Os regimes de “centro-esquerda” na América Latina fazem gestos simbólicos de oposição frente às exigências do regime imperialista de extrema-direita de Bush. Seria, contudo, um erro considerar estes gestos como um sinal de renascimento das esquerdas quando, de fato, o crédito se deve aos movimentos de massas desses países, que pedem algo mais que gratificação simbólica: um marcado deslocamento em direção a transformações socioeconômicas substantivas

Introdução
Muitos anos atrás, eu perguntei ao editor de uma grande publicação de negócios norte-americana (Forbes) algo sobre um presidente mexicano (Echeverría) que estava discursando em uma conferência de esquerda, em comemoração ao presidente chileno, Salvador Allende. Ele respondeu: “Ele fala para a esquerda, mas trabalha para a direita.” Um balanço empírico da atuação dos recentes presidentes de “centro-esquerda” da América Latina ajusta-se muito bem ao comentário desse editor da Forbes e, simultaneamente, vai no sentido oposto à maioria das opiniões das esquerdas européias e norte-americanas.

O que é “esquerda”?: Método
Previamente a qualquer discussão sobre os regimes de “centro-esquerda” na América Latina hoje é importante revisar o que significa exatamente ‘ser-de-esquerda’, desde uma perspectiva histórica, teórica e prática. O método para determinar “o que é esquerda” baseia-se na análise da substância, e não da forma – símbolos ou retórica –, de um regime ou de um político. As medidas práticas incluem os orçamentos, a propriedade, a renda, o emprego, a legislação trabalhista e as prioridades em investimentos / rendimentos. A chave para tanto é focalizar as atuais bases sociais, as configurações sociais de poder e de alianças – não o passado –, dada a cambiante dinâmica do poder e da política de classes. A terceira questão metodológica é diferenciar entre uma campanha política e as políticas de um partido político no poder, haja vista que há uma notória e enorme diferença entre ambas.

O que é esquerda: Critérios
Histórica e empiricamente há um consenso entre acadêmicos e ativistas sobre o que constitui os critérios e indicadores para definir uma política de esquerda. Este (consenso) inclui:

1. Decréscimo das desigualdades sociais
2. Incremento das condições sociais de existência,
3. Priorização da propriedade pública e nacional em detrimento da propriedade privada e internacional,
4. Priorização dos impostos progressivos (rendas / empresariais) em detrimento dos regressivos (ICMS, consumo etc.),
5. Prioridades orçamentárias que favoreçam os principais gastos sociais e investimentos públicos no trabalho em lugar de subsídios aos exploradores e do pagamento da dívida externa,
6. Promoção e proteção da propriedade nacional das matérias-primas em detrimento da exploração internacional,
7. Diversificação da produção para valorizar produtos com valor agregado em oposição à venda de matérias-primas brutas,
8. Subordinação da produção-para-a-exportação ao desenvolvimento do mercado interno,
9. Participação e poder popular nos processos decisórios em oposição às decisões de cúpula feitas através dos altos negócios, da banca internacional (FMI) e das elites políticas,
10. Consulta aos movimentos de massas na seleção de ministros-chave em lugar de acordos de cúpula com as elites dos negócios nacionais e internacionais,
11. Adoção de uma política externa antiimperialista: contra o apoio aos acordos de livre-mercado, às bases militares, às guerras imperiais e às invasões militares,
12. Revogação de privatizações prejudiciais e oposição à sua ampliação e consolidação,
13. Aumento do salário mínimo contra o excesso de pagamentos da dívida e
14. Promoção de uma legislação trabalhista que facilite a organização sindical; Educação e Saúde públicas, gratuitas e universais.

Com estes critérios em mente podemos proceder à análise e avaliação dos regimes de “centro esquerda” contemporâneos para, então, determinar se os pretensos “Novos Ventos da Esquerda” estão realmente varrendo a América Latina.

Brasil – Presidente Lula (2003–2006)
Lula, inclusive antes de sua eleição, assinou uma carta de compromisso com o FMI (junho de 2002) na qual acordava pagar a dívida externa, manter um superávit orçamentário de 4% (subseqüentemente superior a 4,5%), manter a “estabilidade macroeconômica” e continuar com as reformas neoliberais do FMI. Nas eleições, cortou drasticamente as pensões dos funcionários públicos em 30% (gabando-se de que tinha a “coragem” para levar a cabo as “reformas” do FMI, reformas as quais presidentes anteriores de direita fracassaram em implementar). A política agrária direcionou-se a financiar e subvencionar exportações do agronegócio, enquanto o programa da reforma agrária estancou-se, inclusive retrocedeu. A promessa de Lula a seu “aliado”, o Movimento de Trabalhadores Sem-Terra (MST), de distribuir terra a 100 mil famílias por ano, foi absolutamente descumprida. Sob o anterior regime de centro-direita do presidente FHC, 48 mil famílias receberam terras a cada ano, em comparação às 25 mil por ano no governo Lula, deixando mais de 200 mil famílias acampadas junto às estradas – sob tendas de plástico – e 4,5 milhões de famílias sem-terras, sem esperança.

Para “promover” o investimento de capitais, Lula introduziu uma legislação trabalhista que aumentou o poder das patronais para despedir trabalhadores e, ao mesmo tempo, baixou o custo da indenização às demissões. Os programas sociais de saúde e educação foram agudamente reduzidos em mais de 5% durante os primeiros três anos, enquanto que os credores da dívida externa receberam pontualmente (e, inclusive, de forma antecipada) os pagamentos dos 150 trilhões de dólares; tornando o Brasil um “modelo” de país devedor. As privatizações anteriores, de duvidosa legalidade, das lucrativas petrolífera (Petrobras) e mineração (Vale do Rio Doce), ampliaram-se a bancos, infra-estrutura pública e serviços / telecomunicações – revertendo setenta anos de história –, tornando assim o Brasil ainda mais vulnerável à produção “deslocalizada”, de propriedade internacional.

As exportações do Brasil assumiram cada vez mais ao perfil de um país de produção primária [insumos, recursos naturais e agrícolas]; as exportações de ferro, soja, açúcar, sucos cítricos e madeira só fizeram crescer, enquanto seu setor industrial estancou-se devido às taxas de lucro mais altas do mundo (18,5%) e à queda das tarifas alfandegárias. Mais de 25 mil operários do calçado perderam seus empregos devido às baratas importações chinesas. O Brasil, depois da Guatemala, seguiu sendo o país com as maiores desigualdades sociais da América Latina. A política de Lula em prol da agro-exportação levou à exploração acelerada da floresta tropical amazônica e a profundas incursões no território indígena brasileiro, graças aos cortes orçamentários do Ministério do Meio-Ambiente e da Funai.

Lula, na política externa, enviou tropas e funcionários que ocuparam o Haiti, para defender o recém-instalado regime-fantoche, resultado da invasão orquestrada por EUA, assim como a deposição do presidente eleito, Aristide. As diferenças de Lula em relação aos EUA sobre a Alca eram claramente sobre a complacência norte-americana com o “livre comércio”, e não sobre defesa alguma dos interesses nacionais. Quando Lula declarou que “o livre-comércio é o melhor sistema, beneficiando a quem o pratica”, expôs assim sua oposição ao protecionismo de subsídios norte-americanos na agricultura.

Os ministérios econômicos chave e os bancos centrais de Lula foram dominados por banqueiros de direita, os executivos empresariais e os ideólogos neoliberais uniram-se ao FMI e às empresas multinacionais, ocupando os ministérios da Fazenda, Indústria / Comércio e Agricultura, além do Banco Central. Enquanto Lula se opôs ao golpe contra a Venezuela em abril de 2002, patrocinado pelos EUA, assim como a outras medidas extremistas; discursou em favor de uma maior integração latino-americana, via Mercosul, mas na prática suas principais políticas de comércio centraram-se em aprofundar seus laços fora da região: com Ásia, Europa e América do Norte.

Os dados empíricos, em todos os indicadores importantes, demonstram que Lula alinha-se mais próximo ao perfil de um político neoliberal de direita do que de um presidente de “centro-esquerda”. Os intelectuais e jornalistas que classificam Lula como um “esquerdista” apóiam-se em sua bagagem social, sindical e ocupacional – de vinte a trinta anos atrás –, assim como em seus gestos teatrais, simbólicos e populistas.

Argentina – Presidente Kirchner (2003–hoje)
Sob o presidente Kirchner, a Argentina cresceu a uma taxa de 8,5% ao ano, incrementando substancialmente os benefícios da exportação, reduzindo o desemprego de 20% a aproximadamente 15%, aumentado as pensões e os salários, renegociando uma parte da dívida externa privada e revogando as leis que concediam impunidade aos torturadores militares. Comparado às políticas ultra-liberais de Lula, Kirchner parece um líder progressista. Visto desde uma perspectiva de esquerda, porém, o regime fica bem longe disso. Kirchner não revogou nenhuma das fraudulentas privatizações estratégicas da energia da Argentina; petróleo e indústrias elétricas. Sob seu regime o lucro das principais empresas de setores agro-industriais e do petróleo subiram astronomicamente, sem os correspondentes aumentos dos salários. Em outras palavras, as desigualdades ou aumentaram, ou seguiram sendo as mesmas, a depender de diferenças setoriais. Enquanto Kirchner financiou e subvencionou a revitalização da indústria e a promoção das agro-exportações, os salários mal alcançaram o nível de 1998, o último ano antes da crise econômica argentina.

Além disso, enquanto os níveis de pobreza decresceram de seu pico de mais de 50% no ano de 2001, ainda estão em aproximadamente 40%; isso em um país que produz grão e carne o bastante para subministrar uma população equivalente a seis vezes a da Argentina. Os ministérios econômico-financeiros e os banqueiros centrais de Kirchner têm laços de longo termo com o capital e os bancos internacionais. Enquanto isso, o crescimento econômico e alguma melhora social tiveram lugar, muito do quê pode ser atribuído aos circunstancialmente favoráveis preços mundiais para a carne, o grão, o petróleo e outras matérias-primas. Em política externa Kirchner, como Lula, opõe-se à Alca, nada mais porque os EUA negaram-se à reciprocidade de também baixar suas tarifas alfandegárias.

A política externa de Kirchner dificilmente pode ser considerada antiimperialista: as tropas argentinas ocuparam o Haiti sob ordens dos EUA e se engajaram em manobras militares conjuntas com os EUA. Se bem Kirchner repudiou a ‘lei de impunidade’, nenhum novo julgamento ou castigo foram imputados ainda [aos militares]. Ao tempo em que Kirchner opõe-se aos ataques norte-americanos, apóia a proposta dos EUA de levar o Irã diante do Conselho de Segurança da ONU. Enquanto o desemprego caiu, um em cada seis argentinos encontra-se ainda sem trabalho. O seguro-desemprego permanece em 50 dólares por família ao mês. Ainda que os salários, nominalmente, tenham aumentado, a crescente inflação – de mais de 10% – reduziu a renda real da maioria de funcionários públicos. As estruturas de poder socioeconômico permanecem inalteradas; de fato Kirchner cumpriu um importante papel restaurando e consolidando a hegemonia capitalista depois dos massivos levantes populares de dezembro de 2000.

Ele nem redistribuiu a propriedade, nem a renda, nem o poder; exceto entre as diferentes frações das classes capitalistas.

Seu “criticismo” a Washington só chega até as medidas do intervencionismo mais extremo que visam prejudicar os grandes negócios argentinos, convertendo-os em débeis clientes: daí portanto a oposição da Argentina à tentativa do Departamento de Estado dos EUA em formar um bloco anti-Chávez. O rechaço de Kirchner baseia-se quase que exclusivamente no fato de que a Argentina recebe gasolina-petróleo a preços subvencionados, afiançou um importante contrato de construção naval e assinou lucrativos acordos de comércio com a Venezuela, para intercambiar seus produtos agrícolas e manufaturados. Em relação à Cuba, Kirchner abriu relações diplomáticas, mas mantendo distância. Se bem as relações diplomáticas são excelentes com Chávez, [Kirchner] não comparte nenhuma de suas políticas sociais redistributivas.

À guisa de conclusão, Kirchner não apresenta nenhum de nossos critérios ‘de esquerda’. É mais claramente um conservador pragmático que dissentirá dos EUA quando resultar benéfico para seu agronegócio e para sua base social capitalista-industrial. Em nenhum ponto Kirchner mudou nada do superávit orçamentário; empregado agora para pagar a dívida externa, financiar as deterioradas instalações de saúde / educação e prover salários algo melhores ao pessoal desses setores públicos essenciais.

Uruguai – Presidente Tabaré-Vázquez
Tabaré-Vázquez foi eleito por uma coalizão eleitoral (Frente Ampla e Encontro Progressista) que incluía Tupamaros, comunistas, socialistas e uma mescla de democratas-cristãos e liberal-democratas. Contudo, suas nomeações-chave ao Banco Central e ao Ministério de Economia (Danilo Astori) são de neoliberais linha-dura e ardentes defensores da continuação do anterior constrangimento orçamentário para investimentos sociais, ao passo mesmo em que se financia generosamente às elites da agro-exportação.

Durante a Cúpula Econômica de Mar del Plata (Argentina), em novembro de 2005, enquanto dezenas de milhares protestavam contra Bush (e Chávez declarava a ‘morte da Alca’) Tabaré-Vázquez e Astori assinaram um acordo de ampla abrangência sobre “proteção de investimentos” com os EUA, acolhendo os mais importantes princípios de livre-mercado corporificados na Alca. Astori, com o apoio de Tabaré-Vázquez, não apenas rechaçou a renacionalização de empresas, senão que propôs continuar com a privatização das principais empresas do Estado, inclusive uma companhia de água, apesar do voto contrário no plebiscito popular – que sobrepassou 65% – a favor de manter a propriedade estatal. O regime de Tabaré-Vázquez não tomou nenhuma medida para minorizar as desigualdades sociais, pondo em seu lugar um ínfimo projeto de “criação de trabalho”, sob um programa de comida e assistência emergenciais que cobre tão-só uma pequena parcela de uruguaios miseráveis, indigentes e desempregados.

Enquanto isso, o governo uruguaio estendeu tapete vermelho aos pés de uma indústria de celulose de propriedade finlandesa, altamente tóxica, que prejudicará às comunidades pesqueiras e quiçá inclusive a importantes instalações turísticas, águas abaixo. A assinatura unilateral de Tabaré-Vázquez e Astori sobre a polêmica fábrica produziu um importante conflito com a Argentina, que faz fronteira com o Rio Uruguay, onde a planta será estabelecida.

O regime de Tabaré-Vázquez repudiou cada posição programática importante acolhida pela Frente Ampla em seus 30 anos de existência: desde enviar tropas em apoio à invasão do Haiti, até privatizar propriedades públicas, acolhendo o livre-comércio, dando boas-vindas aos investimentos internacionais e impondo controle e austeridade salarial sobre a classe trabalhadora uruguaia. Tabaré-Vázquez, como Kirchner, restabeleceu relações diplomáticas com Cuba, mas evita qualquer relação próxima com a Venezuela.

Provavelmente os aspectos mais bizarros do governo da Frente Ampla são as práticas dos Tupamaros, antigo grupo de guerrilheiros urbanos reconvertidos em senadores e ministros. O ministro de Agricultura, Mújica, apóia o agronegócio e os investimentos internacionais na agricultura enquanto dá sustentação à lei de desocupações dos sem-terras, no interior. O senador Eleutério Huidobro ataca os grupos de direitos humanos que exigem investigações judiciais contra os oficiais militares implicados nos assassinatos e ‘desaparições’ de prisioneiros políticos. Segundo Huidobro, “é melhor esquecer o passado”. Ele acolhe ao exército e dá as costas à contagem de seus anteriores camaradas que foram torturados, assassinados e enterrados em covas anônimas.

Bolívia – Evo Morales
Provavelmente o exemplo que mais chama atenção entre os regimes de “centro-esquerda” que acolheram a agenda neoliberal é o regime de Morales, na Bolívia. Entre outubro de 2003 e julho de 2005, uma grande quantidade de operários fabris, trabalhadores urbanos desempregados e camponeses indígenas foram mortos na luta pela nacionalização do petróleo e do gás, setor econômico mais lucrativo da Bolívia. Dois presidentes foram derrubados por levantes de massas em dois anos e meio, por defender a propriedade internacional dos recursos de energia. Evo Morales não participou em nenhum destes levantes, na verdade, ele apoiou o recém-empossado presidente neoliberal Carlos Mesa até que, também, [Mesa] foi escorraçado do poder.

Como presidente, Evo Morales rejeitou total e categoricamente a expropriação do gás / petróleo e proporcionou explícitas garantias, de grande escala e longo prazo, de que todas as principais infra-estruturas das empresas multinacionais serão reconhecidas, respeitadas e protegidas pelo Estado. Como conseqüência, as empresas multinacionais não só expressam seu apoio por Morales senão que se alinharam para ampliar e aprofundar o controle / exploração destes recursos energéticos não-renováveis. Morales, através de uma manipulação semântica não-tão-inteligente, afirma que “nacionalização” não é expropriação e passagem de propriedade ao Estado. Segundo a “nova” definição de Morales, a propriedade estatal minoritária de ações, os aumentos de impostos e a promessa de “industrializar” as matérias-primas são equivalentes à nacionalização. Enquanto os termos exatos dos novos contratos estão ainda por serem publicados, todas as principais multinacionais estão em completo acordo com as políticas de Morales. A prova é que a Petrobrás, principal gigante brasileira de propriedade privada do petróleo e do gás, se prepara para investir 5 bilhões de dólares durante os próximos 6 anos na exploração do gás / petróleo e na construção de um complexo petro-químico. Repsol (multinacional de matriz espanhola), promete investir 150 milhões de dólares, Total (francesa), BP (britânica) e cada uma das outras principais multinacionais da energia e mineração dispuseram-se a ampliar os investimentos e colher bilhões em lucros sob a chancela protecionista de Morales e o regime de seu MAS (“Movimento ao Socialismo”).

Nenhum regime anterior na história boliviana abriu o país à exploração mineral a tantas multinacionais nestes lucrativos terrenos em tão pouco tempo. Além da venda geral de petróleo / gás, Morales declarou que continuará a privatizar os campos de ferro de Mutun (60 Km2, com estimativa de mais de 40 bilhões de toneladas, com um valor estimado de mais de 30 bilhões de dólares), seguindo seus predecessores neoliberais. As únicas mudanças que Morales introduzirá na Ordem serão aumentar a porção de impostos que a Bolívia receberá, de US$ 0,50 / tonelada, a uma quantidade não-revelada – “mas razoável” (segundo as multinacionais).

Contrariamente a suas promessas, Morales negou-se a triplicar o salário mínimo. Seu Ministro de Economia prometeu manter as políticas de austeridade fiscal do regime anterior e de “estabilidade macroeconômica” enquanto que o aumento do salário mínimo somará menos de 10%. O governo de Morales aumentou o salário-base dos professores em um magro 7%, mas que, em termos reais, é menos de 2%. O salário-base dos professores é de US$ 75 / mês, assim que seu aumento líquido sob o novo e “revolucionário” presidente indígena é menos de US$ 2 / mês (e isto em um momento de preços recordes para as exportações de matérias-primas bolivianas)… em um tempo de superávit orçamentário, nada menos do que isso. Evo Morales, o líder cocaleiro (produtor de coca), declarou seu apoio pela presença sistemática da base militar norte-americana de Chapare e à invasiva presença da agência norte-americana contra o narcotráfico (DEA), ao passo que reduzia as áreas de produção da coca a menos de meio acre para uso médico doméstico, seguindo as exigências da política norte-americana.

As nomeações de Morales nos ministérios econômicos, de defesa e outros estiveram vinculados ao FMI, ao Banco Mundial e aos regimes neoliberais anteriores. Morales e seu Ministro da Agricultura opõe-se à qualquer expropriação de qualquer grande latifundiário, “sejam donos de… 5 mil, 10 mil, 25 mil ou mais acres com tal de que sejam produtivos”. Isto acabou eficazmente com as esperanças de milhões de camponeses indígenas, sem-terras, de uma “profunda reforma agrária” como foi prometido pelo presidente indígena. Por outro lado, Morales está promovendo a agricultura da agro-exportação, com generosos subsídios e incentivos fiscais.

O mais indicativo das políticas comerciais pró-grandes negócios de Morales, foi a assinatura – em fevereiro de 2006 – de um pacto com a Confederação de Homens de Negócios Privados da Bolívia, na qual ele prometeu manter a “estabilidade macroeconômica” e a “credibilidade internacional” do país. Isto, com efeito, significou reduzir o gasto social e promover os investimentos internacionais, priorizando as exportações, mantendo a estabilidade monetária e sobretudo promover os investidores privados. O servilismo abjeto de Morales ante a elite capitalista boliviana foi evidente em sua decisão de reativar o Conselho Comercial Nacional que analisará e tomará decisões sobre questões econômicas e políticas. Morales disse, “estou pedindo aos homens de negócios que me apóiem com sua experiência”. (Esquecendo-se de acrescentar: sua experiência em explorar a força de trabalho humana.) Foi pedir aos homens de negócios que lhe aconselhassem sobre a “Alca, Mercosul… sobre os acordos com China, EUA … assim como seus benefícios para o país”. O presidente da Confederação Comercial Nacional, Guillermo Morales, enfatizou à importância de assinar imediatamente o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca).

Enquanto Morales estava assinando um pacto comercial negou-se a se encontrar com os líderes da Fejuve (Federação de Conselhos de Bairro de El Alto), a maior, mais dinâmica e democrática organização urbana da Bolívia, que foi muito ativa ao liderar a luta na derrubada dos anteriores presidentes neoliberais e em reivindicar a nacionalização do petróleo / gás. Morales recebeu 88% dos votos em El Alto, que sofreu importantes baixas de mortes e lesões na concorrência a sua eleição. Morales nomeou a 2 ministros da Fejuve, Mamani (Ministro da Água) e Patzi (Ministro da Educação) sem chamar qualquer consulta à Fejuve, que toma todas as decisões via assembléias populares. Ambos ministros foram obrigados a se demitir da Fejuve, em parte porque Patzi rechaçou a antiga exigência de criar uma universidade de professores para os 800 mil residentes de El Alto, afirmando que era um “custo inaceitável para o sistema” (dado o orçamento de austeridade seletiva de Morales). Igualmente repreensível, Mamani negou-se a expulsar a multinacional ‘Aguas del Illimani’, que cobra sobretaxas aos consumidores e ainda por cima não proporciona bons serviços à população.

Segundo a Fejuve, o regime de Morales fracassou em tratar com o problema mais elementar como são as exorbitantes tarifas elétricas, a ausência de qualquer plano para proporcionar e conectar as casas com gás de calefação e as linhas de água. As confederações / federações dos principais sindicatos (ZURO, Mineiros e outros) protestaram contra a negativa de Morales em revogar as anteriores e reacionárias leis trabalhistas de seus predecessores que “flexibilizaram aos operários”; autorizando a patronal a contratar e despedir aos operários com impunidade. Como premiação a suas políticas pró-negócios; Japão, Espanha e o Banco Mundial “perdoaram” a dívida externa da Bolívia.

Morales sobressaiu-se na “cena pública” adotando um estilo “populista” e folclórico, com apelo popular. Pronunciou parte de seu Discurso Presidencial ao Congresso em língua Aymara; dançou com as multidões durante o carnaval; declarou uma redução de seu salário presidencial… como parte de um programa de austeridade que baixa as condições de vida a milhões de bolivianos pobres. Anunciou um “complô” contra ele – conduzido por obscuras companhias petrolíferas, para reunir apoio entre seus seguidores –, enquanto assinava a concessão de recursos energéticos do país… às companhias petrolíferas. Não é preciso dizer que nem os ministérios de Defesa ou do Interior eram conscientes do “complô”, nem nunca foi apresentada evidência alguma. Mas o “complô”, inexistente, serviu para distrair a atenção de sua ‘energética’ traição. Enquanto Morales falava de seu estimado amigo Hugo Chávez e abraçava a Fidel Castro, concedia bases ao exército norte-americano e escritórios nacionais ao DEA norte-americano, além de transferir muitos milhares de milhões de dólares da energia e mineração da Bolívia aos EUA, às multinacionais européias e brasileiras. Morales melhorou as relações diplomáticas com Cuba e Venezuela, e assegurou o auxílio social e econômico, mas – na verdade – as bases econômicas de suas políticas e as instituições econômicas dominantes de seu governo orientam-se no sentido da integração com os países imperialistas.

As análises empíricas demonstram que o regime de Morales está seguindo os passos de seus predecessores neoliberais em termos de seu perfil pró-grandes negócios e sua obediência às políticas fiscais, monetárias e orçamentárias do FMI. Suas políticas, nomeações, laços institucionais e grandes beneficiários comerciais o aproximam mais à centro-direita do que a qualquer “esquerda.”

Uma nota sobre Peru e Equador
Desde o início, a esquerda saudou a eleição de Toledo no Peru e Gutiérrez no Equador, aludindo a seus princípios plebeus, suas alianças com organizações indígenas (como Conaie, no Equador) ou às suas origens indígenas (Toledo falava Quéchua e usava um ‘poncho’ durante sua campanha eleitoral). Apesar do fato de que Toledo formou-se no neoliberal programa da Universidade de Stanford e foi um funcionário direto do Banco Mundial, a esquerda aclamou sua oposição à ditadura de Fujimori (com o apoio dos EUA) como um sinal de que “a mudança viria.”

De fato a mudança veio na forma de privatizações intensificadas da mineração, da água e da energia, subsídios para os exportadores da agro-mineração, aumento das tarifas alfandegárias ao comércio e deteriorando as condições de vida dos pobres e da classe média. Durante os últimos 3 anos as pesquisas de opinião de Toledo nunca passaram de 15% e em sua maioria rondaram algo em torno a 10%.

Gutiérrez acolheu as doutrinas do FMI uma vez no cargo, respaldou amplamente o Plano Colômbia dos EUA, apoiou a base militar norte-americana de Manta, propôs a privatização do petróleo estatal e das companhias elétricas, aprisionou os líderes sindicais que protestavam, dividiu o movimento indígena através do financiamento seletivo – ligado aos líderes evangélicos de direita – e, com o tempo, foi escorraçado por um levante popular em 2005. O legado de Gutiérrez foi um movimento social indígena muito enfraquecido (Conaie), a desacreditação de Pachacutik, seu partido fraternal e um movimento sindical decapitado.

Só depois de que o dano político fora um fato consumado, tardiamente, a esquerda reconheceu a natureza reacionária dos regimes de Gutiérrez e Toledo, dissociou-se deles e deixou de se referir aos mesmos como parte dos “Novos Ventos da Esquerda.”

A infeliz história da esquerda intelectual
As grandes maiorias da América Latina – operários, camponeses, desempregados e pobres – sofreram as graves conseqüências do apoio de seus movimentos aos partidos e coalizões de “centro-esquerda”. Muito da culpa deve recair sobre seus líderes imediatos, alguns dos quais foram cooptados, outros decepcionados, manipulados ou auto-iludidos. Mas parte do fracasso reside nos intelectuais de esquerda, jornalistas, gente de ONG e acadêmicos que escreveram e falaram a favor de políticos e partidos de “centro-esquerda”. Eles promoveram suas virtudes, suas histórias e suas promessas; eles aclamaram a oportunidade, seus fundamentos plebeus e sua honestidade; de uma forma superficial, imensamente ignorante e acrítica.

A lista de intelectuais ‘de esquerda’ cobre os três continentes e pode ser lida como um ‘quem é quem’ no interior das esquerdas: Emir Sader, Michel Löwy, Heinz Dietrich, Perry Anderson, Atílio Boron, Raul Zibechi, Frei Betto, Noam Chomsky, Ignácio Ramonet, entre outros. Todos, em maior ou menor medida – durante um tempo mais longo ou mais curto – afinaram o coro dos que diziam que “os Novos Ventos da Esquerda estão soprando na América Latina”. Uma leitura mais de perto de seus escritos revela que os intelectuais de esquerda foram influenciados mais pelo texto e pela retórica das personalidades e partidos de “centro-esquerda”, e menos por suas práticas de classe, políticas econômicas, nomeações políticas estratégicas e seus vínculos com as elites antes e depois de ser eleitos.

Em geral, os intelectuais de esquerda foram seduzidos por símbolos políticos, formas políticas e políticas de identidade (sobretudo a presença de “indígenas” e mulheres em posições de poder), e não pelo conteúdo socioeconômico ou pela natureza de classe de suas políticas. Exageraram a identidade étnica “indígena” ou as origens sociais dos partidos / personalidades de turno, em detrimento de seu transformismo neoliberal, de sua referência em grupos da elite dos negócios, de sua atual associação à elite socioeconômica. Jogaram dentro dos gestos e da cena política: as promessas de reduzir os salários presidenciais (Morales), cerimônias rendendo homenagem às lutas do passado (Tupamaros), chorando ou “sentindo” pelos pobres (Lula)… em lugar de prestar atenção à venda de matérias-primas estratégicas às empresas multinacionais.

Em parte o juízo dos intelectuais de esquerda foi prejudicado por um nostálgico passadismo: Lula como líder sindical (há 25 anos), a Frente Ampla (resistindo à ditadura militar do Uruguai, nos anos setenta), Evo (como ativista cocaleiro, nos anos noventa), Kirchner (como um simpatizante dos ‘montoneiros’, nos anos setenta). Escrevendo sobre a base de identidades anacrônicas, os intelectuais de esquerda não intuíram, analisaram ou compreenderam o imenso transformismo da esquerda à direita. Por outro lado, inventaram uma fantasiosa, mas hospitaleira, “centro-esquerda”, que se ajustara a desejos e vontade de estar “contra” o sistema, enquanto fazia parte do mesmo.

Não poucos intelectuais de esquerda impressionaram-se com os gestos diplomáticos da “centro-esquerda”, de amizade a Cuba e Venezuela, a recepção calorosa de Hugo Chávez, até mesmo o abraço ocasional em líderes progressistas. Não resta nenhuma dúvida de que eles confundiram os gestos diplomáticos favoráveis de Cuba e Venezuela aos regimes de “centro-esquerda” (compreensível, desde o ponto de vista das políticas estatais, com o objetivo de se opor às pressões norte-americanas), com um apoio geral a suas políticas internas. Independentemente das razões para o apoio cubano e venezuelano, os intelectuais de esquerda inventaram um “propósito” comum com “a centro-esquerda”, um deles inclusive fantasiou um novo “bloco de esquerda” (Dietrich) pretensamente baseado nas políticas que aprofundam a propriedade internacional de matérias-primas estratégicas, que ampliam as desigualdades sociais e promovem o livre-comércio…

A política simbólica é visualmente acessível nas capas dos meios de comunicação de massas; não requer uma capacidade de investigar, coletar e analisar informações. Na medida em que os intelectuais de esquerda substituíram “a Esquerda Simbólica” pela “esquerda realmente existente”, converteram-se ao neoliberalismo, estão à vontade aceitando convites a inaugurações presidenciais, bebendo coquetéis nas recepções e seduzidos por sua oportunidade de estar próximos ao poder; para muitos uma nova experiência. Os “Ventos da Esquerda” sopram através do espaço vazio entre suas orelhas…

Conclusão
Há poderosas forças de esquerda na América Latina, que mais cedo ou mais tarde disputarão e desafiarão o poder aos convertidos ao neoliberalismo, assim como a seus aliados em Washington nas empresas multinacionais. Mais cedo, no caso da Bolívia, onde a escala e o escopo das promessas quebradas de Morales – e a acolhida à elite dos negócios – já provocaram a mobilização dos sindicatos de classe, das organizações urbanas de massas e dos camponeses sem-terras. Os movimentos sublevados, às custas dos quais Morales ‘cavalgou’ até seu posto, estão completamente intactos e seus líderes cooptados foram substituídos por novos militantes. Os “gestos” populistas e o teatro “folclórico” têm apenas limitado lapso de tempo para a distração diante da abrumadora pobreza de mineiros com consciência de classe e dos ativistas indígenas de El Alto. As forças insurgentes que levaram Morales ao poder também podem derrubá-lo.

Nos últimos 4 anos, mais de US$ 3 bilhões de auxílio militar dos EUA foram gastos no Plano Colômbia pelo regime terrorista de Uribe que inclui 1.500 “conselheiros” das Forças Especiais norte-americanas e todavia não só não derrotaram as FARC (“Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia”), senão que sofreram importantes derrotas na última ofensiva guerrilheira de 2005–2006. Uribe pode ser reeleito a presidente mas governará – no melhor dos casos – somente a metade do país.

No Brasil, o regime de Lula e seu controle / cooptação da central sindical colaboracionista de classe (CUT) levou à formação de uma nova central militante, Conlutas (com congresso fundacional em maio de 2006). O apoio crítico do MST ao regime de Lula levou-o a um impasse político, debates intensos e um agudo declínio no apoio, dentro e fora da organização, o que oxalá poderá levar a uma retificação política e, assim, a uma reorientação a uma política de classe. A esquerda brasileira se enfrenta a uma “longa marcha” em direção à recuperação de sua formidável presença. O caso é similar em Uruguai e Argentina: a nova “centro-esquerda” neoliberal, à diferença da velha direita, cooptou muitos dos líderes dos principais sindicatos e alguns dos grupos de operários desempregados através de cargos no governo, inclusão nas listas eleitorais ao congresso e generosas compensações.

A Venezuela, sob o presidente Chávez, permanece de pé como a mais importante figura política que representa realmente um desafio governamental ao imperialismo norte-americano. Levou a luta contra a Alca e a invasão do Haiti; derrotou uma tentativa de golpe de Estado patrocinada pelos EUA e demonstrou que bem-estar social, nacionalismo e independência política é viável no Hemisfério. Mas como em Cuba, Chávez não só se enfrenta à agressão norte-americana do exterior senão a contradições internas. Muitos funcionários de seu partido (A Quinta República), dos aparelhos estatais e setores do exército não estão a favor de sua proposta de socialismo para o século XXI. Entre Chávez e os 10 milhões de eleitores que o apóiam há um aparato de credenciais políticas duvidosas, com notáveis exceções.

Igualmente Fidel Castro falou de uma ameaça interior profunda de uma nova “classe” de ricos emergindo da escassez do Período Especial (1992–2000) e da abertura ao turismo. Convocou uma nova revolução dentro da revolução. Se há “Novos Ventos da Esquerda soprando na América Latina” estes vêm do chamado de Fidel para uma nova revolução dentro da esquerda, da insistência de Chávez em que o socialismo é a única alternativa ao capitalismo, dos novos líderes de massas de Bolívia, Brasil e em outras partes assim como do avanço dos 25 mil membros do movimento guerrilheiro de Colômbia.

Os regimes de “centro-esquerda” e seus partidários intelectuais de esquerda representam um triste epitáfio à geração radical dos anos 70 e 80: são uma força social gasta, carecem de idéias críticas e de propostas audazes para desafiar o imperialismo e a ordem capitalista. Não irão desvanecer-se tão prontamente; enraizados que estão no sistema atual. Uma nova geração de líderes populares, intelectuais-militantes autodidatas e jovens ativistas, contudo, está surgindo nos conselhos urbanos de El Alto, nos novos sindicatos com perspectiva de classe no Brasil e entre os estudantes que se unem aos combatentes camponeses nas selvas da Colômbia. São eles os “Ventos da Esquerda” na América Latina.

Pelos critérios normalmente entendidos como ‘de esquerda’, os regimes latino-americanos – saudados por muitos intelectuais como “os Novos Ventos da Esquerda” – fracassam ao passar à prova da história: nenhum segue políticas redistributivas; a maioria levou a cabo políticas orçamentárias regressivas, subvencionou os grandes negócios e reduziu os gastos para a política social; aplicaram programas de austeridade seletiva por classes, prejudiciais para os trabalhadores que recebem o salário mínimo e para os funcionários públicos de baixos salários em serviços de saúde e educação; as privatizações – legais e ilegais – foram ampliadas e aprofundadas, inclusive as de mineração lucrativa e de setores da energia de propriedade pública; deu-se um acesso privilegiado aos investidores internacionais aos mercados locais, à mão-de-obra barata, a empresas privatizadas e à banca.

Enquanto nenhum dos chamados regimes de “centro-esquerda” pode considerar-se de “esquerda” há algumas variações no grau de conformidade com o modelo neoliberal. Kirchner canalizou algo do excedente econômico para financiar o desenvolvimento capitalista nacional e apoiar alguns controles de preço de alguns artigos de alimentos básicos assim como as tarifas da eletricidade, enquanto Lula esteve no outro extremo, prejudicando as manufaturas nacionais com uma sobrevalorização do Real brasileiro e exorbitantes taxas de lucro que favorecem o capital financeiro.
Morales combina as políticas extremas pró-investimentos internacionais de Lula, sobretudo em mineração e petróleo com uma política de incremento de impostos à mineração, gás e produção de petróleo de propriedade internacional. Ao tempo em que a maioria mantém tropas na ocupação militar do Haiti, patrocinada pelos EUA e continua apoiando as bases militares dos EUA, em Bolívia e Brasil, são unânimes em se opor à intervenção direta na Venezuela dos EUA. Enquanto a maioria promove programas minimalistas de subsistência e contra a pobreza, nenhum segue mudanças estruturais sobre a propriedade da terra e os investimentos públicos para criar emprego e chegar à raiz da pobreza.

A política norte-americana desenhada e executada por um dos regimes de direita mais extremista na recente história ocidental levou a alguns atritos, particularmente em sua tentativa de impor acordos de livre-comércio não-recíprocos e uma base legal para castigar regimes eleitos por não se alinharem aos ditados dos EUA, dentro do marco da política neoliberal. Estes regimes se enfrentam a fortes pressões das organizações populares e às ameaças renovadas da ação direta das massas. Isto, em si, serve para pressionar a estes regimes para fazerem gestos simbólicos de independência e oposição face às exigências do regime de extrema-direita imperialista de Bush. Os regimes de “centro-esquerda” na América Latina fazem gestos simbólicos de oposição frente às exigências do regime imperialista de extrema-direita de Bush. Seria, contudo, um erro considerar estes gestos como um sinal de renascimento das esquerdas quando, de fato, o crédito se deve aos movimentos de massas desses países, que pedem algo mais que gratificação simbólica: um marcado deslocamento em direção a transformações socioeconômicas substantivas.

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(*) Petras, James (15/03/2006). “‘New Winds from the Left’ or Hot Air from a New Right?”, em Rebelion.org. Texto traduzido do inglês, cotejado com a versão castelhana de Carlos Sanchis – da Rede de Tradutores pela Diversidade Lingüística – e, por fim, adaptado ao português brasileiro por Roberto Della Santa Barros. Confira as contribuições de Petras ao Portal do PSTU e sua página pessoal em Rebelion.org.

(**) James Petras é Professor Aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de Binghamton, em Nova Iorque (EUA), há 50 anos é um intelectual marxista do campo dos trabalhadores, consultor dos sem-terra e piqueteiros – no Brasil e na Argentina, respectivamente – e co-autor do livro “Globalização Desmascarada”. Seu novo livro foi escrito em parceria com Henry Veltmeyer, “Movimentos Sociais e o Estado: Brasil, Equador, Bolívia e Argentina”.