Fique por dentro de como funciona o mecanismo da dívida pública. Publicado no Opinião Socialista 504

Você está no fim do mês e precisa fazer as compras de casa. No caixa do supermercado, pede para pagar no crédito. Tem noção de que os juros são absurdos, mas fazer o quê? Pouco tempo depois, aquela pequena conta cresce com juros de 300% ao ano e fica praticamente impagável. Você corta gastos, economiza, mas o salário não dá conta de pagar aquilo. Só mesmo pegando um novo empréstimo no banco.

Se os juros de agiota do cartão de crédito já são revoltantes, imagine então receber em casa a fatura de uma conta de algo que você nunca comprou e com juros igualmente extorsivos. Pois é justamente isso o que acontece com a chamada dívida pública. Não escolhemos, nunca contratamos e muito menos nos beneficiamos com ela. Porém, todos os anos, é como se cada brasileiro, independentemente da idade, recebesse uma conta em casa de mais de R$ 23 mil. É esse o valor total da dívida repartido entre os habitantes do país.

Como pagamos essa dívida?
Você nunca recebeu essa conta em casa, mas paga do mesmo jeito. Como isso acontece? O governo emite títulos da dívida pública e os vende em leilões no mercado financeiro. Os compradores são grandes bancos, nacionais e estrangeiros, como Citibank, HSBC ou Itaú. Na prática, é uma espécie de empréstimo, a juros muito altos, que é a tal da taxa Selic da qual sempre falam na televisão. Esses juros são definidos pelo Banco Central. Cada ponto que eles aumentam representa bilhões a mais todos os anos para esses banqueiros.

Ao contrário de um financiamento que você faz no banco para comprar um carro, por exemplo, ou da conta do supermercado que paga com o cartão de crédito, esse empréstimo do governo não tem retorno. Não é feito para construir escolas ou hospitais. É feito para pagar os juros que estão vencendo. Ou seja, o governo vai lá e se endivida para pagar os juros de uma dívida que já existe. É uma bola de neve que só aumenta (veja o gráfico) cujos juros consomem hoje 47% do Orçamento do governo federal.

Isso significa que, todos os anos, quase metade do que o governo arrecada vai para pagar os juros da dívida pública, tanto interna quanto externa. No Orçamento deste ano, o total dessa conta vai ficar em R$ 1,3 trilhão. É possível imaginar tanto dinheiro? Só para se ter uma ideia, é 13 vezes o valor gasto com saúde ou educação. Isso, contudo, são só os juros, já que o total da dívida pública mesmo equivale hoje a 86% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma do valor de todas as riquezas produzidas pelo país em um ano).

 

Um ralo por onde escoam nossos recursos

A dívida pública é o principal motivo por trás da falta de dinheiro para áreas como saúde e educação. Esse duto que suga os recursos do país desvia o dinheiro dessas áreas para os banqueiros. Como isso ocorre? Quase todos os dias, ouvimos os noticiários falarem sobre o superávit primário. Dizem que é preciso fazer superávit primário, que o tal do superávit primário está em risco com a crise e que o país pode perder o grau de investimento. Mas o que significa tudo isso?

Tudo o que o governo arrecada, principalmente com impostos, mas por outros meios também, como os lucros das estatais, formam as receitas primárias. É o orçamento da União. Disso, tiram-se os gastos primários, que são os gastos com aposentadorias, saúde, educação etc. Bom, se a arrecadação é para custear esses gastos, por que o país precisaria ter superávit ou, em outras palavras, lucro? Por que precisa sobrar? Simplesmente para garantir o principal gasto do governo, que é o pagamento dos juros da dívida. Por isso os juros não entram nessa conta. Se entrassem, ficaria na cara o rombo que a dívida faz no Orçamento.

Instrumento de dominação
A chamada Lei de Responsabilidade Fiscal reafirma o pagamento da dívida como prioridade absoluta do governo. Assim, para garantir os recursos aos banqueiros, o governo precisa fazer com que as receitas, o que ele vai arrecadar, sejam bem maiores que os gastos. Isso se faz aumentando impostos, privatizando e, principalmente, cortando gastos sociais. Tudo para manter a relação dívida e PIB estável, que é um sinal para os banqueiros de que o país continuará pagando em dia. O tal grau de investimento é, assim, uma espécie de selo de qualidade dos bancos para dizer que esse país está fazendo de tudo para garantir os lucros deles.

Existem muitas formas de transferir nossos recursos para fora. Os investimentos financeiros especulativos, por exemplo, entram e já saem em seguida, carregando parte das nossas riquezas na forma de lucros. As multinacionais, por sua vez, remetem diretamente seus lucros para fora.

A dívida pública funciona da mesma forma. O capital de grandes bancos e investidores entra aqui e sai carregando parte das nossas riquezas como lucro em forma de juros. A diferença desse mecanismo é que ele transfere metade do nosso orçamento todos os anos para fora. É, assim, o principal instrumento da dominação do Brasil pelos bancos e países imperialistas.

Você trabalha para enriquecer banqueiros

O mecanismo da dívida é responsável pela transferência das riquezas do país para uma dúzia de banqueiros internacionais. Isso é feito desviando recursos do Orçamento para o pagamento dos juros da dívida. Mas de onde vêm esses recursos?

Geralmente, quando se fala da questão da dívida, menciona-se apenas o problema do desvio do Orçamento, o que já é grave. Por exemplo, não dá para discutir Previdência pública e mostrar que não existe rombo nenhum sem falar sobre a dívida. No entanto, o problema é mais embaixo. Todos nós pagamos essa dívida.

Extração de mais-valia
Ao final do mês, um operário de uma fábrica, por exemplo, não produziu só o equivalente ao seu salário. O salário é uma pequena parte do valor produzido por sua força de trabalho. É o que ele ganha pra se manter, se alimentar, se vestir etc. O valor correspondente ao que ele produziu, descontando a pequena fração do salário, vai para o patrão na forma de lucro. É o chamado trabalho não pago ou mais-valia.

Os recursos gerados pelo trabalho formam os lucros dos patrões, incluindo aí o que eles pagam em impostos. Quando falamos em Orçamento público, estamos falando basicamente em arrecadação gerada por meio de impostos. Mas até mesmo os impostos pagos pelos empresários, que são proporcionalmente menores do que nós pagamos, são pagos pelo nosso trabalho. Isso quando os patrões não sonegam. Viu só como funcionam as coisas? Pagamos nossos impostos e até os dos patrões.

A transferência de recursos para fora realizada pela dívida pública ou a remessa de lucros pelas empresas é exatamente isso: o roubo da mais-valia produzida pelos trabalhadores no país.

Zé Maria: Ajuste nos banqueiros! Não pagar a dívida
É impossível mudar a situação da saúde e da educação pagando a dívida aos banqueiros. Com a crise econômica, essa situação vai piorar ainda mais. O governo Dilma anunciou um corte extra de R$ 80 bilhões este ano. É por isso que as universidades federais estão em frangalhos, que o Minha Casa, Minha Vida teve um corte de R$ 5,6 bilhões, que o Fies foi cortado e até verbas do Pronatec.

A crise faz com que o imperialismo aumente a pressão para que sejam transferidas mais riquezas para fora. A dívida é, assim, uma forma de dominação que amarra qualquer mudança de fato na vida dos trabalhadores e do povo.

A burguesia e grande parte da imprensa colocam o pagamento da dívida sob o ponto de vista de um problema moral. “Se você tem uma dívida, precisa pagá-la para manter limpo o seu nome e da sua família”, dizem. Ou seja, pagar uma dívida é uma questão de honra. Mas essa dívida, como vimos, é completamente ilegítima. Se você recebe uma fatura em casa de uma dívida que não fez e que só vai servir para enriquecer banqueiro, vai colocar a família no aperto para pagar?

A dívida pública não é nem mesmo constitucional. Segundo levantamento da Auditoria Cidadã da Dívida, cerca de 90% do total da dívida é composto de juros sobre juros, o que é proibido. Sem contar que grande parte dela (da dívida externa, sobretudo) é dos tempos da ditadura militar.

Para enfrentar essa crise, a primeira coisa a se fazer é parar de pagar a dívida e estancar essa sangria de recursos para os banqueiros. Com o R$ 1,3 trilhão que está programado pra ir para os bolsos dos banqueiros só este ano, daria pra quintuplicar as verbas da saúde e da educação.

Alguns companheiros argumentam que isso provocaria uma fuga de capitais do país. Por isso, defendemos a estatização do sistema financeiro para colocá-lo a serviço dos trabalhadores e não para dar lucro a meia dúzia de banqueiros.

Para fazer isso, só rompendo com os banqueiros e com o imperialismo.

Publicado originalmente no Opinião Socialista 504