Repressão policial durante as Jornadas de Junho de 2013
Erick Dau

Tribunais de exceção, remoções e grandes negociatas entram em campo no “país do futebol”

Realizada em meio às Jornadas de Junho, a Copa das Confederações foi um ensaio do que pode acontecer durante a Copa do Mundo no Brasil, em junho de 2014. No “país do futebol”, nem mesmo o título da seleção brasileira no evento-teste do Mundial foi capaz de neutralizar o impacto social, político e midiático das manifestações que varreram o país.

Por isso, não seria nenhum exagero esperar mais um período intenso de lutas durante a Copa. O apoio da população aos protestos segue significativo, a instabilidade dos governos é uma constante, e as vozes das ruas permanecem ignoradas. Ou seja, ingredientes não faltam para uma nova revolta popular.

Copa pra quem?
O montante exato dos gastos com a Copa é controverso, mas uma coisa é certa: os recursos destinados ao Mundial já se transformaram num dos maiores exemplos de desperdício e farra com o dinheiro público. O custo oficial da Copa já havia ultrapassado, em junho, R$ 28,1 bilhões. Certamente, este número já é maior e a frase “tem dinheiro pra Copa, mas não pra saúde e educação” permanece mais do que atual. O valor investido é, para ficar em apenas um exemplo absurdo, 71% de todo o orçamento destinado à educação neste ano (R$ 38 bilhões).

Somente com as arenas, os custos que, em janeiro de 2010, estavam orçados em quase R$ 6 bilhões, já sofreram um acréscimo de R$ 2 bilhões. Ou seja, serão consumidos com as obras de estádios mais de R$ 8 bilhões. Em 2007, ano em que o país foi escolhido sede da Copa, o valor anunciado havia sido de R$ 2,8 bilhões. Com isso, desde então, a cifra estimada passou a ser 285% maior, ultrapassando o gasto das Copas da África do Sul (R$ 3,27 bilhões) e da Alemanha (R$ 3,6 bilhões) juntas.

Sobre os gastos com as arenas, é importante lembrar ainda que estão sendo construídos verdadeiros “elefantes brancos” em cidades como Cuiabá, Brasília, Natal e Manaus. Na África do Sul, por exemplo, chegou-se a cogitar a implosão de alguns estádios pelo custo com manutenção e pouco uso após a Copa de 2010.

Recursos públicos, interesses privados
Um argumento recorrente do governo é de que a Copa deixará ao Brasil um importante legado, que seriam os investimentos e as obras de infraestrutura. No entanto, esta justificativa não se sustenta.

Para se ter uma ideia, todas as obras de infraestrutura tiveram o seu orçamento reduzido. O corte atingiu investimentos em mobilidade urbana (-10%), portos (-13%), aeroportos (-8%) e turismo (-8%). Das 55 obras de mobilidade que chegaram a ser incluídas na lista de preparativos para o evento, 19 não ficarão prontas a tempo. Com isso, 34,5% do “legado da Copa” ficará pra depois.

Com este cenário, não causa surpresa notar que a promessa de uma Copa bancada por recursos privados é uma grande falácia. Apenas 0,06% do custo da reforma dos estádios será custeado pela iniciativa privada. O restante será pago diretamente por governos ou com a inestimável ajuda do BNDES, que oferece juros de 5% ao ano e prestações quase infinitas, de até 15 anos. Uma das expressões mais escandalosas do uso de recursos públicos para interesses privados é a privatização do Maracanã.

As reformas custaram quase R$ 1,3 bilhões, mas o estádio foi vendido a Eike Batista por R$ 231 milhões, 18% do gasto público com a reforma.

Pela “Copa da Paz”, repressão e remoções
A presidente Dilma Rousseff (PT) e as empresas patrocinadoras da Copa sabem que as jornadas de junho podem se repetir com ainda mais força em 2014. Por isso, já se preparam para as novas manifestações com a intenção de garantir uma “Copa da Paz”. O que Dilma não diz é que a “paz” pretendida é para os negócios das empresas que patrocinam o evento. Não por acaso, ela recebeu recentemente, em seu gabinete, representantes do Itaú e da Ambev para falar sobre um plano “anti-protestos”. Segundo reportagem da ESPN Brasil, as empresas “afirmaram que fazem uma aposta de altos valores na Copa do Mundo e pediram garantias de que não teriam prejuízos por causa de eventuais manifestações”.

A matéria ainda afirma que a presidente prometeu fazer “tudo o que for preciso” para que não haja protestos. De fato, não faltam iniciativas dos governos para garantir um clima de “paz” durante os jogos. A criminalização crescente das lutas integra uma ampla ofensiva do Estado para garantir, custe o que custar, a “Copa da Paz” aos turistas e aos empresários.

Somam-se a isso os tribunais de exceção, um tipo de corte que julga, de maneira rápida e severa, supostos delitos relacionados à Copa. Na África do Sul, houve relatos de graves desrespeitos aos direitos e liberdades da população em nome da “segurança” do evento e de interesses econômicos. No Brasil, os tribunais de exceção serão garantidos pela Lei Geral da Copa e, mesmo sob a ótica jurídica, sofre duras críticas. Muitos juristas a consideram uma medida inconstitucional e que “garante os direitos patrimoniais da FIFA de maneira obscena”.

Um cenário completamente oposto à paz desejada pelo governo aos empresários é vivido por milhares de famílias em todo o país que sofreram com remoções forçadas por causa da Copa. No Rio de Janeiro, onde também haverá os Jogos Olímpicos de 2016, a situação é ainda mais crítica. É posto em prática uma grande contrarreforma urbana a favor da especulação imobiliária, que atinge principalmente a população negra e moradora das periferias.

É a criminalização da pobreza por excelência.

É hora de retomar as ruas!
Somada às privatizações de setores estratégicos do país como o pré-sal, a Copa do Mundo é outro exemplo gritante de uma política econômica do governo Dilma que favorece os banqueiros e os grandes empresários. A Copa também demonstra que existem muitos recursos, sim, para transformar a realidade do país e que é possível fazer uma revolução nos sistemas públicos de saúde, educação, transporte e moradia.