Um dia após o retorno ao Brasil, no dia 5 de julho, representantes da delegação da Conlutas ao Haiti concederam uma entrevista coletiva na sede nacional da entidade, em São Paulo. Os ativistas contaram a experiência dos 7 dias de viagem pelo país ocupado. O grupo cumpriu uma extensa agenda nos poucos dias que permaneceu no Haiti. Percorreu diversas regiões, conversando com autoridades, entre elas o presidente haitiano, Rene Préval, reuni-se com representantes de organizações dos trabalhadores do Haiti e participou de debates.

Em todas as atividades, a delegação defendeu a retirada imediata das tropas invasoras, denunciando seu papel no país de manter e perpetuar a brutal exploração à qual é submetida a população haitiana. Donizete Antonio Ferreira, o Toninho, advogado em São José dos Campos, Valdir Martins, o Marrom, dirigente do Movimento Urbano dos Sem-Teto (Must), Geraldinho, da Oposição Alternativa da Apeoesp e Cabral, da Admap (Associação Democrática dos Metalúrgicos Aposentados) contaram como foi a viagem de solidariedade à luta do povo do país caribenho.

Ocupação Militar
O principal assunto, como não poderia deixar de ser, foi a ocupação militar das tropas da Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti) e seu real sentido. “As tropas cumprem lá um papel que interessa aos Estados Unidos, nada mais que isso. Os Estados Unidos, para não mobilizarem suas próprias tropas, recorrem aos países latino-americanos para cumprir esse papel”, denunciou Toninho, que apontou também o interesse despertado por um país sem recursos naturais e destruído por anos de guerra e ocupações. “O objetivo é montar as maquiladoras com mão-de-obra análoga à escravidão, pagando um dólar ou menos que isso por dia. Tanto que o próprio filho do vice-presidente José Alencar quer ter uma maquiladora lá”, afirmou.

Geraldinho lembra também que a escolha do Brasil para liderar a missão não foi aleatória, mas obedece a uma tática perversa de controle, recorrendo à simpatia que os brasileiros têm entre a população local. “Os haitianos gostam muito dos brasileiros, há uma identidade cultural e racial muito grande, mesmo que não tenhamos em nossa história uma convivência comum”, afirma. “E é sobre essa identidade que a Minustah impõe sua opressão sobre o povo, garantindo segurança às maquiladoras e ao imperialismo para a continuidade da superexploração do povo”, revela. “Isso é duplamente criminoso e cruel com o povo haitiano”, lamenta.

Toninho afirma ainda que, apesar de toda a campanha internacional e do governo haitiano, a população do país rechaça a ocupação. Há um setor que literalmente repudia as tropas, há lugares onde as tropas são recebidas a pedradas”. Isso já se reflete no sentimento do povo.“Muita gente já apagou as bandeiras brasileiras de suas casas, a gente percebe isso andando pelas ruas ou estradas do Haiti”.

Denúncias de abusos e casos de violência são comuns. A Minustah atua protegendo a violenta e corrupta polícia do Haiti, temida pelo povo haitiano. “Eles não chamam a polícia pra nada. Presenciei o choque de dois caminhões no Haiti, os motoristas desceram, trocaram alguns desaforos e foram embora. O que existe é terror da PNH, a polícia haitiana”, afirma Gegê. Segundo o sindicalista, o próprio embaixador brasileiro afirmou que a polícia do Haiti é um dos principais problemas nos país, tendo inclusive um setor dela que trafica drogas. Ainda segundo o diplomata, as tropas permanecerão ocupando até que o Estado tenha condições de coibir sua própria polícia. “O general Santos Cruz, chefe da missão da Minustah, nos confirmou essa informação, mas disse que não poderia fazer nada, o Estado brasileiro estava ali com uma visão mais global e que aquilo era um problema da ‘colateralidade´ da polícia”, completa.

Educação e Saúde
Outro aspecto que chamou a atenção da delegação da Conlutas é a situação de miséria extrema em que vive a imensa maioria da população do país caribenho. Além da completa ausência de saneamento básico, os serviços públicos são precários. “Conseguimos visitar uma escola em Cap-Hatien, dentro da sala de aula havia lixo, não havia cadeiras suficientes para os alunos e a lousa estava destruída, ou seja, a educação reflete a desestruturação do país”, afirma Geraldinho. O sindicalista disse ainda que, por não haver luz no país, as pessoas que só poderiam estudar à noite ficam impossibilitadas de freqüentarem as escolas.

Marrom revela ainda que as escolas não possuem água nem luz e nem mesmo os banheiros funcionam. “Isso não só nas escolas públicas, mas inclusive nas escolas particulares”, ressalta. Em alguns lugares, o Batay Ouvriére chega a organizar e construir suas próprias escolas.

No país, são poucos os locais que contam com energia elétrica. “As pessoas vivem ali no século 18, século 19, sem luz à noite, apenas com luz de velas”. O dirigente da Apeoesp acusa as tropas de contribuírem para a perpetuação da miséria no país. “No Haiti não tem água de dia e não tem luz à noite. E nós estamos lá há três anos. Então, estamos garantindo que não haja luz e não haja água para os trabalhadores haitianos”.

Com um sistema de saúde precário, com remédios sendo vendidos a céu aberto, grande parte da população recorre às ervas medicinais, demonstrando como a cultura popular é utilizada para enfrentar as terríveis condições de vida do povo pobre. “A situação da saúde no Haiti mostra um milagre que só a classe trabalhadora pode realizar. Ao não ter Estado, a saúde pública é feita individualmente, as próprias pessoas correm atrás de seus problemas”, explica Geraldinho.

O saneamento e a saúde são ainda mais prejudicados por causa da seca. “Grande parte dos rios do Haiti está completamente seco e mesmo os lençóis freáticos estão contaminados”, conta Cabral.

Campanha continua
A viagem ao país ocupado, no entanto, não encerra a campanha pela retirada das tropas da ONU no país. Toninho afirma que a campanha prossegue. “A campanha vai continuar, no próximo dia 13, por exemplo, vamos levar essa bandeira ao ato público na abertura do PAN, dizendo ‘Fora já, fora já daqui, Bush do Iraque e Lula do Haiti´”. O advogado disse ainda que o embaixador chileno chegou a afirmar que retiraria as tropas de seu país caso houvesse uma mobilização no Chile nesse sentido.

Além disso, Toninho afirma que o I Encontro Sindical Latino-Americano, organizado pela Conlutas e programado para ocorrer em maio de 2008, terá o assunto como um dos principais temas. “A campanha continua. As tropas foram para lá para ficarem 6 meses e estão há 3 anos, e se não fizermos nada, ficarão mais 60, pois foi assim nas ocupações anteriores”alerta.. Gegê finaliza apontando o rumo da campanha. “Faremos essa campanha nos sindicatos, oposições e nos movimentos sociais e populares, vamos garantir que essa luta se concretize, que não fique apenas nas palavras de ordem”, afirma.

Mas e a população do Haiti? Estariam também contra a ocupação. “Todas as organizações de Direitos Humanos que encontramos no Haiti defendem a retirada imediata das tropas, além das entidades sindicais e dos movimentos sociais e populares”, revela Toninho.