Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação

Somos homens, eu e você. Em um mundo machista, isso significa que somos o gênero dominante. As mulheres, o gênero oprimido. Nesse mundo, as aparentes “vantagens” de ser homem são muitas. Em uma família trabalhadora comum, por exemplo, as tarefas domésticas ficam a cargo da mulher. Claro, alguns homens “ajudam” suas mulheres, mas “ajudar” não é o mesmo que ser responsável… Quando heterossexuais nossa vida sexual não é motivo de qualquer violência ou desmoralização para nós. Ao contrário, quanto mais parceiras temos, maior o nosso “status” social. Parece mesmo que o problema do machismo é um problema exclusivo das mulheres. E se é problema delas, bem… Elas que resolvam…

Mas isso não é assim. A opressão machista é um instrumento direto de superexploração das mulheres. Porém, indiretamente, é uma arma que a burguesia usa contra toda a nossa classe.

A sociedade nos ensina que o trabalho doméstico é a vocação “natural” da mulher. E que, portanto, mesmo que a mulher trabalhe fora, não há nada de errado em ela, depois do trabalho, ainda cozinhar, limpar e lavar para seu marido. Pois é bom sabermos que quando uma mulher trabalhadora limpa, cozinha, lava e passa, na verdade, ela está trabalhando, não para o seu marido, mas para o patrão de seu marido. Vejamos como:

Todos os trabalhadores chegam em casa cansados. Para que a economia capitalista funcione, a força de trabalho dos trabalhadores precisa se renovar a cada dia. Ou seja, os trabalhadores precisam comer, dormir e descansar para no dia seguinte chegarem novinhos em folha no trabalho.

Ora, o que é limpar, passar, cozinhar e lavar, do ponto de vista da economia capitalista? Do ponto de vista da economia, isso tudo equivale a garantir a renovação ou recuperação da força de trabalho do trabalhador. Mas essa renovação da força de trabalho não deveria ser responsabilidade do próprio capitalista, que utilizou essa força até a exaustão? Sim, deveria.

Então, se os capitalistas dão vale-transporte e vale-alimentação para os trabalhadores (a lei reconhece o transporte e a alimentação como responsabilidades do empregador), não deveriam também garantir que o trabalhador tivesse um ambiente limpo e organizado em casa, de modo a descansar para o dia seguinte? Não deveria haver um “vale-trabalho doméstico” ou algo assim para que os trabalhadores não se preocupassem com isso? Sim, deveria. E mais do que isso: deveria haver grandes restaurantes públicos, grandes lavanderias públicas e até serviços públicos de faxina doméstica para que mulheres e homens trabalhadores pudessem realmente, depois de um longo dia de trabalho, recompor suas forças para o dia seguinte.

Mas para quê promover tudo isso? Para quê criar esses grandes restaurantes e lavanderias, se a mulher trabalhadora faz tudo isso de graça “para o seu marido”, se essa é sua função “natural”? A sociedade nos ensina que lavar, passar e cozinhar são questões “privadas”, de âmbito “familiar”. Mas isso é uma grande mentira. São questões sociais! Tanto quanto a saúde, a educação, o transporte etc. O machismo mascara essa realidade e aumenta a exploração de homens e mulheres, mas principalmente das mulheres, sobre quem recai todo o peso dessa gigantesca mentira.

Assim, os capitalistas exploram os operários nas fábricas, e depois exploram as mulheres desses operários, pois elas realizam, gratuitamente, um trabalho que deveria ser de responsabilidade dos capitalistas: a renovação da força de trabalho do trabalhador. Tudo isso ocorre sem que nem o operário, nem sua mulher suspeitem de nada.

Machismo separa os trabalhadores das trabalhadoras
Alguns homens pensam: “Até que seria bom se houvesse igualdade entre homens e mulheres, mas por que fazer tanto escândalo sobre isso? Não será mais importante fazer a luta sindical cotidiana, contra os patrões? Por que dispersar forças em uma luta como essa? Por que dividir os lutadores entre ‘machistas’ e ‘feministas’?”

Pois bem. Imaginemos uma fábrica qualquer. As mulheres são pelo menos 30% do pessoal. Mas quantas participam das assembleias? Quantas percorrem seus setores, organizando suas companheiras? E naquela reunião rápida que fazemos no refeitório? Quantas mulheres se aproximam da rodinha formada quase que exclusivamente por homens para discutir os problemas da empresa? Claro, podemos sempre culpá-las, dizendo que elas são alienadas ou covardes, que preferem assistir a novela durante o jantar do que participar da reunião. Mas será isso mesmo? O que está acontecendo de verdade?

O que está acontecendo é que o machismo está dividindo nossa classe. As piadinhas e os assovios estão impedindo que as mulheres falem nas assembleias. Os maridos ciumentos estão impedindo-as de participar das atividades da greve. O chefe que as assedia moral e sexualmente está impedindo que elas se organizem por setor. A louça que elas têm que lavar e a comida que elas têm que esquentar estão impedindo-as de ficar no sindicato até mais tarde. A ausência de mulheres na chapa para o sindicato está fazendo com que elas não se interessem pela eleição. Os boatos sobre sua vida sexual estão fazendo com que elas não apareçam nas reuniões.

Assim, as greves, as passeatas e os enfrentamentos ficam vazios de mulheres. Perde-se para a luta quase metade da classe trabalhadora. Que “vantagem” os trabalhadores homens têm numa situação dessas? Nenhuma, é óbvio. Só a burguesia fica rindo à toa e desejando em segredo: “Vão, homens! Oprimam as mulheres! Façam piadas! Deixem-nas trancadas em casa! Assediem-nas sexualmente nos ônibus para que elas cheguem no trabalho se sentindo sujas, culpadas e impotentes! Assim podemos explorá-las muito mais! E arrancando mais delas, arrancaremos também de vocês depois!”

São algumas questões para nós, homens trabalhadores, refletirmos nesse “8 de março” e, quem sabe, mudarmos nossas atitudes, nos colocando ao lado das mulheres na luta contra o machismo…