Para muitos dos que participam do Fórum Social, o evento em si seria uma espécie de microcosmo do tão falado “outro mundo” que embala os sonhos dos que acreditam na possibilidade de humanizar o capitalimo.

Por cinco dias, não é raro cruzar com gente festejando a diversidade, a convivência pacífica de povos que, “lá fora”, vivem em conflito e, particularmente, a circulação, em oficinas e corredores, de maravilhosos projetos e idéias para reformar o mundo.

Este ano, até mesmo o “banimento” de bebidas produzidas por multinacionais virou motivo de orgulho para muitos, mesmo que para isto fossem obrigados a fechar os olhos diante das centenas de trabalhadores informais que vendem os mesmos produtos fora dos portões.

Para além do fato de que as tais idéias e práticas viram letra morta quando confrontadas com a realidade, há um aspecto que serve como lamentável exemplo do quão falaciosa é esta ilusão de um “outro mundo possível”: a reprodução, no interior do FSM, das mais asquerosas formas de opressão.

Violência sexual e racismo
Desde a primeira edição do FSM, o Acampamento da Juventude foi marcado por inúmeros casos de roubo, o que, no mínimo, sempre arranhou a tão celebrada solidariedade que deveria imperar no evento. Este ano, contudo, o Acampamento foi tristemente conhecido por um motivo muito mais grave: uma enxurrada de denúncias de estupros ou tentativas de assédio e de violência sexual.

As organizações feministas presentes falaram em mais de 40 denúncias e a situação chegou a tal ponto que houve protestos no Acampamento e foi criado o grupo Brigada Lilás, para defender as mulheres.

O machismo, contudo, não foi a única forma de opressão que circulou livremente pelo FSM. O racismo também deixou suas asquerosas marcas em dois episódios que também geraram protestos do movimento negro, particularmente dos que estavam participando do Fórum de Hip Hop.

No primeiro, dois negros foram expulsos de um bar por um racista que afirmou que “o dinheiro de gente como eles não servia em seu estabelecimento”. No segundo, três jovens falantes de espanhol despejaram insultos racistas contra duas mulheres negras. Quando um homem negro se aproximou para defendê-las, os três partiram para a agressão física. O caso foi registrado na delegacia — onde, diga-se de passagem, o grupo de negros que foi registrar o B.O. foi recebido com o seguinte comentário: “Lá vem o arrastão!”.

Desnecessário dizer que a presença de um grande número de gays, de lésbicas, de transexuais e de transgêneros também é alvo, freqüente, de agressões verbais e preconceito.

Um mundo sem opressão, só se for socialista
Motivo de surpresa e espanto para aqueles que acreditam na eliminação, por decreto e por boas intenções, das mazelas do capitalismo, estes episódios são exemplos cabais de algo que a parcela majoritária dos presentes ao FSM recusa-se a aceitar: outro mundo, inclusive no que se refere à eliminação de toda forma de opressão, só será possível com o fim do capitalismo.

Os milhares de ativistas que participaram do FSM e as pessoas e setores agredidos devem tirar lições desta história. A ineficácia das “ações” do FSM é prima-irmã da perpetuação da opressão no evento. O mundo com que sonhamos só será real com a ação direta e independente de trabalhadores, jovens e todos que são marginalizados.

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