Em uma sessão da Comissão de Anistia marcada pela emoção, corrente antecessora do PSTU é homenageada em sua luta contra o regime de exceção

Trinta e cinco anos depois de perseguir, prender e torturar vários de seus militantes, o Estado brasileiro finalmente pediu desculpas e reconheceu o papel cumprido pela Convergência Socialista na luta contra a ditadura militar. Esse reconhecimento histórico ocorreu nesse dia 25 de outubro, durante a 77ª Caravana da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, realizado especialmente para analisar os pedidos de anistia dos perseguidos e presos políticos da Convergência.

O auditório do Tuca, tradicional teatro da PUC-SP e palco de momentos históricos da luta contra a ditadura, ficou pequeno para as 700 pessoas que assistiram o ato. Além de velhos militantes e jovens ativistas, entre organizações de esquerda e sindicatos, caravanas de escolas públicas e estudantes da própria PUC compareceram ao evento.

A caravana teve dois momentos diferentes. O primeiro na parte da manhã, marcado por um emocionante ato que relembrou a luta da Convergência Socialista e prestou homenagem a seus militantes, e a parte da tarde onde foram realizados os julgamentos dos pedidos de anistia e reparação.

Memóra, Verdade e Justiça
A mesa do ato foi composta pelo presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, pela reitora da universidade que sediava o evento, Rosalinda Santa Cruz, pelo deputado estadual e membro da Comissão da Verdade da ALESP, Adriano Diogo (PT), a deputada federal Luiza Erundina (PSB) e Zé Maria, representando os presos e perseguidos políticos da Convergência. Também esteve na mesa Idibal Pivetta, histórico advogado de presos políticos.

O ato foi aberto pela reitora da PUC, que marcou a importância de se colocar para a juventude a necessidade da busca pela reparação e, principalmente, responsabilização dos crimes cometidos pela ditadura. “É impossível reconstruir a memória e buscar a verdade sem a responsabilização“, disse. Ela disse ainda que, sem uma reinterpretação da Lei da Anistia, “vai se chegar um ponto em que teremos esclarecimento, mas sem julgamento dos criminosos, a impunidade permanecerá e ficaremos com as mãos amarradas”.

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, relembrou a simbologia de aquele evento estar se realizando no Teatro Tuca. “Estamos aqui para afirmar o papel de memória e dizer que o que ocorre hoje, com desaparecimentos como o de Amarildo, não é nenhuma novidade“, disse, relembrando ainda violências cometidas pelo Estado que seguem mesmo com o fim da ditadura, como a repressão policial às manifestações públicas, as prisões arbitrárias e a violência cometida contra os LGBT’s e às mulheres.

O histórico de repressão e violência do Estado é anterior à ditadura, é um padrão que vem desde a dizimação das populações indígenas e da escravidão“, assinalou Abrão. “A ditadura, por sua vez, não queria matar uma pessoa, queria matar uma ideia, a ideia e os sonhos daqueles que acreditavam no socialismo e no comunismo”, disse ainda, afirmando que aquele auditório completamente cheio era “a melhor expressão de que eles foram derrotados“.

Paulo Abrão, porém, fez questão de reafirmar que aquele momento não era apenas de relembrar as atrocidades da ditadura, mas também de homenagem, naquele dia, especialmente, a “um dos grupos políticos que mantiveram a altivez e a cabeça erguida e pagaram um alto preço por isso“, referindo-se à organização antecessora do PSTU. “A Comissão de Anistia dedica essa sessão pública à Convergência Socialista, reconhecendo o seu papel na luta contra a ditadura e também contra as injustiças sociais desse país“, declarou, fazendo questão de citar especialmente o nome de Nahuel Moreno, antigo dirigente e fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores, organização internacional da qual a CS fazia parte.

Luta não terminou
Bastante aplaudido e emocionado, José Maria de Almeida, o Zé Maria, presidente nacional do PSTU, também relembrou o significado daquele espaço. Na segunda vez em que foi preso pela ditadura, em 1978, junto com vários companheiros da Convergência, uma greve de fome pedindo sua libertação foi realizada ali. “Várias pessoas entraram em greve de fome, e uma delas era a minha mãe“, relembra.

É muito importante para a esquerda socialista o que disse o Paulo Abrão aqui, reconhecendo o papel da Convergência Socialista“, disse, lembrando que a organização na época, e a Liga Operária, sua antecessora, não optaram pela luta armada, como tantas outras organizações, mas pelo movimento de massas. “Nossa luta, assim, se mistura à luta dos metalúrgicos, dos professores, dos operários da construção civil, dos estudantes“, afirmou.

Zé Maria fez questão de ressaltar ainda que, embora não tivessem partido para a luta armada, a organização teve diversos companheiros assassinados. Com a voz embargada, relembrou Zé Luís e Rosa Sundermann, assassinados em 1994 quando ajudavam a organizar uma greve de cortadores de cana. Relembrou ainda Gildo, militante do PSTU morto pela polícia durante uma greve de servidores públicos em Brasília e Túlio Quintiliano, fundador do grupo que originaria a CS e que “sequer chegou ao Brasil, pois foi assassinado pela ditadura chilena“.

Temos que exigir punição aos ditadores, e essa é uma tarefa que não se refere apenas ao passado, mas também ao futuro“, disse. “Há duas semanas dois jovens foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional, a mesma em que eu fui”, denunciou. “Nessa segunda-feira, vimos ainda o Exército na rua para reprimir trabalhadores e estudantes, como naquela época“, lembrou, fazendo questão de ressaltar que a luta daqueles que tombaram não havia terminado com o fim do regime de exceção: “Nossa luta é por uma sociedade mais igualitária, sem a exploração do homem pelo homem”.

Erundina: “Um reencontro com a CS”
A deputada federal Luiza Erundina, convidada ao evento, fez questão de afirmar que se sentia “grata por estar comemorando os 35 anos da Convergência Socialista“. Ela chamou aquele momento de um “reencontro”. “Quando, há 35 anos atrás, eu era assistente social e fazíamos a primeira greve do funcionalismo contra a ditadura, foram os militantes da Convergência Socialista que  vieram nos ajudar“.

Erundina defendeu ainda o seu projeto de lei de revisão da anistia. “A lei de hoje é um arremedo de lei para auto-anistiar os torturadores“, denunciou. O projeto está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Porém, como ela assinalou, “cresce na consciência da sociedade que esta lei não pode continuar existindo nos termos que existe“, lembrando que há uma condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o país devido à impunidade nos crimes da ditadura.

Já o deputado Adriano Diogo, árduo militante no tema, relembrou aos mais jovens ali a razão das paredes do Tuca serem rebocadas, sem acabamento. “É para lembrar as duas vezes que a ditadura mandou tacar fogo nesse espaço“, disse. O deputado lamentou que, na tríade de tarefas “memória, verdade e justiça”, estejamos ainda na primeira delas e elogiou a “Convergência Socialista, hoje o PSTU, que faz da questão não algo do passado, mas do presente“.

Luiz Carlos Prates, o Mancha, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP) e já anistiado político, fechou o ato que emocionou a todos ali. “Estamos diante de um fato histórico, do Estado reconhecendo o papel da Convergência Socialista, uma organização trotsquista, da 4ª Internacional, na luta pela derrubada da ditadura militar“, afirmou, sendo muito aplaudido.  

Ole, ole, ole, olá, somos a morte do capital/ somos trotsquistas da 4ª  internacional“, entoou o auditório nesse momento, encerrando aquele ato memorável com a Internacional.

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