Novos problemas na economia dos Estados Unidos alimentam a hipótese de que um novo ciclo de recessão na maior potência capitalista do mundo pode estar próximo. O centro da instabilidade é o mercado imobiliário norte-americano. Desta vez, o fator que detonou a turbulência foi novamente a crise no mercado de risco das hipotecas imobiliárias dos EUA, o chamado subprime – financiamento de imóveis para clientes considerados de “risco”, ou seja, com um histórico de calote.

No mundo todo, as bolsas tiveram uma grande queda. No dia 26, o índice Dow Jones, que avalia o mercado de ações de Nova York, teve queda de 2,26%, arrastando a cotação das bolsas de todo o mundo. Londres viu suas ações desvalorizarem 3,15%. Já a Bovespa caiu 3,76%.

Os títulos da dívida externa brasileira despencaram e o risco Brasil – índice que mede a confiança dos capitalistas em realizar negócios no país – foi para 221 pontos básicos, uma alta de 21,31%, a maior desde 27 de agosto de 1998. Desde o dia 18 de junho, o risco país já subiu 60%.

É a terceira grande turbulência este ano. A primeira foi em fevereiro, quando ocorreu a desvalorização na bolsa de Xangai, a principal da China. Em maio, um novo solavanco foi causado também pela crise imobiliária norte-americana, após o anúncio de um relatório que revelou um crescimento das taxas de inadimplência e das execuções hipotecárias.

Embora não tenha sido tão forte quanto as anteriores, a nova crise provocou novos debates sobre os rumos da economia dos EUA e seus efeitos sobre o planeta. É importante lembrar que a recente onda de prosperidade da economia norte-americana teve uma de suas bases na valorização dos imóveis. A crise nesse setor da economia mais poderosa do planeta pode ter um efeito cascata, contaminando toda a economia mundial, devido à relação direta com a especulação que envolveu o setor e valorizou os imóveis de forma artificial nos últimos anos.

A valorização dos preços fez crescer as financiadoras que oferecem esse tipo de crédito. No entanto, os recursos para tais financiamentos vêm de bancos e fundos que “compram” os empréstimos, transformam-nos em ações e aplicam na ciranda financeira. Estima-se que o segmento subprime movimente em torno de US$ 1,3 trilhão nos EUA. Para se ter uma idéia, por trás desse jogo especulativo há bancos pesos pesados como Bank of America, Goldman Sachs, Morgan Stanley e Citigroup.

No caso de uma crise, as financiadoras são obrigadas a recomprar os empréstimos e quebram. Investidores perdem dinheiro e as ações despencam. Quer dizer, a crise se estende por todo o mercado.

Fim da onda de crescimento?
A mais recente instabilidade nos mercados poderá expressar o fim do ciclo de crescimento econômico neoliberal destes últimos cinco anos e apontar para o início de uma nova crise cíclica do capitalismo. Não se pode afirmar com certeza quando essa crise virá, se em 2008 ou depois. O que se sabe é que ela virá, e poderá ser maior do que a crise de 2000-2001, pela dimensão do crescimento da economia e dos processos especulativos.

As crises cíclicas são inerentes ao capitalismo. O aumento dos investimentos para enfrentar a concorrência, se num primeiro momento possibilita o crescimento econômico, logo acarreta uma crise de superprodução e a queda da taxa média de lucros dos capitalistas.

Como a única forma de produzir valor e lucro é a extração de mais-valia, a crise que se avizinha obriga o imperialismo e os governos colaboradores da América Latina a reforçar os ataques aos trabalhadores, aumentando ainda mais a exploração. Este é o sentido da ofensiva cada vez mais brutal que a classe trabalhadora sofre em todo o mundo, desde a retirada de direitos na Europa, até as reformas neoliberais do governo Lula no Brasil.

A farsa da “segurança” da economia brasileira
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o Brasil se encontra em condições para enfrentar qualquer crise econômica mundial. Ele utilizou como argumento as reservas recordes de US$ 154 bilhões em moeda estrangeira.

No entanto, estas são mais uma manobra para aumentar o lucro dos bancos. O governo vem comprando dólares para aumentar essas reservas pela venda de títulos públicos aos bancos, aumentando a dívida interna para aumentar as reservas. Este é um dos motivos pelos quais a dívida interna vem batendo recordes, já estando ao redor de R$ 1,2 trilhão.

Outra mentira é a de que esse nível de reservas nos permite maior segurança para enfrentar as crises externas. O que decide uma maior ou menor segurança é o grau de dependência e não o nível das reservas.

A verdade é que o país nunca esteve tão exposto às conseqüências de uma crise internacional, pelo grau de dependência que aumentou estupidamente com os planos neolibe¬rais. Os capitais estrangeiros controlam grande parte da produção, comércio e serviços daqui, e vão se movimentar rapidamente em função de seus interesses globais, sem nenhuma preocupação com o país.

Reação do governo: privatizações e reformas
O governo Lula também reage a uma possível crise econômica com medidas que aprofundam o neoliberalismo no país. Se, na campanha eleitoral de outubro, o presidente dizia ser “contra as privatizações”, a prática de seu governo hoje denuncia mais uma mentira. No mesmo dia em que as bolsas enfrentavam turbulências, o governo federal anunciou a privatização de estradas federais.

A partir de junho do ano que vem, deverá ser cobrado pedágio em pelo menos sete trechos de rodovias federais. O governo anunciou ontem a realização de um leilão no dia 9 de outubro para concessão das rodovias à iniciativa privada. As empresas que vencerem a disputa terão o direito de operar as rodovias por 25 anos. Além disso, o governo disse que cerca de 15 mil quilômetros de rodovias federais podem ser privatizados por concessão ou parcerias público-privadas. Atualmente, há cerca de 10 mil quilômetros sob concessão da iniciativa privada.

Como se não bastasse, o governo se aproveita da crise aérea para anunciar a privatização da Infraero, estatal responsável pelos aeroportos do país. A medida vai aprofundar a desregulamentação do setor, hoje totalmente refém da lógica do vale-tudo imposto pelas companhias aéreas em busca de lucro, e poderá ocasionar mais tragédias como a de Congonhas.

Além disso, o governo quer acelerar a aprovação de medidas que representariam um duro ataque aos trabalhadores, como a reforma da Previdência.

Se a nova turbulência trará ainda mais ataques e novas privatizações, o último ciclo de crise (2000-2001) possibilitou o ascenso revolucionário na América Latina, além das condições para a crise do governo FHC e a própria vitória do PT em 2002. A próxima crise cíclica poderá levar ao questionamento do governo Lula. Por isso, ele busca evitá-la ou adiá-la.
Post author Diego Cruz e Jeferson Choma, da redação
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