A candidatura presidencial de Barack Obama gerou muitas confusões, inclusive em algumas correntes da esquerdaUm exemplo disso é o artigo “O fenômeno Obama”, que está circulando pela Internet. Seu autor é Olmedo Beluche, dirigente do Partido de Alternativa Popular do Panamá, membro de uma corrente internacional a qual integram o MES (Movimento Esquerda Socialista), do Brasil, o MST (Movimento Socialista dos Trabalhadores), da Argentina, e a ISO (International Socialist Organization), dos EUA. Achamos importante polemizar com esse artigo porque expressa um tipo de raciocínio que, disfarçado de “tática marxista inteligente”, conduz a uma capitulação total à política imperialista. Não sabemos se essas posições são compartilhadas ou não pelo conjunto das organizações de sua corrente internacional, mas até agora não conhecemos nenhuma crítica ao artigo publicado.

O artigo parte de uma definição que parece claramente demarcatória: “Evidentemente, seria uma vã ilusão e um grave erro de nossa parte acreditar que, se em novembro Obama for eleito, por um passe de mágica desapareceria a política imperialista dos Estados Unidos no mundo (…) Ele também representa um setor importante do ‘establishment’ norte-americano”.

Depois, agrega: “a vitória democrata, em especial se o candidato é Barack Obama, não significará o fim do imperialismo ianque, nem do guerreirismo. É provável que tampouco signifique o fim imediato da guerra do Iraque. Contudo, me parece que se marcará uma mudança de matiz, uma atenuação de certas características terríveis do regime norte-americano que, após 11 de setembro, encarna certa forma de neofascismo”.

Ate aqui, a conclusão, dentro de certos limites, é correta. O triunfo de Obama representará “uma mudança de matiz” da política imperialista em comparação com a aplicada por Bush. Contudo, cabe agregar duas coisas. A primeira é que tal “mudança” seria uma necessária adaptação que o imperialismo norte-americano deve fazer para enfrentar as conseqüências do fracasso dessa política. A segunda é que os democratas são especialistas em apresentar uma “nova imagem”, sem mudar nada importante. Assim, Obama não é una “novidade”, mas apenas outra variante de algo que já é tradicional na política norte-americana. Algo de que o autor perigosamente esquece.

Após um extenso comentário sobre lógica hegeliana, sobre contradição entre “essência” e “aparência”, o autor diz: “O discurso radical de Obama catalisou a vontade de milhões de norte-americanos pela ‘mudança’ que se opõe à continuidade dos ‘falcões’, representantes diretos do capital industrial-militar. Isso por si só é progressivo. E, se Obama não cumprir (o mais provável), esse grande setor do eleitorado ianque terá dado um passo adiante em sua tomada de consciência política e estará em melhores condições para se mobilizar por suas demandas que hoje acreditam canalizadas por Obama” (sublinhado nosso).

Ou seja, para ganhar as prévias internas democratas, ele criou um “movimento objetivamente progressivo” cujas reivindicações ou são cumpridas em sua presidência (o menos provável) ou se gera um salto na consciência e na mobilização das massas. Em qualquer caso, o processo não será em vão para as massas, nem para os revolucionários. É quase incrível que o artigo abra a possibilidade, mesmo que seja mínima, de que Obama, pressionado pelas massas, cumpra suas promessas e seu “discurso radical”. Em outras palavras que, por “pressão objetiva”, Obama possa jogar algum “papel progressivo”.

Inclusive, se deixarmos de lado essa alternativa, o raciocínio do autor continua sendo totalmente falso e não tem nada a ver com os fatos. Em primeiro lugar, Obama não criou nem “catalisou” nenhum movimento: este já existia na realidade, nas mobilizações contra a guerra e na queda do apoio do povo norte-americano, nas mobilizações dos imigrantes, nas primeiras greves operárias, etc.

Precisamente, Obama é a figura eleita pela burguesia imperialista para frear e impedir que cresçam as mobilizações, tirando o descontentamento das ruas para levá-lo à via morta das eleições. O autor parece esquecer todas as lições históricas. Existe, evidentemente, a possibilidade de que as massas façam a experiência com Obama e avancem em sua consciência e mobilização. Mas existe também a possibilidade, e esse é o principal perigo hoje, de que ele consiga “adormecer” a consciência das massas.

Em qualquer caso, essa é a tarefa para qual Obama foi designado. Por isso, recebeu o respaldo de experientes políticos imperialistas, como Edward Kennedy e Zbigniew Brzezinski, e o apoio financeiro das grandes empresas. Pensar que essa gente colocou seu peso político e dinheiro a serviço de criar “objetivamente” um “movimento progressivo” que se voltará contra eles é não só um abuso da dialética, como também um insulto à inteligência dos cérebros imperialistas.

Mas o autor é conseqüente em sua conclusão: “me parece que diante dessas eleições não dá no mesmo um que outro. E teria que apostar na derrota dos republicanos. Inclusive, com o risco de ser acusado de oportunista, se o sistema ianque fosse de dois turnos, proporia diretamente que a esquerda norte-americana (…) votasse criticamente em Obama contra McCain” (sublinhado nosso).

Muitas correntes de passado trotsquista utilizaram o raciocínio do “objetivamente progressivo” para justificar sua capitulação e seu apoio aos governos burgueses de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, e seu respaldo eleitoral ao bispo Fernando Lugo (Paraguai). Nestes casos, tinham ao menos a desculpa de que os presidentes da Venezuela, da Bolívia e do Equador governam países coloniais com “enfrentamento ao imperialismo”, e que no Paraguai se tratava de “derrotar o Partido Colorado”.

Mas a proposta do autor é um salto nessa política: a busca de “matizes” dentro do imperialismo, entre “falcões” e “pombas”. Uma lógica que, até agora, só foi usada no passado pelo stalinismo para justificar acordos de longo prazo entre a ex-URSS e os “imperialismos democráticos” contra os “imperialismos guerreiros”, ou com as “alas democráticas do imperialismo” contra as “alas belicistas”. Não é novidade assistir ao abandono dos princípios revolucionários por parte de alguns setores supostamente “trotsquistas”. Mas capitular ao imperialismo norte-americano é atingir o fundo do poço. Como dizia Dom Quixote de la Mancha: “Coisas verás, Sancho, nas quais não acreditarás”.

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