Ganhe quem ganhar, o próximo governo vai se chocar com o povo que quer melhores condições de vida

Quem enxergasse apenas a fotografia do momento e visse, novamente, PT versus PSDB disputando um segundo turno pensaria: este filme eu já vi. Faz 20 anos que, nas eleições presidenciais, existe uma disputa entre estes dois partidos.
 
Se, por um lado, tudo parecia que ia ser igual, depois de junho de 2013, as eleições ficaram totalmente indefinidas. Tivemos um primeiro turno marcado por reviravoltas e por um enorme descrédito nos políticos. Mas se o povo foi às ruas pedir mudança, por que o segundo turno parece um velho quadro tão batido?
 
O descontentamento com a qualidade de vida – reflexo da situação econômica, social e política do país – é o que promove enorme desejo de mudança. Essa sede de transformação levou milhões às ruas em junho de 2013 e expressou-se, ainda que distorcidamente, nas urnas. 
 
Por que distorcidamente? Porque as eleições expressam de maneira deformada os verdadeiros desejos dos trabalhadores. Não há igualdade na disputa. Não importa se é PT, PSDB ou uma falsa alternativa como Marina, o poder econômico está por trás dessas candidaturas que prometem uma coisa e depois fazem outra. O processo eleitoral, que não é nada democrático, não dá espaço para que verdadeiras alternativas apareçam, porque não interessa aos grandes empresários e financiadores de campanhas que as coisas realmente mudem.
 
Ainda assim, o desejo de mudança, expresso nas ruas em junho de 2013, nas greves deste ano e nas manifestações contra a Copa, estava colocado. Mas o cardápio das candidaturas principais oferecido pelas eleições permitia apenas escolher entre opções que nada mudariam de fato, fosse num governo do PT, Marina Silva ou Aécio Neves. O fenômeno, conhecido também como voto útil, vai se intensificar ainda mais no segundo turno.
 
No dia 26 de outubro, muitos trabalhadores e jovens votarão no PT por se lembrarem do governo FHC e considerarem o PT um mal menor. Outros votarão em Aécio, como uma espécie de voto de castigo no PT. Mas, ganhe quem ganhar, o próximo governo vai se chocar contra a maioria do povo que ainda quer melhores condições de vida, mas receberá ataques aos direitos, arrocho dos salários e um tarifaço nas contas de luz, gasolina e nos transportes.
 
 
Junho de 2013 e as eleições
Junho abriu uma nova situação política no país. A juventude, em sua maioria empobrecida e precarizada, saiu às ruas para exigir melhores serviços públicos e melhores condições de vida.

Afinal, os 12 anos de governo do PT, aliado a banqueiros, empreiteiras, multinacionais, corruptos e conservadores como Renan, Collor, Kátia Abreu etc., deixaram empresários muito felizes. Como disse o próprio Lula: “nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo”. Para os trabalhadores e o povo, sobrou muito menos.

 
Os trabalhadores e a juventude protestaram nas ruas à revelia do PT, da própria CUT e da UNE – que, no passado, dirigiram greves e enfrentamentos. Muita gente no andar de cima começou até a se preocupar se o PT ainda seria capaz de conter as mobilizações, como fez nos últimos anos.
 
De toda maneira, essas manifestações desestabilizaram o cenário político nacional e acirraram a disputa pelas definições dos rumos do país. Por um lado, a classe média descontente ora gira para a direita tradicional, ora tenta se convencer de uma saída intermediária com ares de faxina ética ou nova política, tão inconsistente e insustentável quanto a primeira. Por outro, a juventude e a classe trabalhadora retomam o caminho das lutas e da força coletiva fazendo greves por todo o país.
 
Esses protestos e lutas sociais, que movimentam o país desde o ano passado, ainda não mostraram todo o poder de mobilização da classe trabalhadora. Em junho, as manifestações populares e da juventude não tiveram na sua vanguarda a classe trabalhadora organizada como tal, com seus métodos, como greves e piquetes que param a produção e enfrentam o capital. Estavam diluídos como indivíduos. Ainda que as greves estejam sendo retomadas, está claro que é preciso avançar, unificar e organizar todos os setores em luta para combater os governos e os interesses dos banqueiros e grandes empresários que eles defendem. Governos que, incluindo o do PT, reprimem e criminalizam os trabalhadores e jovens que saem às ruas.
 
Depois de junho, com as mobilizações e greves mais ousadas e mais fortes, a direita mais conservadora também reagiu, gerando uma maior polarização social e política. Daí que alguns estão falando em onda conservadora ou, ainda, numa guinada à direita do movimento de massas. Esses setores acreditam que a única saída é defender o governo do PT contra essa suposta onda da direita. Não concordamos com essa opção.
 
Na realidade, o que acontece é uma polarização das lutas sociais que leva a uma forte reação dos setores conservadores. Muitas vezes, o desejo de mudança e a revolta existentes, por não se encontrar uma alternativa de esquerda ao atual governo, acaba capitalizado por alternativas eleitorais de direita. Mas, longe de uma adesão programática à direita, o que querem esses trabalhadores descontentes é melhorar seu nível de vida, coisa que nem Aécio, nem Dilma vão fazer, justamente porque representam setores expressivos da classe dominante que, inclusive, os financiam. Portanto, cabe aos lutadores e socialistas se prepararem para as lutas que virão e ganharem os trabalhadores para a construção de uma alternativa socialista. 
 
Não é possível construir nenhuma alternativa da classe trabalhadora e de esquerda apoiando Aécio, nem aliando-se ao PT, que governa com figuras como Sarney, Maluf, Michel Temer, em prol dos interesses da Friboi, das automobilísticas, das empreiteiras e dos banqueiros. Basta olhar para o financiamento das campanhas para ver que Dilma e Aécio defendem interesses dos patrões.
 
Os trabalhadores precisam se preparar para entrar em campo com toda a sua força para impedir os ataques que virão e levantar um programa que combata a exploração, a patronal e seu Estado capitalista para mudar de verdade o Brasil ao invés de ficar nessa enganação de nova política que não muda nada.
 
O único voto que fortalece nossa luta é o voto nulo
Sabemos que, entre os trabalhadores, neste momento, há muitos que entendem ser necessário votar em Dilma (PT) para evitar a volta da direita, na medida em que Aécio (PSDB) é a volta de FHC. Outros falam em votar em Aécio como uma espécie de castigo no PT, porque se sentem traídos.
 
Entendemos e respeitamos aqueles que votam no mal menor, mas pensamos que é equivocado neste momento votar em qualquer destas duas candidaturas, porque as duas têm compromissos, alianças e um programa em benefício de empresários e banqueiros.
 
A crise econômica que se inicia levará qualquer destas duas candidaturas a tomar medidas duras contra os trabalhadores e a reprimir novas lutas. Vão manter as alianças espúrias, o que levará ao processo de toma-lá-dá-cá em que a corrupção de sempre seguirá adiante. Assim, nossos interesses mais mínimos e democráticos serão sempre sacrificados em nome da governabilidade.
 
O voto nulo é o único que fortalece a classe trabalhadora e a juventude. Desde já, precisamos nos organizar pra que não joguem a crise nas nossas costas. Que os ricos paguem pela crise!
 
Originalmente publicado no Opinião Socialista nº 487 com o título: “Nem Aécio, nem Dilma representam os trabalhadores”