Haddad se alia a Maluf nas eleições de 2012

Neste 1º de maio, o PSTU deixa sua opinião sobre o que vem sendo a prefeitura do PT e abre um debate com os trabalhadores da cidade

Não há tradição que possa perdurar no tempo sem estar vinculada à prática de gerações. O dia 1º de maio, reconhecido mundialmente como o Dia dos Trabalhadores, é um exemplo, talvez o mais marcante para os movimentos sociais, desses símbolos que perduram na consciência de milhões, fruto da ação de outros tantos ao longo da história. É o dia em que as bandeiras vermelhas voltam às ruas para lembrar que, se hoje parece natural que gozemos de direitos como a jornada de 8 horas e as férias remuneradas, isso só é assim porque a barbárie capitalista não foi capaz de domar inteiramente a resistência das greves e lutas políticas dos trabalhadores organizados. É o dia em que, nos mais diversos países, nossa classe marcha orgulhosa de sua história e da atualidade de sua luta.

 
Chega a ser curioso que, no Brasil, em tempos de hegemonia política daquele que se chama “Partido dos Trabalhadores”, o 1o. de maio tenha, pelas mãos das maiores centrais sindicais e partidos de esquerda, se afastado tanto de seu sentido original. Em vez da luta independente, shows e festas para celebrar com aplausos os governos atuais. Coerentes com o curso cada vez menos classista e mais acrítico em face ao governo do PT, CUT e Força Sindical convidarão, novamente em 2013, empresários e governantes a seus atos de saudação à colaboração entre classes com interesses opostos. 
 
Há, no entanto, àqueles que não se renderam à ilusão de que nosso futuro se constrói em parceria com aqueles que exploram nosso trabalho. Dentre eles, ao menos 20 mil mostraram, ao marchar em Brasília no último dia 24, que os poderosos continuam tendo motivos para temer a luta dos trabalhadores. Novamente, esta semana, a resistência e o classismo estarão, mais uma vez, nas ruas, denunciando e reivindicando, gritando alto que os trabalhadores têm, ainda, um mundo a conquistar. Nesse sentido, o PSTU-SP marchará no Primeiro de Maio, às 10h, na Praça da Sé, orgulhoso de levantar sua bandeira em meio ao ato unificado construído pelos setores combativos da esquerda. 
 
O PT e o retrocesso ideológico
Lutamos por nossas tradições porque são elas que nos fazem fortes. Mas o embate entre essas duas concepções – 1o. de maio de festa ao lado dos empresários ou de luta classista e unificada – traduz um dilema ainda mais profundo. Após 10 anos de governo do PT, a maioria dos trabalhadores foi, infelizmente, convencida por Lula e Dilma de que seu horizonte não vai assim tão longe. De que a saída para seus problemas não é mais a luta organizada, mas o voto, de quatro em quatro anos. E, sobretudo, de que suas conquistas podem ser alcançadas em aliança com seus patrões para governar, supostamente pelo interesse comum de ricos e pobres. É esse o coração da ideologia petista atual.
 
O crescimento econômico que o país viveu no último período, que agora dá fortes sinais de esgotamento, fez com que a população sentisse uma relativa melhoria nas suas vidas, principalmente pelo aumento do emprego, pelo aumento relativo do salário mínimo, pelo crédito e pelas políticas sociais compensatórias – como o bolsa família. É nessa sensação de estabilidade e de maior poder de consumo que se apoia a alta popularidade de Dilma.
 
Infelizmente, ao contrário do que se pensa, é preciso dizer que o modelo econômico de Lula e Dilma não é antineoliberal e em nada se parece com o de um governo que privilegia os trabalhadores. Diferente do que parece, aprofundou a desigualdade e a dependência do país. A dívida pública já alcança 84% do PIB: é como se cada um de nós devesse aos bancos 18.500 reais. O emprego cresceu a base de uma tremenda precarização e de ataques aos direitos trabalhistas. As privatizações, como a da Petrobrás e dos Portos, seguem de vento em polpa e avançam sobre os setores públicos, como saúde, educação e transportes. Não se fez nada pela reforma agrária em 10 anos de governo do PT, deixando a população do campo sem alternativas, ao passo que os usineiros e empresários do agronegócio se transformaram em heróis do país, nas palavras de Lula. O consumo cresceu sob a base de um endividamento das famílias, já somos hoje mais de 118 milhões de brasileiros endividados, dos quais 37 milhões já inadimplentes. 
 
No entanto, não é o que prevalece na consciência da maioria dos trabalhadores, que seguem confiando no PT para governar. Recentemente, também os trabalhadores paulistanos optaram por alinhar a Prefeitura de São Paulo ao governo federal, depois de quase 10 anos de governos municipais do PSDB e da direita. 
 
Neste 1º. de maio, o PSTU-SP quer deixar sua opinião sobre o que vem sendo a prefeitura de Fernando Haddad e abrir um debate com os trabalhadores de nossa cidade.
 
O significado da eleição de Haddad
No último dia 10 de abril, Haddad completou seus primeiros 100 dias de governo. Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha atesta a expectativa dos trabalhadores paulistanos na aposta que fizeram no ex-ministro da educação. Passados apenas 3 meses de mandato, 31% dos entrevistados consideram seu governo bom ou ótimo,  42% regular e apenas 14% ruim ou péssimo. Um apoio expressivo e baseado, fundamentalmente, nos setores mais empobrecidos da população.
 
Diante da crise em que vive o PSDB, Lula mais uma vez emplacou a eleição de um candidato até então desconhecido da grande população, a quem emprestou seu prestígio. É preciso reconhecer, portanto, que o voto em Haddad foi um voto anti-direita, mas, sobretudo, uma manifestação de aprovação da situação do país.  Para os que defendem uma estratégia socialista para São Paulo e o Brasil, o início do governo Haddad renova a discussão: é possível mesmo governar para todos, ricos e pobres? Para quem de fato vem brilhando e vai brilhar a estrela do PT?
Infelizmente, Haddad, ao anunciar suas metas de governo, demonstrou seguir o mesmo modelo de Lula e Dilma, de dizer “governar para ricos e pobres”, quando, na verdade, governa privilegiando aqueles que tem muito dinheiro e que bancam suas milionárias campanhas eleitorais em troca de privilégios na prefeitura para suas empresas.  Dessa forma, Haddad não se propõe, de fato, a resolver os grandes problemas dos paulistanos, como transporte, saúde, educação e segurança pública. Esse debate é necessário e queremos fazê-lo.
 
Novo prefeito, mesmo programa
Com o anúncio de seu Plano de Metas, a prefeitura apresentou as diretrizes e projetos que pretende pôr em marcha nos próximos 4 anos. Orçado em R$ 23 bilhões, equivalente a metade do orçamento anual do município, o plano é uma combinação da continuidade da privatização dos serviços públicos com uma roupagem “popular”. Apesar do vocabulário progressista nas metas, várias promessas de campanha – como a duplicação da estrada do M’Boi Mirim – foram esquecidas.
 
Com a prefeitura estrangulada pelo pagamento da dívida pública, Haddad pretende se apoiar no modelo das PPP (Parcerias Público-Privadas). Por esse mecanismo, Estado e iniciativa privada se associariam supostamente pelo atendimento às necessidades dos mais pobres. O resultado, na prática, é que os serviços públicos passam a ser interessantíssimos nichos de mercado para as empresas. As PPP são parte da cartilha neoliberal que o PSDB sempre defendeu para o país.
 
Por outro lado, a fim de amenizar as tensões oriundas da continuidade na precarização da saúde, educação e moradia, o Plano de Metas prevê a expansão das políticas sociais compensatórias, notadamente daquelas identificadas com o governo federal, como o Bolsa Família. Quaisquer políticas mais agudas de combate à pobreza dependeriam de impor limites à farra de banqueiros e especuladores e, por isso, não estão previstas nas metas da prefeitura.
 
Mas, talvez, a ilustração mais concreta de que Haddad não pretende implantar um programa diferente do que vinha fazendo a direita em São Paulo esteja na constante aparição do prefeito ao lado do governador Geraldo Alckmin. Nas eleições, PT e PSDB beiraram a agressividade, em uma falsa polarização. Na hora de governar, no entanto, celebram uma animada “parceria”. Não à toa, as primeiras medidas de Haddad foram anunciados em palanques conjuntos com o governo estadual. 
 
As primeiras medidas: algo está mudando? 
Apesar dos discursos durante a eleição, Haddad já garantiu que haverá aumento nas tarifas de ônibus, metrô e trem na capital. Junto com Alckmin, a prefeitura afirma que o atual preço em R$ 3 é inviável para a operação das empresas de transporte metropolitano. O bilhete único mensal, uma das propostas de maior apelo durante a campanha eleitoral, havia sido prometido ao custo de R$ 140. Diante do futuro reajuste, a prefeitura alega que deve revisar o preço do novo sistema tarifário.
 
Além de manter a lógica de que o transporte público deve visar o lucro antes do conforto e da necessidade da população, Haddad continuará a privilegiar a expansão do transporte rodoviário em detrimento da modalidade sobre trilhos – muito mais vantajosa para os deslocamentos na cidade. O plano de metas apresenta como solução a expansão de corredores de ônibus, ignorando a necessidade de deslocar para as ferrovias a maior parcela possível do que hoje é feito sobre estradas. Mas mesmo os corredores de ônibus previstos são insuficientes e para nada vão diminuir o tempo gasto e a sufoco no deslocamento dos paulistanos. No que toca o metrô, por sua vez, seguirá intocada a parceria da prefeitura com a privatizada Linha 4 amarela, modelo de PPP a ser seguido na expansão prevista de toda a rede.
 
No mesmo sentido, não está previsto um patamar de investimentos nem perto do que seria necessário para pôr fim à morosidade das viagens. Na verdade, Haddad já está desperdiçando uma enorme oportunidade, já que 2013 é o ano que vencem os contratos de concessão das empresas de ônibus. A prefeitura poderia, mesmo sem descumprir qualquer acordo anterior, pôr fim à privatização do transporte, refundando a Companhia Municipal de Transportes Coletivos. Ao contrário, Haddad está renegociando os contratos de forma a monopolizar ainda mais o controle dos ônibus.
 
Por sua vez, pode ser ironicamente na área da educação que o ex-ministro conheça sua primeira pedra no sapato.  Ao não sinalizar aos professores da rede municipal qualquer mudança significativa em termos de salário, carreira e condições de trabalho, a exemplo da greve dos professores estaduais que enfrenta o governo Alckmin, Haddad terá pela frente, a partir do dia 3 de maio, a primeira greve de trabalhadores contra seu governo. Haddad sequer se propôs atender as reivindicações já conquistadas na greve da categoria de 2012, expressas no PL 310, vetado por Haddad.  
              
Ao contrário do que afirmou em campanha, o governo não só mantém como vai ampliar as terceirizações e Convênios, as PPPs devem se ampliar para o atendimento dos alunos no projeto Ampliar e Mais Educação, os serviços terceirizados de merenda e Cozinha se mantêm. Na Educação Infantil não é diferente, Haddad prometeu construir imediatamente 172 creches assim que tomasse posse. Esse número é ainda muito insuficiente, pois a demanda real de CEI’s em São Paulo é de 300 mil vagas, embora se divulgue só a fila formal que é de 94 mil. Haddad e Callegari voltaram a defender a adoção de parcerias com empresas para combater a falta de vagas em creches, reproduzindo um modelo questionado pelos educadores da rede pública, pois em geral as creches conveniadas tem muitos problema estruturais e pedagógicos, falta de documentação, espaço inadequado para as crianças, problemas de higiene, além da falta de profissional qualificado e falta de projeto pedagógico. Parte significativa não possuem cadastro na vigilância Sanitária e vistoria dos Bombeiros. São verdadeiros depósitos de crianças. 
 
Já no campo da saúde, Haddad está desmentindo de vez a “acusação” feita pelo PSDB durante as eleições de que poria fim as OS (Organizações Sociais), espécie de PPP aplicada à administração dos hospitais públicos. Em declarações à imprensa, o prefeito afirma que deverá aumentar o quanto antes o valor dos repasses públicos às OS, o que contraria fortemente os caminhos propostos pelos movimentos sociais de saúde para a crise do setor. 
 
Sob a mesma lógica de mercantilização, a prefeitura estuda, ainda, a criação de postos de saúde de administração privada na periferia da cidade. Através de isenções fiscais sobre o ISS e da parceria direta com planos de saúde, a prefeitura pretende equilibrar a suposta “incapacidade do setor público” de atender à demanda das regiões mais carentes do município. Novamente, nenhuma diferença com o discurso do PSDB para a saúde pública.
 
Finalmente, no terreno do combate à especulação imobiliária, Haddad também não apresenta alternativa ao programa do PSDB, embora discurse que quer dialogar com os movimentos sociais e tenha feito reuniões e comissões para conter o movimento. Infelizmente, nada de novo sequer na face mais perversa das gestões tucanas nos últimos anos: a da higienização social. Como prefeito, Haddad já suaviza seu discurso em relação às internações compulsórias de dependentes de crack que perambulam por terrenos de interesse das grandes construtoras. 
 
Antes crítico dessas ações, Haddad declarou que elas podem ser legítimas, “desde que não sejam exclusivamente repressivas”. O prefeito anunciou, ainda, que –novamente em parceria com Alckmin- está prestes a lançar uma ação supostamente “anti-crack” em conjunto com o governo do estado. Na essência, a prefeitura do PT deve seguir as ações higienistas em prol da especulação imobiliária, apenas buscando uma aparência mais “humana” a essa política. O anúncio da criação da “UTI do crack” oficializou o compromisso da prefeitura com a continuidade das internações compulsórias.
 
A burguesia está com Haddad
Assim como fizeram Lula e Dilma, Haddad diz que seu governo quer atender igualmente aos interesses de trabalhadores e patrões. Ao menos que acreditemos que a arrogante burguesia paulistana está sensibilizada pelas mazelas sociais que ela mesma gerou, já se pode desconfiar que, na verdade, os maiores empresários da cidade confiam que Haddad pode é garantir a rentabilidade de seus investimentos.
 
As nomeações para as secretarias da prefeitura demonstram essa unidade dos ricos e seus representantes com a administração petista. O apoio de Maluf durante as eleições rendeu ao PP a pasta da habitação. PMDB, PSB,PTB e PV também foram agraciados com cargos de primeiro escalão. O grupo Gerdau e corporações como McKinsey & Company indicaram diretamente Marcos Cruz como secretário de finanças. Na Câmara Municipal, nem mesmo o odioso DEM se declara como oposição ao prefeito.
 
Longe de se sentirem ameaçadas pela administração de Haddad, as grandes empresas da cidade apostam na prefeitura para o futuro de seus lucros. A construtora OAS, por exemplo, foi a campeã em doações da campanha do novo prefeito – cerca de R$ 1 milhão. Toda essa gente poderosa está segura de que nada vai mudar tanto assim na cidade mais rica e desigual do Brasil.
 
Por outro lado, a prefeitura vai, também, testando sua capacidade de silenciar os movimentos sociais, através da cooptação de lideranças populares. Netinho, que tenta processar o PSTU por ter denunciado sua agressão a uma ex-companheira, é secretário da igualdade racial. A pasta de políticas para mulheres é ocupada por Denise Motta Dau, ex-dirigente da CUT. Há uma farta distribuição de cargos a ativistas dos movimentos populares, culturais e de juventude. Com forte apoio da burguesia e cooptando aqueles que poderiam se contrapor nas ruas a seu governo, Haddad se prepara para implementar seu programa, que – naquilo que é essencial – não parece ter nada de diferente do que o PSDB sempre propôs.
 
São Paulo para os trabalhadores
O fato das primeiras medidas da prefeitura indicarem mais continuidade do que mudanças não ocorre ao acaso. Numa sociedade tão desigual e baseada na exploração da maioria por uma minoria privilegiada não se pode governar atendendo ao mesmo tempo interesses tão opostos. Infelizmente, hoje, o PT tem convencido a maioria dos trabalhadores de que isso já não é mais assim. 
 
São apenas 100 dias de prefeitura para Haddad, os primeiros capítulos de uma experiência que os trabalhadores da maior metrópole brasileira desejam fazer. Respeitamos a visão daqueles que esperam que a prefeitura do PT apague a marca excludente e elitista impressa por anos de gestão da direita sobre São Paulo. Mas queremos abrir um diálogo, porque receamos que, cedo ou tarde, vão se decepcionar e porque opinamos que os trabalhadores não devem exigir nada menos do que tudo que lhes é de direito, o que inclui governar e acabar com a farra dos ricos.
 
Nesse sentido, os movimentos sociais de São Paulo têm uma responsabilidade muito grande. Não podem assinar cheque em branco em favor de Haddad. Precisam se mostrar resistentes a qualquer tentativa de cooptação. Não podem se calar diante de qualquer ataque, vindo de qualquer que seja o governo. Um primeiro desafio já está lançado: além de cercar de solidariedade os professores municipais em greve, é preciso organizar a luta contra o aumento das passagens, pela reversão da privatização dos ônibus e pela volta da CMTC, através dos sindicatos e comitês que reúnam trabalhadores e estudantes. 
 
Chamamos os movimentos a mostrarem sua independência porque confiamos que é na luta que os trabalhadores e jovens paulistanos devem fazer sua experiência com Haddad. Nesse caminho, que só está começando, seguiremos defendendo uma “São Paulo para os trabalhadores”, a única alternativa para arrancar de uma vez a direita e a burguesia da prefeitura.