Assassinato é a causa de 46% das mortes entre jovens de 12 a 18 anos; a maioria é pobre e negraUm estudo realizado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) transformou em dados estatísticos uma realidade já conhecida pela maioria das famílias que vivem nas periferias do Brasil: o assassinato é a causa de nada menos do que 46% das mortes entre jovens de 12 a 18 anos. Para ser uma ideia da dimensão exata desta tragédia, se nada for feito para mudar essa situação, de 2006 quando os dados foram coletados até dezembro de 2011, cerca de 33,4 mil adolescentes terão sido mortos.
Em termos nacionais e em quase todos os setores sociais da juventude, os homicídios estão à frente de todas as demais causas de morte nesta mesma faixa etária. As chamadas causas naturais são responsáveis pelo óbito de 25% dos jovens. Já os acidentes, correspondem a cerca de 23%.
Em tempos de gripe suína e outras epidemias que varrem o mundo, os números batem, de longe, a quantidade de mortes causadas pela maioria das desgraças que caracterizam a crise do sistema e significam, por exemplo, o absurdo que 13 adolescentes morrem, por dia, de forma violenta, Brasil afora.
Um ranking macabro
A pesquisa foi realizada pelo Laboratório de Análise da Violência da UERJ, junto com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, a ONG Observatório de Favelas e pela Unicef, a partir de dados (evidentemente parciais) do Ministério da Saúde, coletados nas 267 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes.
O estudo deu origem a um novo e tenebroso indicador social: o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), que calcula a probabilidade de morte por assassinato para cada grupo de mil jovens nascidos. Em termos nacionais, por exemplo, a média é de dois jovens mortos para cada mil.
O número pode até parecer baixo para os atuais padrões sociais, mas isso é um enorme engano. Na maioria dos países ditos desenvolvidos, o número se aproxima sempre de zero. Comparativamente, o número de menores brasileiros mortos é maior do que o de vários países africanos devastados por guerras e pelo total descontrole em relação a epidemias como a da Aids ou de regiões em que se enfrentam situações de guerra aberta.
Além disso, são muitas as cidades em que os números são, inegavelmente, assustadores. A situação mais grave está em Foz do Iguaçu (PR), onde quase dez a cada mil jovens morrem antes de completar 19 anos, uma situação diretamente relacionada com o tráfico (de drogas, armas e produtos importados) na Tríplice Fronteira.
Entre as cidades mais violentas, estão as localizadas nas regiões metropolitanas de Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco e Rio de Janeiro, com uma média entre cinco e nove mortos por mil. Já nas capitais, as mais violentas são Recife (PE) e Maceió (AL), onde a média é de seis assassinatos para cada mil jovens nascidos.
Apesar de nacionalmente conhecidas pela violência, duas das principais cidades do país, não constam entre as 20 primeiras deste ranking macabro. O Rio de Janeiro ocupa o 21º lugar, com 4,9 mortos por mil. São Paulo está em 151º lugar (1,2 por mil). Contudo, em termos populacionais, a situação do Rio, por exemplo, indica que somente na capital carioca são previstas quase 4 mil mortes até o início de 2012.
Jovens mortos têm raça e classe
Como também, infelizmente, já era de se esperar, a possibilidade de um jovem não chegar à vida adulta, também é determinada por sua raça e sua classe social. A maioria dos jovens assassinatos são homens, negros, de baixa renda e pouquíssima escolaridade. Um garoto tem 12 vezes mais chance de ser assassinado do que uma mulher. Se for negro, a chance de chegar aos 19 anos é três vezes menor do que um jovem branco.
Além disso, um dos dados menos explorados pela imprensa ao divulgar os números nos parece um dos mais significativos para interpretarmos a pesquisa. O estudo revelou que são exatamente as regiões tratadas pelo governo e pela burguesia como polos de desenvolvimento regional, que concentram os maiores índices de assassinatos.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (22/7/2009), a coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Nancy Cárdia, destacou que a maioria destas cidades, a exceção das grandes capitais, tem algo em comum: são regiões que passaram por processos de expansão recentes e caracterizadas pela precária estrutura urbana e de serviços, inclusive básicos, como moradia, educação e saúde.
Além disso, evidentemente, não podemos esquecer, também, que estes novos polos já nascem marcados pela precarização e superexploração do trabalho e têm sua população inflada pela contínua migração do campo, tomado pelos latifundiários e pelo agronegócio.
Obviamente, toda mídia deu destaque para o fato de que boa parte dos assassinados tinha alguma relação com a criminalidade ou consumo de drogas. Uma constatação não só tardia como também cínica.
Tardia, porque os atuais índices de marginalidade e criminalidade são resultados diretos da falência do sistema e das políticas neoliberais. Virar avião ou praticar pequenos furtos para sobreviver não são opções para um jovem negro de 14 anos de idade. Muitas vezes, este é o único lugar que a sociedade lhe reserva.
Cínicas, porque desconsideram o grau de envolvimento do próprio Estado (particularmente, suas forças repressivas, como as policias) tanto na criminalidade quanto diretamente nos assassinatos, através de justiceiros, chacinas, milícias, esquadrões da morte.
O cinismo criminoso de Lula e seus comparsas
Em declarações à imprensa diante da divulgação dos dados, Lula atuou com seu já característico cinismo, defendendo a necessidade de políticas públicas para proteger os jovens da violência no país.
Afirmando que o governo federal tem feito sua parte no combate à violência, o presidente apontou seus projetos de políticas compensatórias como exemplos para estancar a matança. Segundo ele, este é o papel que vem sendo cumprido pelo Pronasci, voltado para segurança pública, o PAC e o programa de transferência de financiamento público para o ensino privado, o ProUni.
Na mesma linha, os representantes dos poderes estaduais repassaram a responsabilidade adiante. Na matéria da Folha, por exemplo, a secretária de Cidadania e dos Direitos Humanos de Alagoas, Wedna Miranda, defendeu a integração dos governos municipal, estadual e federal com uma frase que é exemplar do descaso e irresponsabilidade com a qual a burguesia trata a morte dos filhos de trabalhadores: É necessário que cada um saia do seu quadrado e faça alguma coisa diferente. A [atual] política falhou.
Já o secretário de Segurança do Paraná, Luiz Fernando Delazari, simplesmente contestou a realidade dos números referentes a Foz do Iguaçu, afirmando que as mortes já caíram pela metade desde que os dados foram coletados.
Toque de recolher e outras medidas repressivas
Os representantes governamentais entre elaboradores da pesquisa, como não poderia deixar de ser, praticamente apontam uma única solução para o problema: o aumento da repressão à população em geral e aos jovens e adolescentes, em particular.
No alto da lista de sugestões, está a restrição da circulação de armas, mas o que temos visto país afora é a mais simples e absurda repressão, principalmente através do inaceitável toque de recolher, imposto em dezenas de cidades brasileiras, proibindo a circulação de jovens a partir de determinada hora da noite.
Eficiente na avaliação dos órgãos de repressão, a medida é um paliativo ridículo que, na verdade, transfere para os jovens a responsabilidade pela violência que se volta contra eles e instaura a família como responsável pela segurança de seus filhos.
Essa mesma lógica privada que cerca as políticas do Estado é característica, também, da atuação dos meios de repressão e o papel que eles cumprem em nossa sociedade.
Como destacou o professor Ignácio Cano, responsável pela pesquisa, em entrevista à Agência Brasil, um dos problemas centrais da chamada violência letal tem a ver com o próprio papel das forças repressivas do Estado, que estão voltadas para a violência contra o patrimônio quando deveriam priorizar a violência contra a vida.
Lamentavelmente, apenas constatar esta realidade não é o suficiente para impedir que dezenas de milhares de meninos e meninas morram nos próximos anos. É preciso também apontar o que está por trás das balas e punhais de facas: os patrões, os governos que os acobertam e o sistema econômico que eles defendem.