Para garantir a vitória no segundo turno, partido renega posições históricas, como a defesa do aborto e do casamento gayHá algum tempo que o Partido dos Trabalhadores abandonou a luta contra a opressão de mulheres, negros e homossexuais. A defesa já soava como uma mera saudação à bandeira, já que o governo não teve políticas efetivas para estes setores. Mas agora, para vencer as eleições, o partido abandona oficialmente a luta contra a opressão.

Dilma Rousseff vai fazer uma ofensiva religiosa, e o PT discute a retirada da legalização do aborto do programa. O partido avalia que não venceu a eleição no primeiro turno devido ao voto evangélico e conservador, que teria migrado para a candidatura Marina (PV).

O secretário de Comunicação do PT disse que “foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas”. Com isso, a decisão do PT poderá ser um marco da ruptura definitiva com o feminismo, que cumpriu um papel importantíssimo na história deste partido. E deixa órfãs as organizações feministas governistas, como a Marcha Mundial de Mulheres.

Rasgando o programa
Dias antes das eleições, o PT já havia percebido a influência que poderiam ter as posições religiosas. No dia 29 de setembro, a campanha reuniu, em Brasília, padres e pastores com o objetivo de ganhar o apoio cristão. Agora, o PT busca conter o que chama de “boataria” contra sua candidatura.

Dilma colocou-se contra até mesmo a um plebiscito sobre a descriminalização do aborto. “Plebiscito divide o país e vai todo mundo perder, seja qual for o resultado”, afirmou. Ela garantiu aos católicos e evangélicos que não irá ampliar a cobertura do Estado em casos de aborto.

Muda muita coisa? Não, apenas oficializa uma posição que já era aplicada. O governo não fez absolutamente nada para descriminalizar e legalizar o aborto. Tampouco garantiu atendimento às vítimas de procedimentos mal sucedidos. Ao contrário, desviou recursos da saúde para pagar juros das dívidas.

Em 2008, o PT foi parte da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Contra o Aborto, que instituiu a CPI do aborto. Esta comissão, até hoje, só serviu para incriminar as mulheres. Continuando a série de ataques, em 2009, o governo brasileiro assinou um acordo com o Vaticano em que sinalizou a intenção de investir em ações contrárias à legalização do aborto. Em 2010, o governo enterrou a possibilidade de debate sobre o tema: retirou do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) o apoio à descriminação do aborto e as cláusulas que permitiam ampliar os casos de aborto legal.

Matando mulheres
A proibição por si só já constitui um ataque à liberdade que a mulher deveria ter sobre seu próprio corpo. As consequências desta arbitrariedade levam a uma situação desoladora. No Brasil, são realizados, em média, 1,4 milhão de abortos por ano. A morte por aborto é a terceira causa de mortalidade materna no Brasil, e as complicações são a quinta causa de internação de mulheres nos serviços públicos. Os dados são da Sempre Viva Organização Feminista.

Evidentemente, as mulheres mais atingidas são as trabalhadoras e pobres, que não podem pagar para fazer cirurgias em clínicas de qualidade, com a segurança necessária. É justamente nas regiões mais pobres do país, Norte e Nordeste, onde é registrado o maior número de mortes. Para as mulheres da burguesia, na prática, o aborto já é permitido.

Segundo um estudo divulgado pelo Instituto de Medicina Social (IMS), de 2007, “a criminalização do aborto não reduziu a sua incidência, mas sim tem contribuído para aumentar a sua prática em condição de risco com impactos graves para a saúde e a vida das mulheres”. O aborto é um problema de democracia, de saúde e social.

Para padres e pastores, Dilma disse ser a favor da vida. Na prática, ela entrega à morte centenas de milhares de mulheres trabalhadoras e pobres. Respeitamos imensamente as crenças individuais, mas não hesitamos em dizer: neste tema, as instituições religiosas são contra a vida. Sob o argumento de defesa da vida, deixam milhões de mulheres pobres e trabalhadoras morrerem em função de abortos mal feitos.

Um Estado laico?
O que pode parecer apenas uma disputa eleitoral representa um retrocesso que terá implicações gravíssimas sobre a consciência dos brasileiros. Subordinar o Estado a preceitos religiosos é voltar à Idade Média. Só falta queimar as mulheres que abortam numa fogueira.

A principal recomendação conclusiva do estudo do IMS foi justamente “a busca de soluções eficazes no âmbito da saúde pública, sem interferência de dogmas religiosos”. O governo Lula é responsável direto por este retrocesso. O “respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado” foi uma das cláusulas excluídas do PNDH 3.

Quanto a Serra, este nunca teve compromisso com as trabalhadoras. Antes mesmo de a campanha começar, em maio de 2010, afirmou: “Eu não sou a favor do aborto. Não sou a favor de mexer na legislação”.

Já Marina cresceu nas eleições, em parte por ser contra a legalização do aborto. E é difícil acreditar até mesmo em sua proposta de plebiscito sobre o tema. Marina historicamente condena o aborto e esta proposta serve como forma de escapar do debate.

Mulheres e mulheres
Não basta ser mulher. Aliás, quem não lembra de Marta Suplicy retirando de seu programa a união civil homossexual para tentar se eleger prefeita de São Paulo? Ou sua campanha, num gesto de desespero, questionar a opção sexual do adversário, Kassab? A campanha foi um divisor de águas e marcou um giro do PT, que veio se completar com a dobradinha para o Senado com Netinho, agressor de mulheres, e agora, com o triste abandono da defesa do aborto e do casamento gay.

A luta feminista é necessariamente de classe. Às mulheres burguesas, tudo é permitido, tudo se compra. Nós, mulheres do PSTU, acreditamos na força das mulheres trabalhadoras unidas, independente de governo e patrões. Apoiamos e construímos o Movimento Mulheres em Luta.

Nós nos orgulhamos de ter em nosso programa a defesa da legalização e descriminalização do aborto, defendida por nosso candidato à Presidência, Zé Maria, e por todos os outros candidatos no primeiro turno.

Não mudamos de lado. Vamos continuar defendendo o mesmo programa depois das eleições. Para a defesa dos direitos das mulheres, negros e homossexuais, nem Serra, nem Dilma. O voto contra o conservadorismo, no segundo turno, é o voto nulo.

*Ana Luiza foi candidata ao Senado em São Paulo, e fez uma campanha contra a violência às mulheres, conquistando 109 mil votos.

Atualizado em 8/10/2010, às 16h26