Há exatos 50 anos, o cineasta Nelson Pereira dos Santos realizou um dos principais filmes da história do país, Rio 40 graus, que se tornou o marco zero do movimento conhecido como “Cinema Novo”, que anos mais tarde teria na figura e nos filmes de Glauber Rocha sua melhor tradução.

Diferentemente dos produtos puramente descartáveis que, hoje, lotam as salas de cinema, Rio 40 graus, apesar de cinqüentenário, possui, até hoje, uma força e atualidade invejáveis.

Boa parte de sua força, bem como de sua importância histórica, vem do fato de Nelson Pereira ter conseguido mesclar, com maestria, elementos do cinema escancaradamente popular que existia na época (as famosas e, muitas vezes, subestimadas “chanchadas”) com as preocupações estéticas e políticas da nova geração de intelectuais e cineastas de esquerda (Nelson, por exemplo, era secretamente filiado ao PCB) que estava surgindo no Brasil.

Baseando-se principalmente nos padrões estéticos do neo-realismo italiano (movimento cinematográfico, com preocupações sociais e políticas do período pós-guerra), Nelson Pereira utilizou locações reais, atores da própria comunidade e diálogos hipernaturalistas para retratar um típico domingo em um Rio de Janeiro sufocado pelo calor insuportável, usado como metáfora para a difícil situação vivida por cinco menores, que vendem amendoim em pontos da cidade.

Reflexões sobre o Brasil
Impressionante retrato de uma época, o filme foi prontamente censurado. Além de seu tema pouco “agradável”, a existência de negros como protagonistas da história, a ácida paródia aos políticos da época e o tom quase documental de algumas cenas não foram tolerados pelos governantes.

A campanha por sua liberação, além de ganhar apoio internacional, contou com a participação de jovens cineastas, como Glauber Rocha, Leon Hirzsman e Joaquim Pedro de Andrade, dentre outros. E, apesar de negar o título de “Pai do Cinema Novo”, a influência de Nelson Pereira e seu filme sobre eles e outros diretores é evidente, particularmente em filmes como Cinco Vezes Favela, dirigido por Hirzsman, Joaquim Pedro e outros, em 1962.

Na lista de suas obras geniais estão Rio, Zona Norte; Vidas Secas e Memórias do Cárcere, adaptados de Graciliano Ramos; O Amuleto de Ogum e Tenda dos Milagres, baseados em romances de Jorge Amado; Como era Gostoso o meu Francês, uma paródia antropofágica da relação entre colonizadores e colonizados; e A Terceira Margem do Rio, baseado em contos de Guimarães Rosa. Além disso, Nelson Pereira produziu excelentes documentários, como Raízes do Brasil, sobre a vida e a obra de Sérgio Buarque de Holanda.

Uma obra que, ao menos em duas capitais do país (São Paulo e Rio de Janeiro), pode ser revisitada na “telona”, em mostras especiais que estão sendo promovidas durante todo o mês de setembro, mas que também pode ser conhecida em vídeo.
Post author
Publication Date