Em 1891, Oscar Wilde, que anos depois seria condenado à prisão por sua homossexualidade, escreveu o ensaio A alma do homem sob o socialismo, no qual defende que a desobediência e a rebelião não são apenas as principais virtudes da humanidade, mas os motores que movem a história.

Longe de ser um exemplo de revolucionário, Wilde é um bom ponto de partida para refletirmos sobre o que se passou no campo da luta contra o machismo, o racismo e a homofobia em 2007. Se há um elemento comum a todos esses setores é a encruzilhada em que se encontram.

No caminho considerado mais “fácil” e “seguro”, estão o governo Lula, as agências internacionais às quais ele se submete e ONGs que dizem que a única saída para superar a opressão é a aprovação de leis, criação de secretarias e, principalmente, a paciente espera por melhorias. Tudo isso é utilizado para atrair milhões de negros, mulheres, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT) para um beco sem saída.

Na outra direção, caminham aqueles que continuam fiéis não só a Wilde, Zumbi, Emma Goldman e gays, lésbicas e travestis que levantaram barricadas no bar Stonewall em 1969. Estes são os que entendem que a luta contra a opressão tem de, obrigatoriamente, ser um combate ao capitalismo e à sua opressora versão neoliberal. Aqueles que vêem na desobediência ao sistema e na rebeldia as únicas formas de conquistarem a liberdade e a igualdade.

Palavras ao vento
Desde o início, o governo Lula cria “factóides” destinados a cooptar a direção dos movimentos e a semear ilusões entre os que são histórica e cotidianamente marginalizados. Já criou secretarias especiais, convocou conferências, apresentou volumosos projetos e, evidentemente, disse muito “blá-blá-blá”. De concreto, porém, pouco ou nada foi feito.

As políticas para as mulheres, quando existiram, não saíram do papel. A Lei Maria da Penha, por exemplo, além de não ser aplicada, é contestada por juristas. Tudo indica que esse será o mesmo destino dos dois outros “grandes” projetos do governo: o Estatuto da Igualdade Racial e o projeto Brasil sem Homofobia.

Para os governistas das ONGs e similares, os vilões da história são sempre os mesmos: os “setores conservadores”, a “direita” e, até mesmo, os próprios oprimidos que “não se organizam como deveriam”. O que esse discurso tenta mascarar é a verdadeira traição que esses setores cometem ao chamar os oprimidos a confiar neste governo. A grande maioria dos tais setores “conservadores” está encastelada no governo ou, no mínimo, aplaude entusiasticamente sua política econômica.

É uma mentira afirmar que o governo está comprometido com os setores oprimidos. Lula já evidenciou que se submete exclusivamente aos interesses de seus novos aliados e dos organismos internacionais.

Exemplos não faltam. Subordinada às exigências do FMI e do Banco Mundial, a Lei Maria da Penha veio acompanhada de um corte de 42% no orçamento de 2007 para os programas de combate à violência. Do restante previsto, apenas 4% foram investidos, numa conjuntura em que a violência contra as mulheres só aumentou.

Caso emblemático foi o da menina de 15 anos estuprada em cela compartilhada com homens no Pará. Até atingir a mídia, este fato foi completamente menosprezado pela governadora Ana Júlia, da autodenominada esquerda petista, que, incorporando a hipocrisia das elites dominantes, declarou: “infelizmente, já acontece há algum tempo”.

O mesmo pode ser dito dos outros projetos citados e, também, do ProUni. Reivindicados pelas entidades governistas como o supra-sumo do combate à discriminação homofóbica e racista, são lamentáveis exemplos do que se costuma chamar de “letra-morta” ou, ainda pior, que servem para esconder os ataques de Lula aos setores que diz defender.

Para o Brasil sem Homofobia, não há destinação de verba. Já o Estatuto, assim como toda legislação que venha a ser aprovada em relação às mulheres, esbarra num “probleminha”: o mesmo governo que promete acabar com a discriminação e a superexploração aprofunda o abismo social que vitima os setores oprimidos, na medida em que implementa reformas como a previdenciária, a trabalhista e a sindical, que atacam direitos conquistados.

O ProUni, para atender as reivindicações do Banco Mundial e dos “tubarões” do ensino privado, está empurrando negros e negras para instituições de qualidade questionável. Também é o caso da lei que estipulou seis meses para a licença maternidade, mas apenas para o setor privado, a depender da vontade do patrão, que ainda terá isenção de impostos como prêmio para sua “boa vontade”.

2008 promete!
A subordinação das direções dos movimentos contra a opressão a este governo e à sua lógica neoliberal foi sentida no decorrer de todo ano de 2007, principalmente nos “grandes eventos” destes setores: o 8 de Março, a Parada do Orgulho GLBT e o Dia da Consciência Negra.

Em todos eles, salvo honrosas exceções, as manifestações e protestos transformaram-se em marchas festivas, que, no máximo, exigiram maior agilidade do governo na implementação de políticas de combate à opressão.

Contudo, nestes e em inúmeros outros eventos, o governo não conseguiu impor completamente seu discurso. Nós, militantes do PSTU, ao lado de milhares de ativistas da Conlutas, temos orgulho de ter ajudado a fazer a diferença nessa história.

Erguemos, em todos os cantos do país, nossas bandeiras em defesa da luta intransigente pelas reivindicações históricas de negros, mulheres e homossexuais. Lutamos pela legalização do aborto e da parceria civil. Defendemos reparações sociais para negros, vinculadas ao não-pagamento da dívida externa, e exigimos creches, educação e saúde, com a mesma garra que combatemos as reformas.

No 8 de Março, em várias cidades, junto com mulheres de organizações como a Conlutas, o PSOL e a Intersindical, construímos um pólo feminista e classista. Em novembro, os militantes do PSTU não mediram esforços para garantir o enorme sucesso do I Encontro de Negros e Negras da Conlutas, com mais de 600 ativistas, que, dentre as muitas e importantes resoluções, aprovaram a construção de um novo movimento negro, classista, antigovernista e socialista.

Como não acreditamos em prática sem teoria, em 2007, o PSTU junto com a Liga Internacional dos Trabalhadores, fez seminários para discutir a opressão e a exploração das mulheres sob a ótica marxista. Desde o início do ano, também promovemos o curso “Globalização, raça e classe” em todo o país.

É com esse pique e com a certeza de que as ilusões no governo cairão por terra mais cedo ou mais tarde que entramos em 2008. No primeiro semestre, teremos a última etapa do Seminário de Mulheres da LIT na região Norte. As mulheres da Conlutas também já agendaram para junho o seu I Encontro.

Negros, mulheres e homossexuais não só se farão presentes no Congresso da Conlutas e no Encontro Latino-americano e Caribenho dos Trabalhadores, como deverão cumprir o importante papel de recolocar a luta contra a opressão como uma tarefa a ser cumprida em aliança com os trabalhadores e que depende disso para sua vitória.
Para nós, aprofundar essa luta não é só uma saudação ao espírito rebelde de Oscar Wilde. É, acima de tudo, uma reafirmação de outra lição, deixada por Lênin em de 1919: “Abaixo os falsários que falam de liberdade e igualdade para todos, enquanto exista um sexo oprimido, enquanto existam classes opressoras, enquanto exista a propriedade privada sobre o capital (…) Não há liberdade para todos, não há igualdade para todos, mas luta contra os opressores e exploradores, eliminação da possibilidade de oprimir e explorar. Esta é a nossa palavra-de-ordem!”.
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