Entre 26 e 27 de setembro passado, vários estudantes normalistas de Ayotzinapa, Estado de Guerrero, foram atacados por membros da polícia municipal. Pelo menos seis foram mortos, e 43 continuam desaparecidos. Logo se conheceriam as ligações entre o governo municipal e outros municípios próximos com o crime organizado, principalmente com o cartel conhecido como Guerreros Unidos. Em todo o México, inclusive em nível internacional, se desenvolve uma campanha exigindo o esclarecimento dos fatos e a punição dos responsáveis por este crime. Apresentamos um artigo do GSO (Grupo Socialista Operário), organização mexicana da LIT, sobre o caso.

 

Começaram as explosões sociais?

À medida que as semanas passam fica complicado para o governo federal o “caso Ayotzinapa”[1]. Nos primeiros dias, foi divulgada uma versão de que o responsável era o prefeito de Iguala, José Luis Abarca, que, aliado ao crime organizado – especificamente a Guerreros Unidos –, ordenou à polícia municipal reprimir e fazer desaparecer um grupo de estudantes como vingança porque os normalistas apoiavam um cartel adversário. Ou seja, o motivo, de acordo com essa fantasia, seria vingança.

Lentamente, vai se construindo a ideia de que é um tipo de genocídio aos moldes do que aconteceu em 10 de junho de 1971, quando o Estado não assumiu a responsabilidade, mas, com isso, enviava uma mensagem sobre os métodos que estava disposto a usar contra os dissidentes.

No entanto, aparentemente, a resposta das massas parece estar excedendo as expectativas do Estado. Desde 2 de outubro, existe um movimento com greves estudantis que se estende por todo o país. Em 6 de outubro, uma greve paralisou oito estados. No dia seguinte, os protestos chegaram a Oaxaca, Chiapas e Guerrero[2]. Nos dias posteriores, se estenderam para o norte, em estados como Baja California, Chihuahua e Zacatecas[3]. A ação mais importante até agora foi uma greve estudantil, nos dias de 15 e 16 passados, que abrangeu 40 universidades em vários estados. Há expectativas de que uma segunda greve, nos dias 22 e 23, abarque mais estados e escolas. Caso se confirme, estamos diante da possibilidade – a menos que haja uma resposta satisfatória – de que se torne a maior greve estudantil desde 1968, sem que tenhamos ainda claro até onde irá.

Neste sentido, podemos trabalhar com algumas hipóteses: se as massas que estão mobilizadas começam a identificar que o mentor intelectual é Peña Nieto[4], a indignação aumenta e poderá colocar o governo contra a parede. Esta situação é possível porque, em cada comício ou passeata, é feita esta alusão. Ou seja, estaríamos no limiar de uma grave crise política que é alimentada com o agravamento dos fatores de crise econômica (agora exposta pelo baixo crescimento econômico que faz com que o país balance perigosamente à beira do crescimento zero, ajudado pela forte desvalorização do peso nas últimas semanas e a queda dos preços do petróleo).

Outra possibilidade é apresentar alguns paus-mandados que se autoincriminem e com eles se apresente uma versão crível das causas que motivaram o massacre. De qualquer maneira, uma parte da população não engolirá a história. Nesta linha, quem sabe nunca se encontre vivo o ex-prefeito de Iguala (porque ele foi executado, como a esposa) ou morreram como resultado de “um confronto” com as forças federais. Ele sabe demais para continuar vivo.

As causas da guerra suja
A situação geral do país tende a deteriorar-se sem nenhuma possibilidade de melhora. Com ela, a maior parte da população continuará sua marcha fatal para a miséria, a insalubridade e a violência. Por estas razões, o Estado necessita apressar as medidas de controle das multidões cada vez mais desesperadas, esquecidas e empobrecidas. E na via das explosões sociais venha a resposta a uma ditadura que unicamente vê como saída ou solução a violência. Guerrero é um exemplo do que pode acontecer em outros Estados no futuro (provavelmente o Estado do México seja o próximo ou um dos próximos devido ao grau de agravamento das condições sociais).

Tlatlaya e Iguala[5] são dois exemplos de Estados que estão sendo treinados para matar como única saída. São exemplos de limpeza social implementado pelo regime e que somente podem ser barrados pelas massas.

Esta política faz parte das linhas da contra-insurgência que o imperialismo está orquestrando desde 1971, quando Richard Nixon governou, aquele a quem muitos disseram que não tinha razão e que exagerava na sua paranoia sobre a capacidade de uma insurreição das massas diante das mudanças requeridas pela economia global e, desde então, ficou claro que carregaria consigo mais pobreza e perigo para os sistemas e a vida em todo o mundo.

Noam Chomsky diz que as consequências da fracassada luta anti-droga foram “intencionais” com um propósito anunciado diferente: “serviu para controlar e anular os esforços regionais das comunidades rurais e beneficiar os poderosos interesses das grandes empresas agrícolas e do setor financeiro e bancário que se beneficiam do mercado criado pelos traficantes“. (Chomsky, La Jornada 13/5/12). A partir disso podemos entender o que significaram as guardas de autodefesa que, ao combater as gangues do crime organizado combatiam, também, estes interesses das grandes empresas, e por isso era urgente seu desaparecimento ou cooptação.

Nesta linha, devemos levar em conta que as Forças Armadas desde 2002, quando reinava Vicente Fox, eram subordinadas ao Comando Norte do Pentágono, e, portanto, qualquer estratégia de caráter militar, semi-militar ou paramilitar é determinada a partir do norte. E aqui é onde entra Ayotzinapa, porque nenhum prefeito, nem sequer do PRD (Partido da Revolução Democrática), pode alcançar tal autoridade a ponto de assassinar 50 estudantes.

Até mesmo o governador do Estado, Ángel Aguirre Rivera (que não quer renunciar, porque se recusa a colocar a cabeça a prêmio, e por isso é defendido pelo PRD). Por sua vez Aguirre Rivera foi o tonto útil, pois além de pouca inteligência e aficcionado pelo poder, lhe apetece sentir que a vida dos outros depende dele. Melhor impossível para se livrar dos mortos.

Hoje a guerra suja inclui cem mil mortos, 30 mil desaparecidos, Tlatlaya, Ayotzinapa, execuções extrajudiciais, massacres, paramilitares, assassinatos, tortura, perseguição de ativistas de direitos humanos e opositores políticos, fraudes eleitorais, repressão sistemática aos movimentos de resistência, etc.


Manifestação em Chiapas

MORENA e a leveza do ser
Desde dezembro de 2011, após o assassinato de dois normalistas de Ayotzinapa, quando AMLO (Andrés Manuel López Obrador – presidente do Conselho Nacional do Movimento Regeneração Nacional – MORENA) foi obrigado a decidir se condenava o assassinato somente propôs “uma investigação exaustiva”, e nunca disse mais nada. Tal conduta levou a “suspeitar” que AMLO tinha fortes laços políticos com Aguirre Rivera desde que deu sua bênção para que ele fosse o candidato a governador pelo PRD. Diga-se Aguirre incluiu pessoas de AMLO em seu gabinete como Lázaro Mazón – grande amigo do agora depreciado prefeito de Iguala – na Secretaria da Saúde. Portanto Mazón tornou-se a carta mais forte de MORENA para o cargo de governador em Guerrero depois de Aguirre Rivera deixar o osso. Hoje, da mesma forma que em dezembro de 2011, López Obrador disse que “eu não vou me pegar com Ángel Aguirre. Seria politicagem e eu não vou fazer o jogo da turma dos Los Pinos”. (Programa de Rádio, El Wueso, 14 de outubro de 2014)

O resto da esquerda, como a Frente Popular do DF, a Frente Ampla Social ou o PT (Partido do Trabalho) e menos ainda a Convergência nada disseram em dezembro de 2011 e, agora, apenas escutam. Esses fatos abonam em sua cota o desencanto da população e, com ele, a crise política.

O que fazer?
As manifestações se espalharam por todo o país, os protestos internacionais aumentam dia a dia e estamos no limiar de mais e maiores explosões sociais. Se a tendência cresce, é provável que possamos derrubar este plano de contra-insurgência (que é também uma exigência do imperialismo para lançar um investimento maciço no campo das indústrias extrativas), que realiza o Estado.

 

Tradução: Rosangela Botelho

 

[1] 6 estudantes mortos e 43 desaparecidos da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, em Iguala, Estado de Guerrero;

[2] Oaxaca, Chiapas e Guerrero – Estados do sudoeste do México, conhecido como Estados Unidos Mexicanos;

[3] B­­aja California, Chihuahua e Zacatecas –  Estados ao Norte do México, de grande produção vinícola;

[4] Enrique Penã Nieto – presidente de México desde 01/12/2012. Membro do PRI (Partido Revolucionário Institucional);

[5] O fuzilamento de 22 pessoas em Tlatlaya, Estado do México e o assassinato de 46 estudantes rurais em Iguala, Estado de Guerrero;­­