Manobra na sessão da Câmara de Natal ignorou o Regimento Interno para desarticular mobilização dos estudantes

A vereadora Amanda Gurgel (PSTU) e os vereadores do PSOL, Sandro Pimentel e Marcos Antônio, deram entrada numa ação judicial para suspender a sessão da Câmara de Natal que manteve o veto da Prefeitura ao projeto do Passe-livre. Na noite desta quarta-feira (dia 16), os vereadores protocolaram uma ação cautelar, com pedido de liminar, na 2ª Vara da Fazenda Pública de Natal. No dia anterior (15), uma manobra articulada pelo vereador Júlio Protásio (PSB), líder do governo, e pelo presidente da Câmara, Albert Dickson (PROS), com o apoio da bancada governista, ignorou o Regimento Interno e manteve o veto do prefeito Carlos Eduardo (PDT) ao projeto.

O Regimento Interno da Câmara Municipal, tão reivindicado pelos próprios vereadores, em seu artigo 120 destaca que “Nenhuma proposição legislativa ou requerimento poderá entrar na Ordem do Dia para deliberação sem haver sido anunciado, pelo menos, com um dia de antecedência”. Ainda segundo o regimento, os vetos do executivo, assim como qualquer outra proposição, não podem ser votados sem serem lidos em plenário e em menos de 24 horas, como aconteceu. Na ocasião, o veto do prefeito ao Passe-livre foi apresentado poucas horas antes da sessão e nem ao menos chegou a ser lido em plenário. A ação judicial pede a anulação da sessão fraudada.


Aula pública sobre o projeto de Passe-livre

“O parlamento é corroído por vícios, por todo tipo de manobra, todo tipo de corrupção. Não me surpreende. Eu espero desta Câmara todo tipo de golpe, tudo o que for de mais negativo é o que mais se espera da maioria dos vereadores. Quando as pessoas dizem que eles estão comprometidos com os empresários, com o prefeito e que vendem os votos é porque é verdade”, denunciou a vereadora Amanda Gurgel, do PSTU.

Ainda na manhã de quarta-feira, os três vereadores e diversos estudantes realizaram uma aula pública em frente à Câmara de Natal para discutir a sessão fraudada que manteve o veto do prefeito ao Passe Livre. O Conselheiro Estadual da OAB no RN, Leonardo Medeiros, e o advogado e mestre em Direito Constitucional, Fernando Castelo Branco, participaram da aula para explicar as irregularidades cometidas pela Presidência da Câmara na sessão da terça-feira (dia 15). O evento ocorreu do lado de fora porque um ato do presidente Albert Dickson suspendeu as sessões por dois dias, logo após a manutenção do veto, alegando reparos no painel eletrônico.

Durante a aula pública, também foi debatido o excludente projeto de passe livre da Prefeitura, que limita a gratuidade no transporte apenas aos alunos da rede municipal. A proposta deve chegar à Câmara na segunda-feira (dia 21). Os estudantes prometem aumentar a mobilização para exigir o Passe Livre integral, como estava previsto no projeto da vereadora Amanda Gurgel (PSTU) e farão protesto na terça-feira (dia 22), quando pode ir à votação a proposta do prefeito.

Veto a pedido dos empresários
Na noite da última segunda-feira (14), o prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT) vetou oficialmente o projeto de lei do Passe Livre, de autoria da vereadora Amanda Gurgel (PSTU) com os vereadores do PSOL, e que instituía a gratuidade no transporte coletivo para todos os estudantes. No dia seguinte ao veto, a Câmara levou a decisão da Prefeitura à votação imediatamente. Tanta pressa por parte dos vereadores e a manobra sobre o Regimento Interno se justificam. O objetivo era desarticular e impedir a mobilização e a pressão dos estudantes dentro da Câmara, que por duas vezes obrigaram os vereadores a votar a favor do Passe Livre por unanimidade. Em entrevista a uma rádio local, antes do veto, o vereador Júlio Protásio admitiu: “Votamos pressionados pelos estudantes.”.

Ainda na tentativa de impedir a presença dos estudantes, vereadores governistas puseram pessoas pagas para ocupar lugares na Câmara. O Sindicato dos Empresários do Transporte (Seturn) também pagou capangas para ficarem nas galerias, provocando alguns poucos estudantes que conseguiram entrar no prédio. A denúncia foi feita pelo vereador Fernando Lucena (PT).

Foram nove votos favoráveis ao veto do prefeito; dez votos pela derrubada e seis abstenções. Mesmo com dez vereadores votando contra o veto, a decisão da Prefeitura foi mantida. Pelo regimento da Câmara, seriam necessários 15 votos para derrubar a proibição do prefeito. “O mais escandaloso foi ver a mesma Câmara que aprovou o Passe Livre por unanimidade em duas votações mudar de opinião depois de ser pressionada pela Prefeitura e pelo Seturn. O prefeito e esses vereadores mostraram mais uma vez sua submissão diante dos empresários do transporte da cidade”, criticou Amanda.

Votaram pela manutenção do veto os vereadores Albert Dickson (PROS), Júlio Protásio (PSB), Adão Eridan (PR), Chagas Catarino (PROS), Dagô (DEM), Felipe Alves (PMDB), Júlia Arruda (PSB), Junior Grafith (PRB) e Eudiane Macedo (Solidariedade). Abstiveram-se de votar Aquino Neto (PV), Aroldo Alves (PSDB), Bertone Marinho (PMDB), Eleika Bezerra (PSDC), Dickson Jr. (PSDB) e Ubaldo Fernandes (PMDB). Pela derrubada do veto do prefeito votaram Amanda Gurgel (PSTU), Sandro Pimentel (PSOL), Marcos Antônio (PSOL), Fernando Lucena (PT), Hugo Manso (PT), Jacó Jácome (PMN), Paulinho Freire (PROS), Franklin Capistrano (PSB), Rafael Motta (PROS) e George Câmara (PCdoB).

Prefeito quer restringir Passe Livre
Curiosamente, no mesmo dia em que a Câmara manteve o veto da Prefeitura ao projeto do Passe Livre, da vereadora Amanda Gurgel, o vereador Júlio Protásio anunciou que o prefeito Carlos Eduardo apresentaria uma proposta “alternativa”. Desde o início, o prefeito de Natal atacou o projeto que garante a gratuidade no transporte a todos os estudantes. Por vezes, a Prefeitura chamou a proposta de “demagógica” e de “proselitismo político”.

Usou falsos argumentos jurídicos para alegar uma inconstitucionalidade que não existia no projeto e fez um escândalo afirmando que os custos de R$ 34 milhões (valor estimado da proposta) “quebrariam” o município. Por fim, decidiu revelar o verdadeiro motivo pelo qual vetou o Passe Livre: o prefeito não aceita que os empresários paguem uma parte da conta com seus lucros, como propõe Amanda Gurgel.

Entretanto, a simpatia da população pelo Passe Livre e a pressão do movimento dos estudantes, que tomou conta da cidade nos últimos dias, obrigou o prefeito Carlos Eduardo a recuar e a apresentar uma paródia grosseira do passe livre, baseado no que há em João Pessoa. A proposta da Prefeitura, que será enviada à Câmara Municipal na próxima segunda-feira (dia 21), limita a gratuidade aos estudantes da rede municipal. Serão apenas duas passagens por dia, condicionadas à frequência escolar. Além disso, a proposta do prefeito não toca em um único centavo dos altos lucros dos empresários, estimados em R$ 70 milhões ao ano.  

Para se ter uma ideia da exclusão que a Prefeitura vai gerar, basta dar uma olhada na quantidade de matriculados em Natal, com base nos dados do MEC/INEP 2012. A imitação de passe livre do prefeito Carlos Eduardo vai contemplar apenas 25% de todos os alunos da cidade. Vão ficar de fora da gratuidade mais de 143 mil estudantes (75%), de cursos universitários, ensino médio e demais modalidades das redes pública e privada. “A maioria dos estudantes sofre para pagar a tarifa de um transporte precário. Muitos abandonam a escola. É hora de fortalecer a mobilização pelo passe livre integral. Não podemos aceitar a restrição anunciada pela Prefeitura. O município tem condições de pagar uma parte do projeto, mas os empresários devem reduzir seus altos lucros para financiar a gratuidade de todos os estudantes.”, defende a vereadora Amanda.