Depoimentos, como o de Sílvio Pereira, aumentam a crise do governo, mas PT poupa Delúbio Soares.Ontem, 19 de julho, Silvio Pereira, ex-secretário geral do Partido dos Trabalhadores (e braço-direito inquestionável de José Dirceu) compareceu à CPI dos Correios para um novo depoimento. Protegido por um hábeas corpus preventivo que lhe garantia não ser preso no depoimento, Silvinho, como é conhecido, conseguiu complicar ainda mais sua própria situação e a do governo.

Protegido pela máxima judicial que o desobriga a dizer a verdade para não se comprometer, o depoimento de Silvinho foi um verdadeiro show de cinismo. Além de negar conhecer qualquer coisa, Silvinho ainda foi acometido de uma súbita amnésia: não vê Lula há anos; nunca indicou ninguém para o governo; não conseguia se lembrar das indicações de petistas feitas por ele próprio para cargos públicos; nunca participou de negociações de empréstimos para o PT; nunca ouviu falar de mensalão; nunca foi muito próximo a Marcos Valério e não tem nenhum relacionamento com alguém do Banco Rural. E, pobre infeliz, nunca teve sequer uma salinha ou qualquer estrutura no governo.

A total “ignorância” de Silvinho sobre a realidade que o cercava, contudo, não conseguiu justificar um dos muitos “mimos” que compõem seu patrimônio pessoal (que, incluindo casas e apartamentos na praia, é completamente incompatível com seu salário declarado): um carro Land Rower Defender, avaliado em R$ 90 mil, que, segundo a documentação apresentada na CPI, foi adquirido pelo empresário César Oliveira, sócio da GDK, uma empresa baiana que trabalha na área de gás e petróleo, na Bahia.

Um pequeno detalhe: a tal GDK “ganhou” uma concorrência no valor de R$ 90 milhões para reforma algumas plataformas da Petrobras.

Se isso não bastasse, Silvio Pereira ainda afirmou que, apesar do completo desconhecimento que eles e seus pares da Executiva tinham sobre as transações de Delúbio Soares e Marcos Valério, todos aprovaram, sem ressalvas, o balanço financeiro de 2003 e as contas apresentadas por Delúbio, em março e abril passados, apesar de nelas já constarem uma dívida de R$ 20 milhões de reais. Algo que, pelo o que Sílvio nos quer fazer acreditar, parece não ter motivado nenhuma curiosidade ou espanto por parte da direção partidária.

A crise se aprofunda, mas PT poupa Delúbio
O dia já havia começado sob o signo da crise. Pela manhã, Lula anunciou a demissão de Olívio Dutra, do Ministério das Cidades, para “encaixar” mais um membro do PP em seu gabinete, numa tentativa de manter Severino Cavalcanti e seus partidários sob o controle do governo. O problema é que nem o próprio Olívio e muito menos seus subordinados diretos gostaram da idéia, abrindo uma nova crise no Planalto.

Contudo, foi no Congresso que o clima realmente esquentou. Enquanto Sílvio Pereira depunha, outros tantos fatores auxiliavam a aprofundar a crise e o lamaçal que envolvem o governo, o PT e, cada vez mais, o próprio congresso.

Por um lado, surgia a lista das pessoas que efetuaram saques de milhões nas contas de Marcos Valério, no Banco Rural. Não foi surpresa para ninguém que a maioria absoluta dos “felizardos” sacadores seja intimamente ligada às estruturas do PT e dos partidos aliados (veja lista na página nacional do site).

Por outro, ainda em Brasília, o presidente do PT no Distrito Federal, Raimundo Ferreira (membro do Conselho Fiscal do partido e intimamente ligado a Delúbio), admitia que buscou, em 29 de março, um envelope com dinheiro, na agência local do Banco Rural, a pedido do ex-tesoureiro. O envelope que, tudo indica, continha R$ 200 mil, foi entregue ao próprio tesoureiro, no dia seguinte.

Praticamente ao mesmo tempo, mas, agora, em Minas Gerais, o atual prefeito de Uberaba e ex-ministro do Transporte, Anderson Adauto, do PL (afastado, é bom lembrar, sob suspeita de corrupção), assumia que, mais uma vez, Delúbio Soares havia “dado uma ajudazinha” de algo entre R$ 100 e R$ 150 mil (o “esquecido” Adauto não consegue se lembrar da quantia exata, como se 50 mil reais fossem “troco”) para que ele pudesse pagar uma dívida de campanha.

Enquanto tudo isso acontecia, seguindo a linha de que nunca souberam de nada e muito pouco têm a ver com o assunto, os membros da Executiva do PT se reuniram para discutir o comportamento de Delúbio Soares. E, para a surpresa daqueles que ainda acreditam que o PT já não decretou sua total falência, rejeitou, por maioria, qualquer medida disciplinar contra o ex-tesoureiro.

A polarização, se é que se pode falar em tal coisa, foi entre o “Campo Majoritário” — de Lula, Zé Dirceu, Genoíno e companhia — e os demais setores, incluindo a chamada “esquerda” do PT. O resultado foram 11 votos para que nada fosse feito (pois isso, segundo os defensores da proposta, poderia, inclusive, interferir no humor de Delúbio em seu depoimento!!!!) e a simples suspensão por 60 dias, proposta apresentada por Valter Pomar (Articulação de Esquerda) e Joaquim Soriano (Democracia Socialista).