Mudar o ECA nem acaba com a violência, nem garante direitos

Em meio ao debate sobre a redução da maioridade penal, voltou à pauta modificar partes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como proposta alternativa. É muito popular a ideia de que ele é a raiz da suposta impunidade dos adolescentes em conflito com a lei. Isso é repetido pelos apresentadores de programas policiais, pelos políticos, por nossos amigos e talvez até por nós mesmos. Mas será assim?

O ECA mal foi aplicado
A primeira razão para que a realidade seja bem diferente dessa ideia é que muitas das medidas previstas no ECA não foram concretizadas pelos governos até hoje.

Sancionado em 13 de julho de 1990, é o último produto de uma série de legislações que ao longo do século XX se propuseram a garantir direitos aos menores de idade.

Essa história começa em 1926, quando o engraxate negro Bernardino de 12 anos de idade, é preso por jogar tinta na roupa de um cliente que se recusou a pagar seu serviço. Levado para uma prisão comum com mais 20 criminosos adultos, foi estuprado e espancado na cela. O caso virou um escândalo quando chegou às páginas do Jornal do Brasil. Em resposta a isso, em 1927 foi aprovada a primeira legislação voltada à proteção das crianças e adolescentes. Ali se fixou a maioridade penal em 18 anos.

Houve ainda nos anos 40 e 60 outros códigos. O dos militares instituiu a Funabem, sucessora do Serviço de Atendimento ao Menor (SAM), extinto por suas unidades não serem capazes de prover aos menores mais do que a violência que supostamente os governos queriam evitar. Mas a Funabem também não teve sucesso nisso.

Posteriormente, a Febem foi o desastre conhecido: rebeliões, denúncias de maus-tratos, nenhum projeto para ressocializar os internos. Os sucessivos escândalos levaram ao seu fim formal, dando lugar à Fundação Casa. Novamente nenhuma mudança real no tratamento aos menores.

Finalmente, o descaso do Estado brasileiro com a infância e a adolescência do país está retratado no fato de que o SINASE, sistema que regulamenta como as autoridades devem acompanhar a aplicação das penas a jovens infratores, só foi instituído 22 anos depois do Estatuto.          

O ajuste fiscal de Dilma votado pelo Congresso vai piorar essa situação. Na medida em que retira verbas de áreas sociais. Só da Educação foram cortados R$ 9 bilhões. Desse modo, os governos não garantem direitos, mas querem garantir prisão aos jovens.

Aumentar o tempo de internação resolve o problema?
Para se diferenciar do PMDB e do PSDB da Câmara, o governo e o PT no Senado vem defendendo a proposta de José Serra. Por ela seria aplicada uma redução indireta da maioridade, aumentando o tempo máximo de internação dos atuais 3 para 8 anos no caso de crimes contra a vida.  

Apesar das diferenças, a lógica é a mesma de Eduardo Cunha e dos deputados que votaram a favor da redução pura e simples: a resposta ao problema da segurança no Brasil é mais punição. Se alguém duvidar disso, basta ver que o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo tem justificado a proposta não em função dos direitos da juventude, mas sim para não aumentar ainda mais os problemas do sistema prisional, em que hoje faltariam vagas.

Contudo, entre os 23,1 mil adolescentes presos em 2013, 64% cumpriam penas de reclusão integral. O que deveria ser exceção é regra. Mas poderia se argumentar que são penas adequadas para quem comete crimes tão graves, como é normalmente atribuído a esse setor. Porém, 67% estão presos por crimes de menor gravidade, ou seja, que não atentaram contra a vida da vítima.

Como o menino Bernardino na década de 20, a maioria dos internos hoje são homens e negros. Isso reflete que a falta de direitos para a juventude é mais dura para esse setor. Não é à toa que dos mais de 1 milhão de pessoas entre 15 e 17 anos que não trabalha, nem estuda 65% são negros.  

A juventude brasileira não precisa de novas prisões
A juventude não é a principal responsável pela criminalidade, segundo apontam diversas fontes. Contudo certamente é a principal vítima: entre 1980 e 2012, as mortes por arma de fogo na população em geral cresceram 387%. Entre jovens de 15 a 29 anos, esse índice foi bem maior: 463,6%!  Só em 2012, morreram 142% a mais de negros que de brancos.

Desse modo, na semana dos 25 anos do ECA é preciso denunciar que a legislação de proteção à infância e adolescência brasileira nunca foi de fato cumprida. Se isso não fosse o bastante, ao cortar verbas da educação, saúde, e demais áreas sociais o governo Dilma e o congresso vão no sentido contrário ao da garantia de direitos.

Defendemos que quem luta contra a redução do PMDB e PSDB da Câmara, deve lutar também contra a redução do PT e do PSDB no Senado. É preciso exigir que não haja aumento do tempo de encarceramento para os menores. Por isso, chamamos as organizações que apoiam Dilma, em especial o Levante Popular de Juventude e a UJS/PCdoB, a se oporem firmemente à proposta do governo, em defesa dos direitos da juventude.

Além disso, o Estatuto deve ser de fato cumprido e qualquer modificação nele não pode significar retirar os já poucos direitos da juventude.  

Por fim, essa batalha deve ser encampada pelas organizações de trabalhadores. Todas essas medidas atingirão os filhos dos mais pobres. Desse modo, faz todo o sentido incluir essa pauta na luta o ajuste fiscal e contra os governos que o aplicam.