Os ativistas que estão à frente das lutas sindicais, estudantis e populares têm neste momento que se posicionar perante o segundo turno das eleições. Existe uma enorme pressão para apoiar Dilma Rousseff e “evitar a volta da direita”. A direção do PSOL e a maioria de seus parlamentares eleitos já aderiram a essa posição, ao se definirem pelo voto “contra Serra” – na prática, voto em Dilma. O PCB assumiu a mesma postura.

Uma posição distinta foi o voto nulo assumido pelo PSTU, por parte do PSOL (Heloísa Helena, Janira Rocha, Plínio de Arruda Sampaio, entre outros) e pelo PCO.
Evidentemente, defender o voto em Dilma é ficar do lado da atual maioria. É incômodo defender posições minoritárias. No entanto, isso também tem seu preço. Essa não é apenas uma questão “tática”, como veremos. Não está em discussão apenas o apoio ou não a uma candidata da esquerda reformista.

Estamos diante daqueles momentos que serão lembrados por muito tempo, em que a esquerda está sendo testada.

Qual é a diferença real entre Dilma e Serra?
Uma análise marxista começa por definir a questão eleitoral a partir das classes sociais.

Os representantes do PT e PCdoB nos dizem que Dilma é a candidata dos trabalhadores. José Serra seria o candidato da grande burguesia, da “direita”. Isso é verdade?
Como Dilma é a candidata de Lula, a pergunta se estende ao caráter do governo petista. Podemos entender o governo atual como um “governo dos trabalhadores”?
Seria muito difícil sustentar essa opinião com alguma seriedade. Durante oito anos, o governo Lula demonstrou para as grandes empresas multinacionais e nacionais como pode ser melhor que o PSDB para elas.

Lucros sem sustos
Qual é o critério da grande burguesia para avaliar um governo? Grandes lucros? Pois bem, no governo Lula as grandes empresas lucraram muito mais do que no governo de Fernando Henrique Cardoso. Conseguiram elevar seus lucros em 349,8% só no primeiro mandato do petista. Os bancos obtiveram mais: multiplicaram seus lucros cinco vezes entre os dois mandatos de FHC e os dois de Lula.

Por outro lado, todos sabem como as grandes empresas gostam de estabilidade política para garantir seus investimentos sem sustos. Pois bem, Lula manteve o controle político do país ao frear as lutas sociais por meio da CUT, da UNE e da direção do MST. O que o governo do PSDB não conseguiria.

Reforma agrária
E em relação ao campo? Existe uma verdadeira diferença em relação à reforma agrária? Por que o MST – que apoia Dilma – diz que a reforma agrária parou nos últimos oito anos? Por que o número de assentados foi ainda menor com Lula do que com FHC?
Lula e Dilma têm um plano central para o campo: a expansão do agronegócio, exatamente como pensava o PSDB. Por isso, o PT conseguiu abrir o país para os alimentos e sementes transgênicos. E está destruindo, com a ajuda do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o Código Florestal, que colocava alguns tímidos limites ambientais, contestados pelo agronegócio.

Política externa
Mas não se pode negar uma diferença fundamental, diria o já irritado ativista petista: a política externa independente do governo. No entanto, ao contrário da lenda, Lula conseguiu ser um “amigo” do governo dos EUA, tanto com o desprestigiado George W. Bush como com Barack Obama. Serve como interlocutor do governo ianque em todas as crises latino-americanas. Conseguiu ocupar militarmente o Haiti com tropas brasileiras a serviço do governo dos EUA. Até hoje, tem feito o povo brasileiro acreditar que se trata de uma ação humanitária. Tal enganação seria quase impossível num governo do PSDB.

Dilma é a candidata de um governo que serviu fielmente às grandes empresas, mantendo o mesmo plano neoliberal de FHC. Contou com o crescimento econômico para fazer algumas pequenas concessões populares, como o reajuste no salário mínimo e o Bolsa Família, o que ajudou a firmar a base social de colaboração de classes. Por isso, tem o apoio de governos imperialistas, grandes bancos e multinacionais, assim como da maioria dos trabalhadores e dos setores mais explorados.

Dilma não é a candidata do conjunto da burguesia. Existe um setor importante que, mesmo reconhecendo os serviços prestados pelo PT, quer retomar o controle direto do aparato de Estado. Isso fica muito claro na postura da burguesia que controla os meios de comunicação, em particular os jornais paulistas e as emissoras de TV.
Portanto, de acordo com o critério marxista, existem duas candidaturas que expressam setores da grande burguesia no segundo turno. Essa é a dura realidade, se queremos ver além da aparência da falsa polarização entre “esquerda e direita”.

E o programa?
Mas poderia haver uma diferença fundamental de programa entre os dois blocos eleitorais. Existe mesmo?

Não existe nenhum questionamento por parte de Serra ou Dilma quanto ao plano econômico. Ao contrário, tanto um como outro defendem a continuidade dos pilares fundamentais da economia neoliberal de hoje. A grande diferença entre os candidatos é o balanço desse período: o PT compara os números de crescimento com Lula na Presidência, atacando o governo FHC, que acabou seu segundo mandato em plena crise econômica. Isso realmente ocorreu, mas teve pouco a ver com o PT ou o PSDB. A explicação está nas fases do ciclo capitalista. Nos últimos anos, ocorreu o mesmo crescimento na Colômbia, gerando grande prestígio também para o governo Uribe, maior representante da direita na América Latina.

Mas, dizem os petistas, a grande diferença tem a ver com as privatizações. É verdade que FHC (com Serra como ministro) privatizou grande parte das estatais. Mas por que Lula não reestatizou essas empresas? Em dois mandatos, ele teve tempo suficiente para isso. Por que o presidente tem excelentes relações com os grandes burgueses que controlam a Vale e a Embraer? E por que segue privatizando, como é o caso da Petrobras, que já tem a maioria de suas ações em mãos de fundos estrangeiros?
O tema das privatizações é uma boa jogada de marketing eleitoral do PT. Já teve uma enorme importância nas eleições de 2006, sendo o grande assunto da vitória de Lula no segundo turno contra Geraldo Alckmin. Mas, por fora das manobras eleitorais, existe um grande acordo entre PSDB e PT de manter as privatizações e seguir aprofundando-as.

Os petistas poderiam argumentar ainda que, pelo menos na luta contra a opressão, o governo petista tem sido diferente dos mandatos de FHC. Não houve, no entanto, nenhum avanço significativo com Lula. A polêmica em relação ao aborto nesta campanha resolve a discussão. Em uma atitude indigna com a luta das mulheres, Dilma se igualou a Serra no repúdio ao aborto, em meio à lamentável disputa pelos votos religiosos.

Repressão e cooptação
Existe outra diferença, segundo os petistas. Se eleito, Serra reprimiria o movimento social, ao contrário do PT. É verdade que os governos do PSDB reprimem os movimentos. Mas os do PT também. Tanto nos governos estaduais e municipais como no governo Lula, o funcionalismo público teve greves reprimidas, cortes de ponto etc. As mortes das lideranças dos sem-terra seguem impunes.

E os governos do PT incorporaram uma arma a mais, além da repressão, contra os movimentos sociais: a cooptação. A CUT e a UNE viraram entidades chapa-branca, e a direção do MST freou as ocupações de terra. O PSDB nunca conseguiu fazer isso.

Do lado dos pobres?
A última trincheira dos petistas é o “caráter social” do governo petista, que precisa ser defendido contra Serra. Será mesmo?

O grande exemplo da preocupação social de Lula é o Bolsa Família. Esse programa é inspirado numa recomendação do Banco Mundial, um organismo financeiro do imperialismo, através do “Relatório do Banco Mundial 2000/2001 – Luta contra a pobreza”. Ali se recomendava aos governos da América Latina a aplicação de “políticas sociais compensatórias”.

Era o momento em que se iniciava a crise dos planos neoliberais do final do século passado. Ou seja, quando começou a vir abaixo o “Consenso de Washington”, que foi a base de planos econômicos como o “real” brasileiro, aplicados em todo o mundo. O sentido era claro: manter os planos econômicos responsáveis pela pobreza da maioria e pelo enriquecimento de uma minoria, mas criar mecanismos de controle social para evitar as explosões.

Os nomes variam, desde o bônus “Renta Dignidad” para idosos de Evo Morales, passando pelas “Misiones Sociales” de Hugo Chávez, o “Hambre Cero” da Nicarágua e os “planes” na Argentina. O conteúdo é exatamente o mesmo das políticas sociais compensatórias dos governos de direita.

Recentemente, um diretor do FMI disse que o Bolsa Família é um exemplo de programa social “bastante eficiente” que beneficia famílias a um “custo baixo”. Os gastos do governo com o Bolsa Família são de apenas R$ 12 bilhões (dados de 2009), o equivalente a apenas 3% do total pago (R$ 380 bilhões) pelo governo no ano passado em juros e amortização da dívida pública.

Agora, Serra faz promessas de dobrar o valor do Bolsa Família e ainda criar o “13º salário”. Os petistas podem, com toda razão, dizer que o PSDB está apenas fazendo demagogia eleitoral. Isso é verdade, mas não é toda a verdade. Deve-se dizer que Serra poderá fazer isso sem mudar em nada o plano neoliberal, porque os governos de direita também podem ter esse “lado social” recomendado pelo Banco Mundial.

O problema real?
Na verdade, nenhuma dessas questões é nova. Dificilmente os companheiros do PSOL ou do PCB poderiam discordar do que dizemos sobre o balanço dos governos Lula e FHC ou sobre os programas de Dilma e Serra.

A questão é outra. A definição do apoio a Dilma tem como única sustentação o apoio da maioria dos trabalhadores ao governo Lula. Não é “popular” uma diferenciação clara com o governo Lula, ao chamar o voto nulo. Para eles, é melhor aceitar a tese do “mal menor”.

Essa não é apenas uma discussão “tática”. Não se trata somente de apoiar uma candidatura da esquerda reformista contra a direita. Esses setores estão apoiando a continuidade de um governo burguês pró-imperialista, pelo único motivo de ser “popular”. Estão de acordo com a unidade com as grandes empresas que apoiam Dilma. Sem falar nos outros “aliados”, como Paulo Maluf, José Sarney e Jader Barbalho.

Assim, Dilma se legitima como representante da “esquerda” contra a direita, confirmando a falsa polarização neste segundo turno. É um retrocesso na construção de uma alternativa dos trabalhadores contra esses blocos da burguesia.

Não existe o “mal menor”. O governo eleito em outubro vai atacar os trabalhadores em função da crise econômica internacional que se aproxima. Tanto Serra como Dilma já se manifestaram a favor de uma nova reforma da Previdência logo no início de mandato. Qualquer voto nessas candidaturas será um reforço para prejudicar os trabalhadores depois.

Na verdade, a “tática” do “mal menor” faz um mal maior que é a não construção de uma alternativa independente dos trabalhadores. Sempre estaremos dependentes de um “setor” progressista da burguesia.

É preferível apresentar de forma clara uma alternativa aos dois blocos, chamando o voto nulo. Um peso significativo do voto nulo enfraqueceria o novo governo eleito. Assim, estaríamos começando a preparar a luta contra eles, em defesa do direito à aposentadoria.

Post author da redação
Publication Date