Só a mobilização permanente dos trabalhadores pode derrotar a ultradireitaA população boliviana assistiu a vários dias de violentos ataques da ultradireita que paralisaram o país. Seus bloqueios e grupos de choque impediram o transporte de alimentos entre as regiões e ocuparam as instituições do Estado nos quatro departamentos. A ultradireita tomou as principais instituições federais, como o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Inra), o Serviço de Impostos Nacionais (SIN), a Empresa Nacional de Telecomunicações (Entel), o canal estatal de televisão boliviano, aeroportos, a Superintendência de Hidrocarbonetos e as distribuidoras de gás.

Os bandos fascistas dos “cívicos” disseminaram o ódio, o terror e agressões aos indígenas em toda a região. Na sexta-feira, dia 12, culminaram com um verdadeiro massacre, quando a ultradireita mostrou sua sanha assassina contra os camponeses e o povo indígena em Porvenir, com cerca de 30 camponeses mortos e centenas de feridos e desaparecidos.

Mesmo depois de tudo isso, o governo Evo continuou com sua política de conciliação e convocou um diálogo aceito pelos dirigentes dos cívicos. Quando fechávamos esta edição, estava se realizando uma reunião da Unasul (União dos Países Sul-Americanos) no Chile, convocada especialmente para intermediar a situação boliviana.

À primeira vista, segundo a imprensa, as tensões estariam diminuindo e haveria uma melhora da situação, com a volta da paz e da ordem. O governo boliviano acaba de declarar o estado de sítio em Pando e os “cívicos” declaram que não vão se opor. Prometeram, inclusive, tirar os grupos armados que ocupavam abertamente as ruas.

Essa aparência de calma não deve iludir as massas bolivianas nem latino-americanas. A direita se fortaleceu e aceitou a negociação porque o governo e a Unasul sinalizaram que aceitam a essência de sua pauta de exigências. O perigo é que o movimento operário, camponês e indígena da Bolívia fique adormecido por esse novo chamado ao diálogo e acredite que se pode conviver em paz com os assassinos da ultradireita da oligarquia da Meia Lua.

Quais são as propostas de acordo?
O acordo em processo, segundo a imprensa, giraria em torno da devolução da parte do IDH (Imposto sobre os Hidrocarbonetos) que Evo vem destinando a um fundo para idosos. Uma autonomia qualitativamente maior que, na prática, repassaria os principais poderes de Estado para os “prefeitos” (governadores) da Meia Lua. Uma mudança no projeto da Constituição que lhes garanta essas exigências.

Ou seja, todos os objetivos do movimento dos cívicos foram aceitos pelo governo Evo “sem exigir nada de entrada”, nem mesmo o desarmamento das milícias. Caso se confirme esse acordo, isso representará uma vitória clara da direita, que imporia todas as suas exigências.

Há ainda questões a serem negociadas. Por exemplo, o governo fala em processar o prefeito de Pando, responsável pelo massacre de camponeses. Pelas declarações de Mario Cossio, o prefeito de Tarija que fez a primeira reunião com o governo de Evo, tudo tem sido encaminhado de modo a superar diferenças e problemas.

A direita boliviana quer o poder de Estado, e essa negociação não muda sua estratégia. Ela aceitaria parar a ofensiva temporariamente, pois sai vitoriosa com sua base de massas e seus bandos intocados e, com isso, vai acumulando força seja para uma divisão do país, seja para uma tomada do poder mais adiante. Isto é, planejam chegar ao poder por um golpe ou até por uma via eleitoral após um desgaste maior do governo Evo.

A direita mantém sua base de massas em Santa Cruz e na Meia Lua e todo seu dispositivo militar. Mantém o controle de várias instituições federais na região, tais como as estradas e os aeroportos das cidades de Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Sucre. A extrema direita consolidou seu poder no oriente da Bolívia, depois de tirar daí as forças federais. Na prática, se legaliza um duplo governo na Bolívia, com o oriente do país controlado por essa burguesia ultradireitista.

A política de ceder à direita prepara novas e graves derrotas do movimento
Durante a ofensiva, o governo descartou qualquer medida de enfrentamento com a oligarquia e anunciou que apelaria a todos os instrumentos legais e constitucionais. “Se há movimentos sociais que estão respondendo às provocações, nós lamentamos porque não nos levará a nenhuma parte. Nossa resposta é pacífica”, afirmou o ministro do Trabalho, Walter Delgadillo.

A atual situação demonstrou, porém, que os métodos legalistas não passam de letra morta quando se trata de enfrentar bandos com métodos fascistas. Parece justo para qualquer trabalhador a idéia de evitar na medida do possível o derramamento de sangue. Mas o sangue dos camponeses já corre, e os indígenas foram e continuam a ser humilhados e espancados pelos grupos de choque racistas que vão ficando mais ousados ante a impunidade.

Até mesmo os integrantes da base das Forças Armadas que reagiram contra os bandos foram humilhados e até agredidos, conseqüência de seguir as instruções de sua cúpula e do governo: não reagir perante as agressões dos bandos da Meia Lua.

Para o movimento de massas, fica a questão: como evitar o assassinato de trabalhadores desarmados pelos bandos racistas armados? Como defender os camponeses e trabalhadores para garantir sua vida e as liberdades democráticas, se nem o governo nem nenhuma organização do movimento os preparou? O que devem fazer aqueles que resistem aos bandos fascistas em Santa Cruz, como no Plan 3000 (bairro pobre da região)?

A direção do movimento tem de mudar. Deve alertar para a gravidade e o perigo representados pelos bandos do oriente. Deve preparar a resistência com os métodos de autodefesa e unir os esforços de todo o movimento de massas para derrotar a direita. Deve exigir do governo que puna os assassinos e prenda os dirigentes. Antes que seja tarde, é necessário reagir à altura.

Só a organização e a mobilização podem derrotar a ultradireita
Nos departamentos onde ocorreram os conflitos, os camponeses mostraram estar dispostos a protagonizar uma heróica resistência. Mais de dois mil camponeses de Cochabamba iniciaram bloqueios das rodovias em direção a Santa Cruz. A COB definiu organizar uma mobilização nacional para o dia 16 e a realização de uma assembléia nacional das organizações operárias e camponesas na cidade de Santa Cruz.

Lá, várias organizações populares e da juventude operária, especialmente nos bairros pobres, se organizaram para responder aos ataques dos grupos fascistas. “Que venham! Vamos enfrentá-los”, disse um jovem que, junto a seus companheiros, expulsou a UJC da região. No bairro Plan 3000, os moradores, cuja maioria é de origem indígena do altiplano, organizaram uma vigília diária para impedir os bandos fascistas de atacar suas casas.

Mas não bastam as ações isoladas. É necessário que a COB assuma esse chamado à organização da unidade em nível nacional das organizações operárias, camponesas e da juventude e dos comitês de autodefesa. É necessário agora tirar as lições desse processo e exigir o desarmamento e a prisão dos chefes da ultradireita. Só a ação direta, com mobilizações massivas e a autodefesa armada do povo, poderá derrotar os bandos armados a serviço da burguesia. Essa lição é ainda mais necessária agora que os acordos indicam que eles permanecerão armados e impunes.

Por outro lado, devido à capitulação do governo, o caminho da Constituição e do referendo para enfrentar os problemas de fundo dos trabalhadores está afastado. É necessário apontar o caminho da ação direta, que unifique o movimento de massas. Um plano de luta que construa uma paralisação nacional para enfrentar esses setores e o imperialismo e exigir que Evo cumpra a “agenda de outubro” da revolução de 2003. Ou seja, que exproprie os grandes latifúndios do oriente e distribua terras aos camponeses, nacionalize todas as agroindústrias que especulam com a fome dos bolivianos e estatize sem indenização todos os recursos naturais e expulse as multinacionais do país.

Post author Joallan Cardim e Nericilda Rocha, de La Paz, Bolívia
Publication Date