Operários da Alumini ocupam a ponte Rio-Niterói

Opinião Socialista conversou com família de operários do Comperj que estão há três meses sem receber

Molduras de metal em forma de folhas e árvores enfeitam as paredes da sala do pequeno sobrado numa rua de terra e areia no bairro de Galo Branco, periferia de São Gonçalo (RJ). Foram moldadas pelo próprio morador, Renato da Silva Pereira, 48 anos, completados exatamente naquele 8 de março, quando recebia a reportagem do Opinião Socialista. Mas há algum tempo Renato não faz uma moldura. Falta inspiração ao soldador que, junto com três mil outros operários, está sem receber seu salário há quase três meses da empreiteira Alumini, uma das muitas que atuam no Comperj, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.

Não era o que experiente soldador imaginava quando, há três anos, entrou na empresa. Já havia trabalhado em obras como a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) e em plataformas de petróleo quando foi convidado. “A Alusa (antigo nome da Alumini) era a única empresa que não atuava como consórcio, mas sozinha, e tinha uma fama muito boa”, conta. A qualificação fez com que se tornasse inspetor de solda. Pouco tempo depois, seu filho, Nicholas, 22 anos, também entrou na obra. Primeiro como encanador, depois se juntou ao pai na solda.

Pai e filho garantiam a renda da família, que tem ainda Márcia, esposa de Renato, e a filha caçula do casal. Sem os salários, estão dependendo da aposentadoria do pai de Márcia e da ajuda de familiares. “Tudo o que tem nessa geladeira veio de parentes”, diz Renato. “Teve um dia que saí e pedi à minha filha que preparasse a comida, mas o arroz tinha acabado”, conta Márcia. “Se não fosse a cesta básica arrecadada pelo Sindipetro, vou te dizer, a gente ia ficar sem comer aquele dia”, diz o soldador.

Os olhos de Renato se enchem de lágrimas quando fala das dificuldades que estão passando e, principalmente, da situação dos companheiros. Um deles tem uma filha com glaucoma e está sem a cobertura do plano de saúde. Outro tem o filho alimentado por sonda gástrica e despesas com medicamentos especiais. “Vou ser sincero, eu nem pergunto como estão porque… É muito difícil pra um chefe de família… Qualquer coisa você chora, você pensa ‘tem fulano, como é que ele tá fazendo, se virando?’”, lamenta.

A luta
O ânimo muda quando fala das recentes mobilizações. Alegra-se, brinca, gesticula. O filho não fica atrás. O fechamento da ponte Rio-Niterói, em 10 de fevereiro, foi inédito e notícia em todo o país. Os trabalhadores conseguiram a façanha quando iam de ônibus de Itaboraí à sede da Petrobras no Rio. “Em determinado momento, quando a gente tava em cima da ponte, alguém gritou ‘vamos parar a ponte!’, daí fizemos uma votação, e todo mundo concordou”, conta orgulhoso Nicholas. “Ligamos pro ônibus da frente e falamos pra ir andando devargazinho, aí quando chegamos no vão central, paramos”, relata.

Nem a apreensão causada pela chegada da Polícia Federal Rodoviária impediu o protesto. “Pensamos ‘agora vão ar rebentar a gente de cacete aqui’”, relata o jovem soldador, “mas continuamos e dissemos que só liberaríamos se descesse alguém da Petrobras de helicóptero ali pra negociar com a gente”. Viram inúmeras demonstrações de apoio das próprias pessoas paradas no trânsito. “Elas escreviam no tapete ou papel e botavam na janela, ou escreviam com batom: ‘Fora Dilma’, ‘Tem que fechar mesmo’, ‘Apoio ao Comperj’, era um negócio que a gente ficava de boca aberta”.

No início de março, 35 operários foram a Brasília exigir do governo uma solução. Após uma manifestação, sentaram e bloquearam a entrada do Ministério do Trabalho, exigindo falar com o ministro. “O segurança chegou e disse que não podia ficar sentado ali, que iam tirar a gente”, lembra Renato. “Mas eu disse a ele: ‘Tenente, nós já não temos mais nada a perder não, pode mandar baixar a porrada que a gente não vai reagir, mas não vamos sair”. A polícia recuou, e os operários conseguiram marcar uma audiência com o ministro (leia abaixo).

Exemplo
Renato se surpreendeu quando foi informado pela reportagem que a luta que travavam se tornava exemplo e era acompanhada por todo o país. “Rapaz, é mesmo?”. A pedidos, ele e o filho vestiram o jaleco da empresa para uma sessão de fotos. Se antes o uniforme era motivo de orgulho por conta da empreiteira, agora representava a resistência dos operários.

Isso tudo mudou muito a minha cabeça, sabe?”, diz, referindo- se às greves e manifestações. “Lá em Brasília, um estudante que não devia ter mais que 17 anos sentou com a gente no ministério e aquilo me impressionou muito… Você vê, um garoto que não tinha nada a ver com a gente tava lá, junto, e aí eu pensei: ‘eu queria ser assim’’’.

 

As mulheres à frente da luta

Em todas as manifestações dos operários da Alumini, chama a atenção a quantidade de mulheres. Com cartazes, faixas, muitas vezes enfrentando os seguranças e os pelegos do Sintramon, sindicato da categoria ligado à CUT, ou dando entrevistas à imprensa. “Começamos a nos organizar e fi zemos um grupo no WhatsApp com as esposas dos operários e até algumas trabalhadoras do Comperj”, conta Márcia. Uma das esposas gerencia o grupo dos operários no Facebook.

A presença delas dá força, cara, elas na frente gritando ‘queremos os nossos direitos’, e um monte de homem, que deveria estar lá, tá em casa, com medo”, diz Renato. Mesmo com toda a preocupação em relação ao filho e ao marido, como no fechamento da ponte Rio-Niterói, Márcia vibra com as manifestações. “A Petrobras diz que não tem dinheiro pra pagar, mas a gente sabe que tem, não podemos deixar que isso seja visto como algo normal, um trabalhador ficar três meses sem receber salário, sem plano de saúde”, indigna-se Márcia.
 

Em Itaboraí, prédios e operários abandonados

A pequena Itaboraí (RJ), ao lado de São Gonçalo, viu uma grande transformação com a chegada do Comperj. A cidade que vivia da cerâmica e da agricultura, conhecida como a “terra da laranja”, recebeu, além dos 20 mil trabalhadores do complexo, muitos investimentos nos últimos cinco anos. Dinheiro que não beneficiou o conjunto da população nem a estrutura da cidade.

Isso produziu cenas como a principal avenida da cidade, precária e cheia de buracos, convivendo com imponentes prédios e centros comerciais de vidros espelhados. Com a paralisação das obras do Comperj, porém, muita coisa está sendo deixada pra trás. Placas de “aluga-se” são vistas na maioria dos prédios recém inaugurados.

Mas não apenas empreendimentos estão sendo abandonados. Os próprios operários foram deixados à própria sorte. Muitos foram parar nas ruas. Quando a reportagem do Opinião esteve na cidade, os trabalhadores não estavam mais lá. Segundo consta, a prefeitura os teria colocado em ônibus para que voltassem às suas cidades de origem.

Alguns, porém, permanecem em Itaboraí. É o caso do operário Geraldo*, 42, da Bahia. Ele saiu de uma obra de uma grande empreiteira em Minas para o Comperj. Como seus colegas da Alumini, ficou sem salário quando voltou do recesso. Só não está na rua porque mora de favor na Pousada do Trabalhador, que contava com apenas seis quartos ocupados quando a reportagem passou por lá. Menos da metade. “Estou morando de favor há três meses, pelo menos tenho lugar pra dormir, e comer, eu como na rua, com o pouco que juntei”, conta.

Mas Geraldo vai ter um lugar para dormir por pouco tempo. Na entrada, uma placa anuncia: “Passa-se o ponto”. Duas enormes faixas pretas cruzam-se na fachada, ao lado de bandeirinhas, também pretas, em sinal de luto. Uma imagem bastante representativa do momento pelo qual passa a cidade e os trabalhadores do Comperj.

* Nome fictício
 

Após ocupação do TRT, operários tem vitória parcial

A audiência com o ministro do Trabalho conquistada após a ida a Brasília ocorreu nesse dia 9 no Rio. Além dele, participou a presidente do Tribunal Regional do Trabalho. No início da tarde, o saguão de entrada do TRT estava lotada. Com os uniformes azuis, os operários esperavam pela reunião que iria resolver seu futuro.

A empresa propôs rescindir os contratos a contar do dia 5 de janeiro, o que provocou muita revolta. Eles decidiram ocupar o tribunal até que fosse apresentada uma solução. Afirmou-se então o compromisso de se emitir uma liminar permitindo o saque do FGTS e do segurodesemprego. E se prometeu que, no dia seguinte, parte dos salários atrasados seria depositada em juízo. Apesar de parcial, foi uma vitória importante, muito comemorada pelos operários.

Reportagem publicada no Opinião Socialista 493