O Opinião Socialista entrevistou Valerio Torre, dirigente do Partido de Alternativa Comunista (Pd’AC), da Itália, que solicitou recentemente filiação à Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI). Torre fala sobre a recente crise do governo de Romano Prodi, uma Frente Popular semelhante ao governo Lula, em um país imperialista como a Itália. Fala também sobre a crise de Refundação Comunista, um dos mais famosos “partidos anticapitalistas” (partidos eleitorais que criticam o capitalismo, mas não defendem a revolução socialista) que entrou para o governo de Prodi. Torre também fala da manifestação em Vicenza contra a base militar (que reuniu 100 mil pessoas) e da recém fundação do Pd’AC e sua adesão à LIT.

Opinião Socialista – Fale-nos um pouco da atual situação política italiana e dos acontecimentos recentes do governo Prodi.

Valerio Torre – Neste momento o governo Prodi saiu de uma crise com uma manobra, com a ajuda principalmente do Partido de Refundação Comunista (PRC) – com o qual nós rompemos, em abril do ano passado, para fundar o Pd’AC. Conscientemente foi utilizado o temor que a população tem “do retorno de Berlusconi”. Com o auxílio de Bertinotti e Giordano (dirigentes do PRC e integrantes da ala esquerda do governo Prodi), foram articulados pontos políticos-programáticos ainda mais à direita em relação à carta de governo inicialmente apresentada pela coalizão eleitoral Unione.

Opinião – Como atuam os sindicatos e partidos da esquerda majoritária na Itália, em especial os setores que de alguma forma apóiam Prodi?

Torre – Tal situação se insere na mesma angulação em que atua o PRC. Todos os partidos da assim chamada “esquerda”, e também os sindicatos conciliadores (“pelegos”), nunca colocam em questão o governo Prodi; continuamente operam sob o eixo de apoiá-lo e sempre o fazem com o discurso aterrorizante “do retorno de Berlusconi”.

Opinião – Qual é o caráter do governo Prodi e sua composição social?

Torre – A composição social do governo Prodi traz em si, centralmente, a representação política dos poderes de classe das frações burguesas “fortes”, como a Cofindustria (confederação patronal dos industriais), a confederação patronal dos proprietários de comércio, etc. Os grandes bancos do norte (região com maior concentração de capital na Itália), inclusive, quiseram a vitória de Prodi, porque o governo Berlusconi não lhes garantia o que hoje ele lhes oferece.

Atualmente, a presença de partidos de esquerda em seu interior, como o PRC, o partido dos comunistas italianos e os verdes, significa a possibilidade de esterilizar qualquer novo conflito social e controlar assim quaisquer possíveis dinâmicas de massas no país. Essa é verdadeira a razão da presença dos partidos de esquerda no governo. Essa razão foi muito bem-compreendida pela Cofindustria, os comerciantes e a grande banca financeira que querem, ativamente, a presença de Bertinotti e de outros representantes da “esquerda” no interior do governo, cuja função é a de controlar o movimento social de massas e neutralizar o antagonismo classista no país. Trata-se de um governo de frente popular preventivo.

Opinião – Fale-nos agora dos principais acontecimentos da luta de classes hoje na Itália.

Torre – Neste momento a luta social de Vicenza é o ponto mais alto de conflito nacional com o governo Prodi. Nós estamos muito felizes com a atuação de nosso Pd’AC, porque uma de nossas dirigentes nacionais – Patricia Cammarata – constituiu-se como uma das mais destacadas lideranças públicas desta luta, figurando entre os três companheiros que intervieram na conclusão do ato (contra a implantação de uma base militar norte-americana na região). Trata-se da principal luta hoje desenvolvida no país, que determinou inclusive a crise atual do governo Prodi, e isso é muito significativo. No momento em que se decide sobre gastos militares e o refinanciamento das tropas de ocupação (italianas) no Afeganistão, o caso de Vicenza ocupa o lugar de maior crise e mal-estar entre o movimento social de massas italiano. A participação dos partidos da ala esquerda da Unione desempenhou a função de tentar garantir que a manifestação não escapasse ao seu controle, transformando-se assim em um conflito contra o governo. Mas foi público que se tratava de uma manifestação nitidamente antigoverno.

Opinião – Qual é a relação entre a política externa e a “guerra econômica” contra os trabalhadores italianos do governo Prodi?

Torre – A relação entre a política externa de aumento das despesas militares e o programa econômico interno do governo Prodi é muito estreita. O interesse de aumentar as despesas militares impõe a necessidade de uma maior taxa de exploração dos trabalhadores, por exemplo, através do “assalto” do TRF. O TRF (“Trattamento di Fine Rapporto”) conforma a remuneração salarial de encargos sociais por tempo de trabalho. A reforma previdenciária que Prodi levou adiante, com o apoio dos sindicatos conciliadores, que se transformaram em verdadeiros gestores de fundos de pensão, consiste em transferir os rendimentos do TRF (a principal forma de previdência social na Itália) da estrutura pública do Estado central para entes privados, geridos por sindicatos e patronais, que irão administrar estes fundos investindo em ações financeiras, na bolsa de valores. A reforma mal foi aprovada, mas já entrou em falência o primeiro fundo constituído. Assim como ocorreu nos EUA, com a bancarrota dos fundos de pensão da Enron, vamos ao encontro da mesma tendência também na Itália.

Opinião – Como está acontecendo a atual reorganização da esquerda na Itália e que papel cumpre o Pd’AC?

Torre – O sentido histórico da fundação do Pd’AC é o de se inserir profundamente nas lutas sociais que se desenvolvem na Itália, como em todas as partes do mundo, que são desprovidas de uma direção revolucionária e, dessa forma, acabam se esfumaçando sendo, por fim, destruídas. Nosso objetivo é calar fundo em todas as lutas, conduzindo-as no sentido de uma perspectiva revolucionária, fazendo-as se enfrentarem frontalmente com o sistema capitalista para ganhar mentes e corações dos trabalhadores no sentido da transformação socialista de toda a sociedade. Tal é a nossa marca de nascimento: calar fundo nos movimentos sociais de lutas de massas que se desenvolvem na Itália para ganhar a maioria dos trabalhadores para essa consciência.

Opinião – Conte um pouco do processo de formação do Pd’AC.

Torre – Travamos uma batalha interna de cerca de 15 anos dentro do PRC. No momento em que o partido escolheu não só apoiar o governo Prodi, mas aderir ativamente e administrar o programa da burguesia, com ministros próprios, decidimos que era chegada a hora decisiva para romper com o PRC e criar um partido revolucionário para a classe operária na Itália. Trata-se de um processo difícil, nós somos conscientes de nossos limites, mas ao mesmo tempo concebemos que este é o único caminho para dar uma perspectiva à esquerda na Itália. Pensamos que atualmente um partido comunista digno deste nome não se pode limitar às fronteiras nacionais, mas deve se desenvolver inclusive em nível internacional. Por isso nascemos não apenas como um partido, mas como uma seção nacional de um partido internacional, da revolução mundial. Neste sentido pedimos a adesão à LIT-QI, após um longo processo de discussão. Nossa marca de nascimento é simultaneamente nacional e internacional.

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