Após 180 dias do decreto de Evo Morales anunciando a nacionalização das petrolíferas instaladas na Bolívia, o que sobrou foi uma renegociação de contratos que garante os lucros das empresas estrangeiras. O dia 28 de outubro era o prazo máximo para renegociar os contratos das dez petrolíferas no país, entre elas a Petrobras. De acordo com o decreto de 1º de maio, na ausência de acordo, as empresas deveriam deixar o país sem direito a indenização. Não foi o que aconteceu.

A Petrobras e as demais empresas assinaram os contratos com o governo boliviano nos dias 27 e 28 de outubro, inclusive a espanhola Repsol. Evo diz para a população de seu país que a Bolívia vai ficar com 82% dos lucros da Petrobras. As autoridades brasileiras esclarecem, entretanto, que essa porcentagem será variável e que pelo novo contrato estão garantidos os lucros da empresa.

Ainda falta aprovar os novos contratos no Congresso boliviano e fechar negociações nos próximos dias sobre duas questões: o preço do gás vendido ao Brasil, e se a Petrobras continuará a refinar combustíveis no país vizinho ou venderá seus ativos nessa área.

Longe de representar uma real nacionalização dos recursos, o novo contrato entre a Petrobras e o governo boliviano prevê a atuação da petrolífera no país até 2036 e o fornecimento de gás ao Brasil até 2019. O ministro brasileiro de Minas e Energia, Silas Rondeau, disse que o acordo garante a “rentabilidade necessária” para a empresa.

Responsável por 15% do PIB boliviano, a estatal brasileira age como uma verdadeira multinacional no país, explorando seus trabalhadores e comprando o gás a preço de banana. Até maio de 2006, a divisão do faturamento da Petrobras com a exploração de gás era de 50% para o governo boliviano e 50% para a empresa. Com o decreto de Evo, passou a ser de 82% do faturamento para o governo boliviano, até que fosse firmado novo acordo. Com a nova negociação, estão mantidas as porcentagens de 82% e 18%, mas de fato a participação nesses lucros poderá variar, e é isso que permitirá a rentabilidade das operações da empresa na Bolívia.

A partir de agora, o governo boliviano deverá receber, através de impostos e royalties, 50% do faturamento bruto da empresa. A outra metade do faturamento será usada para pagar os custos de operação da empresa e amortizar o investimento (que nos últimos meses eram pagos com os 18% que cabiam à empresa). A sobra disso é o que garantirá o lucro, que será dividido entre a Petrobras e a estatal boliviana, a YPFB.

O presidente da Petrobras Bolívia, José Fernando de Freitas, disse que o novo contrato é melhor e garante “condições adequadas, que mantêm o retorno empresarial”. Os contratos fechados com as outras empresas foram nos mesmos moldes.

Soberania e nacionalização no discurso, assistencialismo na ação
Uma das contrapartidas dessas negociações foi um novo projeto lançado no dia 27 pelo governo boliviano, o “bônus Juancito Pinto”, uma espécie de Bolsa Escola boliviana. O projeto consiste em utilizar a receita extra gerada pelos acordos para pagar uma bolsa anual de 200 bolivianos (cerca de R$ 52) para 1,2 milhão de alunos das escolas públicas de ensino fundamental. O bônus estabelecido por Evo, a exemplo das políticas compensatórias de Lula, demonstra os limites da política de ‘nacionalização’ do governo boliviano e o que de fato caberá ao povo nessas negociações: migalhas.

A verdadeira nacionalização
Há uma intensa luta dos bolivianos pela nacionalização e para reverter o desmonte promovido pelo governo neoliberal de Sánchez de Losada em 1996, que privatizou completamente os hidrocarbonetos da Bolívia. A revolução de outubro de 2003 derrubou Losada e as mobilizações de maio e junho de 2005 levaram à queda do presidente Carlos Mesa. Evo Morales, ex-líder cocaleiro, elegeu-se com a promessa de nacionalizar as empresas de hidrocarbonetos.

Depois de publicar o Decreto da Nacionalização, em maio, o governo de Evo vem oscilando claramente no tema chave da nacionalização dos hidrocarbonetos. Primeiro, ele foi obrigado a ditar o decreto de nacionalização das reservas. Mas a medida tinha um alcance limitado, pois não previa a expropriação das ações das petroleiras privatizadas e deixava de fora a nacionalização de outras etapas do processo de produção. O decreto, entretanto, foi visto como um triunfo parcial da luta revolucionária do povo boliviano.

Mas a medida rapidamente retrocedeu. Ao implementar o decreto, o ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Solís Rada, emitiu uma resolução tomando o controle pleno das refinarias, fato que provocou protestos da Petrobras e sua saída do governo.
Ao invés de negociar os contratos de exploração do gás com as multinacionais, o governo de Evo deveria expropriá-las e avançar efetivamente na nacionalização dos hidrocarbonetos. Por décadas as multinacionais roubaram a principal riqueza do povo boliviano, por isso deveriam ter todos seus bens expropriados, repassando tudo à estatal YPFB, sob controle dos trabalhadores. Essa é a única forma de recuperar o controle sobre os recursos naturais do país.

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