trabalhou em diversos ramos da produção e circulação de produtos, inclusive, sendo ela mesma uma mercadoria. Porém, como num passe de mágica, após 1888, a classe trabalhadora composta pela população negra foi considerada preguiçosa, vadia e vagabunda, enquanto a população europeia foi transformada nos operários e embriões da classe trabalhadora no Brasil, tanto pelo Estado, como por uma parte importante da intelectualidade brasileira.

O intelectual Clóvis Moura não teve dúvidas em afirmar que a história da classe trabalhadora no Brasil ainda precisa ser escrita, pois uma parte significativa e importante dessa classe foi ignorada e ocultada em suas lutas e formas de organização.

Questões que precisamos encarar, inclusive no 1º de Maio

Dessa forma, surgem outros questionamentos: acabando com o racismo, colocamos fim a desigualdade social da população negra? O que os intelectuais negros e as entidades do movimento negro têm a dizer sobre os caminhos para superar a desigualdade? Seria conquistando leis de “promoção da igualdade racial” e tendo representatividade no Estado, parlamento e nos governos? É fazendo conciliação de classe? Se juntando as classes dominantes “esclarecidas e progressistas”, visando a garantia de políticas públicas e direitos?

É por meio de políticas públicas de caráter social, ou devem ser, acima de tudo, políticas com recorte racial? Ou o fim do racismo e da desigualdade étnico-racial deverá vir por um movimento de massas, extraparlamentar e radical?

As entidades do movimento negro têm se resignado ao capitalismo, como se não houvesse alternativa a esse modelo de produção socioeconômico, abandonando a análise de classe e as contradições entre elas, por que no mundo de hoje – neoliberal – não é mais possível tratar da superação desses antagonismos, pois, em verdade, não existem mais, já que a luta social está fragmentada em campos como identidade, etnia, ecologia, gênero?

A luta antirracista e anticapitalista: quais as táticas necessárias?

Existe uma polêmica no interior do movimento negro que diz respeito às táticas necessárias pra se conseguir a eliminação do racismo e a conquista de direitos sociais para a população negra. Nesse sentido, existem aqueles que defendem que é necessário estabelecer relações de diálogo permanente com o Estado, os governos de plantão e, sempre que possível, estabelecer acordos e negociações com a classe dominante.

Foi a partir desse raciocínio que se aceitou a descaracterização completa das políticas de cotas raciais nas universidades e institutos federais, como o total desmoronamento do “Estatuto da Igualdade Racial”, completamente desconfigurado por um acordo com partidos reacionários da direita brasileira.

Há setores que acreditam que é possível estar dentro de governos, mantendo a autonomia do movimento, pois o espaço obtido ou conquistado seria uma fresta ou ruptura aberta na contradição da estrutura do Estado, notadamente caracterizado pelo racismo institucional. Ou seja, a presença de intelectuais e/ou militantes negros na estrutura governamental seria mais um espaço de luta e incorporação das demandas do movimento negro do qual não se pode abrir mão, sob pena de restringir a luta e as conquistas da população negra.

Pensamos diametralmente oposto. Não temos dúvida que a presença de militantes negros nas esferas governamentais, em certo sentido, coloca o debate da questão étnico-racial em evidência e que políticas públicas podem ser construídas, a partir das exigências, orientações e sugestões desses militantes e dos movimentos.

A reflexão a ser feita, no entanto, é que tipo e qual o formato de políticas públicas são incorporadas pelo Estado e quais outras passam longe de ser atendidas, justamente porque a incorporação do movimento e/ou militantes nas esferas governamentais gera uma agenda de compromisso entre os dois campos e que passa a prevalecer a lógica de que é preciso negociar para não ter o conflito, ao invés da tradição e história dos movimentos populares no Brasil, de que é preciso entrar em conflito para poder negociar e conseguir conquistas do Estado.

Com a conciliação de classes, só há perdas

Breves exemplos demonstram isso. Quantos certificados de comunidades quilombolas foram emitidos durante o governo de Frente Popular, ou seja, de conciliação de classes, encabeçado pelo PT? Centenas! Quantas titulações e regularização de terras de comunidades quilombolas nós tivemos? Quase nenhuma!

Ou seja, o Estado atende medidas no plano identitário, demandas específicas do movimento negro; mas não garante a posse da terra que seria uma política de reparação e não apenas de ação afirmativa. A presença do movimento negro no Estado consegue garantir a política identitária – não sem lutas e dificuldades – mas, tem muita dificuldade, pelos compromissos assumidos, em avançar na exigência para que esse mesmo governo saia das aparências e aprofunde realmente as políticas de transformação da vida da população negra.

A invasão do Haiti é outro exemplo emblemático, pois, por um lado, os governos petistas, de Frente Popular, se tornaram ponta de lança do imperialismo estadunidense para a superexploração do trabalhador haitiano, com milhares de mortos e mulheres estupradas e, por outro lado, o silêncio, de parte significativa do movimento negro atrelado ao governo, foi ensurdecedor.

Por essa razão, acreditar que a autonomia do movimento ou desses militantes pode ser mantida dentro de aparelhos de Estado burgueses, cujo objetivo, em primeira instância, é reproduzir os meios para a ampliação do lucro do capital e, por outro lado, frear as lutas populares, é um ponto com o qual não concordamos.

Nesse sentido, mesmo sabendo da importante pressão dos movimentos negros para a construção da política de promoção da igualdade racial, não se pode deixar de perceber como os governos têm absorvido e ressignificado as demandas desses movimentos em interesse próprio, tendo em vista as suas políticas atreladas ao contexto neoliberal e de reforma do próprio Estado.

Evidentemente sabemos que o Estado é um instrumento da burguesia para dominar, porém, ao ser constituído por contradições, devemos atuar nessas contradições para atingir conquistas democráticas, o que se torna cada vez mais difícil na época imperialista que vivemos. Saber disso não pode nos levar a compactuar com governos que atacam a classe trabalhadora e a maior parte da população negra.

Não nos autoriza a compactuar com governos que traem a classe trabalhadora e a população negra; abusam da corrupção e empreendem ou apoiam – mesmo que disfarçadamente – o extermínio da juventude negra; que invadem ou apoiam a invasão de países negros na forma do exército ou por empreiteiras ávidas por lucros e riquezas, como foram os governos petistas.

Palmares nos ensinou: não é possível conciliação com nossos inimigos

Para atuar nas contradições do Estado, este Estado tem que estar sob o nosso controle, caso contrário, nós é que estaremos sob o controle dele. Podemos cair no risco do que Gramsci chamou de “transformismo”. Isto é, grosso modo, deixar de representar a nossa classe e a população negra e passar a representar os interesses do Estado racista. Isso é tudo que Palmares não representa e que Zumbi se tornou o avesso! Eles são o exemplo clássico da autonomia da luta e da não conciliação de classe dos trabalhadores e das trabalhadoras negras brasileiras.

No atual contexto, se contraponto a um governo genocida e eminentemente racista, um setor expressivo do movimento negro e do movimento sindical tem assumido mais uma vez que a única saída é a conciliação de classe com os setores “esclarecidos” da classe dominante, mesmo que isso represente a manutenção e até aprofundamento dos mecanismos de exploração do capital, das multinacionais e a médio e longo prazo o ataque aos direitos dos(as) trabalhadores(as).

Em razão de um inimigo comum, rejeita-se qualquer independência de classe e proposta de superação da sociedade capitalista. Entretanto, quando se vê para a História percebe-se que esse inimigo comum nem sempre existiu, mas a tática da conciliação de classes estava ali, presente, fazendo o seu papel.

Não há saída individuais e culturalistas para uma questão que é de “raça e classe”

Do ponto de vista da questão negra, temos outro problema. Não apenas as classes dominantes, mas as próprias características da sociedade neoliberal, têm racializado cada vez mais o mundo e a sociedade brasileira. Nesse sentido, a racialismo essencialista é encorajado pelas classes dominantes por darem respostas culturalistas ao problema das desigualdades sociais, não enfrentando a lógica da reprodução ampliada do capitalismo e as causas dessa mesma desigualdade.

Por essa razão, é cada vez mais alimentado o afro-empreendedorismo e empoderamento (individual) negro, numa cristalização da política identitária, completamente afastada das condições de classe e, quase sempre contrária, a qualquer concepção de outra sociabilidade que não a manutenção da forma capitalista de produção.

Em suma, não combatem explicitamente a lógica de reprodução das desigualdades. E aí, como alguns autores têm ressaltado, no interior da luta negra, temos um problema de direção, pois uma elite negra tem se arvorado o direito de representar a classe trabalhadora negra e com isso fazer acordos de toda espécie, enquanto isso não só aumenta o fosso entre essa elite negra e a classe trabalhadora negra, como a violência e a miséria têm se ampliado nos territórios negros.

Em nossa concepção, o racismo não é apenas um fenômeno subjetivo, moral, mas um determinante fundamental da desigualdade social do Brasil e, em outras partes do mundo. Mas, entretanto, não é o único determinante dessa desigualdade, pois entram também a exploração e a alienação da força de trabalho.

O trabalhador, por ser trabalhador, é estruturalmente ligado as contradições capital/trabalho, despossuídos dos meios de produção, forçado a vender sua força de trabalho e todas as consequências desumanas que essas características produzem. Nesse sentido, o(a) trabalhador(a) brasileiro(a), por ser em grande maioria um(a) trabalhador(a) negro(a), tem nas determinações de raça e classe as produtoras de sua desigualdade social alicerçada, igualmente, na condição racial.

Dessa forma – em nossa leitura – assim como o sindicalismo não pode ser uma força exclusivamente econômica, a luta por igualdade da população negra não pode ser caracterizado como uma ação exclusivamente racial, identitária ou política. Os fatores políticos, identitários não podem ser apartados dos determinantes socioeconômicos.

Policlassismo: um inimigo das lutas socioeconômicas e raciais

Sabemos que a população negra não é toda a classe trabalhadora, mas ao mesmo tempo não podemos definir a classe trabalhadora brasileira sem a presença maciça da população negra. Então, como o movimento negro pensa a igualdade social para a população negra? Sabendo localizá-la no interior da classe trabalhadora e, assim sendo, conectando seus objetivos ao conjunto dessa classe ou pensando em propostas policlassistas que desmembram a população negra da classe trabalhadora e a concebem para além das classes?

É possível ter igualdade racial e igualdade social no Brasil ou em qualquer parte do mundo, onde as condições raciais são imperativas, demandando propostas e objetivos policlassistas ou supraclassistas e mantendo as condições de desumanização da sociedade capitalista? Se a tarefa da população negra que sofre racismo é destruir as condições que a fazem alvo do racismo, que condições são essas? Respondemos: as condições capitalistas de reprodução da desigualdade social estão na base dos mecanismos de reprodução da desigualdade racial.

A população negra, portanto, deve se perceber como classe trabalhadora. Deve perceber sua posição no antagonismo estrutural de classe da sociedade capitalista e ter consciência de seu ser social, tanto quanto do seu ser racial. Dever perceber, assim, a contradição entre sua existência específica enquanto negro(a) nos mais diversos campos – trabalho, habitação, lazer, educação, cultura, política etc. – e o seu ser enquanto parte integrante da classe trabalhadora.

As demandas da população negra precisam articular as especificidades da historicidade brasileira, como a questão étnico-racial, com as tradicionais pautas da questão social vinculadas à luta universal contra as desigualdades e garantia de direitos sociais a toda a população.

A pobreza e a desigualdade social para a população negra assumem novos contornos, lutas, tipos de organização e demandas, dependendo da conjuntura histórica, mas não podem ser dissociadas das tradicionais formas de exploração e produção da desigualdade. Por isso, discutir a questão negra e o racismo passa, também, pelo combate às formas universais de exploração da classe trabalhadora.

Aquilombar-nos, em unidade com a classe trabalhadora, para construir o socialismo

Raça e classe se articulam na determinação das desigualdades sociais e raciais no Brasil. A construção da identidade étnico-racial, nesse sentido, se tem algo de individual é também coletiva e social, portanto, a luta pela questão étnico-racial não deve ser uma luta puramente identitária e individualista, pelo contrário, deve ser social e coletiva.

Se o Estado capitalista e seus ideólogos, no entanto, serviram para frear diversas conquistas, colocaram na ordem do dia para os movimentos sociais negros a necessidade da organização e da luta por mais direitos e a necessidade cada vez mais urgente de construir um outro mundo.

Nesse sentido, é fundamental desvelar as determinações de classe, identidade de gênero, orientação sexual e raça na estruturação das desigualdades sociais e da produção da pobreza. Esta é uma tarefa que cabe a todos os movimentos sociais, pois a unidade da classe trabalhadora deve ser uma unidade concreta que leve em conta as realidades diferenciadas de homens, mulheres, negros e brancos, LGBTs e héteros, gente das periferias, aldeamentos e quilombos, no Brasil.

O que a burguesia faz de tudo para esconder, nós devemos escancarar como forma de luta e desestruturação das bases ideológicas do capitalismo. Fazendo isso, nós conseguiremos unir, a exemplo de muitos momentos da história brasileira – como os foram os quilombos –, os explorados e os oprimidos, numa ação conjunta contra o capital e seus instrumentos de dominação.

Como disse Karl Marx certa vez: “o trabalhador não pode se emancipar na pele branca onde na pele negra ele é marcado a ferro”. Sendo assim, se queremos ser coerentes com a luta da classe trabalhadora no Brasil, precisamos levar a sério as relações indissociáveis entre raça, classe, identidade de gênero e orientação sexual na formação do capitalismo, no desenvolvimento da formação social brasileira e na luta pela construção necessária do comunismo, onde não mais hierarquizaremos a humanidade sob os critérios de classe e raça, ou em base a qualquer outra forma de opressão.