Foto Movimento Mulheres em Luta (MML)
Marina Cintra, de São Paulo (SP)

Marina Cintra, pela Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

O ano mal começou e os números da violência contra as mulheres já explodiram. De acordo com dados levantados pela Globo News e pelo G1, os casos de feminicídio em São Paulo, aumentaram em 76% nesse primeiro trimestre de 2019. Em Santa Catarina foi ainda pior, entre 1º de janeiro e 18 de março, 11 mulheres foram assassinadas, o que representa um aumento de 83% em comparação ao mesmo período de 2018.

No Brasil, desde o início do ano até março, já haviam sido noticiados 344 casos de feminicídio tentados ou consumados, sendo que desses, 207 resultaram na morte da mulher. Em relação à violência doméstica, segundo o Datafolha, nos últimos 12 meses 1,6 milhão de mulheres sofreram tentativa de espancamento ou agressão, e mais de 22 milhões passaram por algum tipo de assédio, isso sem falar nos casos de estupro. As principais vítimas são mulheres negras e jovens, e em 74% o agressor é um conhecido.

É provável, entretanto, que esses números sejam maiores, pois existe uma grande subnotificação quando o assunto é violência à mulher. Infelizmente, muitas mulheres não prestam queixa quando são vítimas de violência sexual ou doméstica, seja por medo ou vergonha, ou até mesmo por sentirem-se ou temerem ser culpabilizadas pela violência que elas próprias sofreram.

O crescimento do feminicídio e esses dados assustadores da violência mostram a face mais brutal da sociedade que vivemos. O capitalismo, longe de conceder às mulheres a igualdade de direitos e libertá-las da opressão e da violência, perpetuam essa condição, naturalizando o machismo, que é utilizado para dividir a classe e superexplorar as mulheres trabalhadoras, aumentando assim seus lucros. Em sua fase decadente, esse sistema impõe ainda mais barbárie e violência, degradando as relações entre os indivíduos e aprofundando o machismo e a opressão, resultando nesse quadro de horror que estamos vivendo nesse momento.

No caso do Brasil, porém, temos um componente a mais, a eleição de Bolsonaro potencializou a violência aos setores oprimidos, pois seu discurso atiça o preconceito e o machismo, bem como o racismo e a LGBTfobia. Bolsonaro, quando ainda era deputado, num discurso em plenário, chegou a dizer a uma colega de parlamento que “só não te estupro por que você não merece”. Como presidente já deu várias declarações machistas, na mais recente, fez apologia ao turismo sexual afirmando que “quem quiser vir ao Brasil fazer sexo com mulher fique à vontade”. Sua ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou numa audiência no Congresso que “a mulher no casamento deve ser submissa ao marido”. Essas declarações reforçam estereótipos de gênero e aprofundam a relação de desigualdade e violência na qual nos encontramos.

Some-se a isso a crise econômica e o desemprego, bem como os cortes de verbas, por parte dos governos nas áreas sociais, como saúde, educação e assistência social, etc., além da aplicação da reforma trabalhista e a atual proposta de reforma da Previdência de Bolsonaro. Há quem pense que isso não tem nada a ver com o crescimento da violência às mulheres e os feminicídios, mas é tudo o contrário, o desalento e a falta de perspectiva, o crescimento da pobreza e da miséria deterioram as relações familiares, acentuam o machismo naturalizado na sociedade e exacerbam a violência aos setores oprimidos.

Os cortes de verbas nas áreas sociais, que poderiam minimizar os efeitos da crise e do desemprego, deixam as mulheres trabalhadoras mais vulneráveis, uma vez que a dependência econômica e a falta ou a dificuldade de acesso aos serviços de proteção e apoio às vítimas, como delegacias especializadas, casas abrigo, e/ou atendimento médico e psicossocial se tornam obstáculos poderosos na hora de romper com relacionamentos abusivos.

O que fazer diante da violência?
A violência contra as mulheres é algo tão naturalizado e cotidiano nas nossas vidas que muitas vezes achamos que é um problema sem solução. Entretanto, é possível sim enfrentar essa questão de forma séria, mas para isso é preciso ter vontade política e medidas efetivas. A Lei Maria da Penha, por exemplo, que poderia servir como um instrumento para as mulheres na luta contra a violência, tem se mostrado praticamente sem efeito pela falta dos equipamentos necessários para sua aplicação. Sem o atendimento adequado, as mulheres continuam sendo vítimas da violência doméstica, e em casos mais graves acabam sendo mortas.

Sem delegacias especializadas, com atendimento 24h, 7 dias por semana, com pessoal qualificado, não apenas nos bairros nobres das grandes cidades, mas nos bairros populares, onde as mulheres trabalhadoras estão e nas pequenas cidades e no campo, não se pode falar em uma política séria de enfrentamento à violência. As mulheres vítimas de violência devem receber acompanhamento médico e psicológico com profissionais capacitados, ter acesso a casas abrigo onde possam permanecer junto a seus filhos até quando for necessário para assegurar sua vida e o agressores devem ser devidamente punidos.

Nada parecido com a campanha “Salve uma Mulher”, lançada em março pela Ministra Damares e cujo objetivo é treinar profissionais da beleza para identificar sinais de agressão e violência entre suas clientes. Essa política nem de longe responde ao tamanho e gravidade do problema que as mulheres estão enfrentando, sem uma ampla campanha de combate ao machismo, à violência e a favor dos direitos das mulheres, que seja veiculado em todos os meios de comunicação e faça parte dos currículos escolares, seja levado para os locais de trabalho, etc. não existe a menor possibilidade de reduzir os índices de violência e feminicídios.

Para ajudar a romper o ciclo da violência é fundamental ainda garantir autonomia às mulheres, isso significa emprego, renda, moradia, creche e escolas em tempo integral onde deixar os filhos e igualdade salarial entre homens e mulheres; o que requer investimentos em saúde, educação, infraestrutura, bem como a revogação da lei da terceirização e da reforma trabalhista, uma lei de salário igual para trabalho igual e pôr abaixo a reforma da Previdência, que só vai gerar mais miséria e desigualdade. É preciso também um aumento geral de salários, começando pelo salário mínimo e diminuir a jornada de trabalho sem reduzir os salários, além de um plano de obras públicas para construção de moradias, escolas, creches, serviços de saúde, saneamento básico, etc. que além de servir para gerar empregos, vai melhorar as condições de vida da classe trabalhadora e consequentemente das mulheres trabalhadoras.

Evidentemente que para implementar esse conjunto de medidas é preciso ter dinheiro, o governo Bolsonaro tenta nos convencer que sem a reforma da Previdência o país está quebrado, mas o que ele não diz é que a dívida pública consome praticamente metade do Orçamento todos os anos.

Esse dinheiro que deveria estar sendo investido na Saúde e na Educação, no combate à violência e em outras áreas sociais, tem sido sistematicamente desviado para os bolsos de banqueiros e especuladores nacionais e internacionais, e tudo o que o governo Bolsonaro tem dito e feito desde que assumiu a presidência (os duríssimos cortes no orçamento e a campanha midiática para aprovar a reforma da Previdência), tem um único objetivo: manter e assegurar mais lucros para os bancos privados e para as empresas. Por isso, a tarefa que está colocada hoje é derrotar esse governo, e para isso é necessária uma grande greve geral que unifique toda a classe, homens e mulheres e que sirva para por abaixo Bolsonaro e seus planos de ataque à classe trabalhadora, nesse sentido, a luta contra o machismo e a violência não está descolada das lutas mais gerais da classe, pelo contrário, é parte dela e deve ser assumido por todos os trabalhadores como uma demanda sua.

Bolsonaro e seus agentes são inimigos das mulheres e pouco se importam com as nossas vidas, por isso é fundamental derrotá-lo. Mas atenção! Nenhum governo que esteja a serviço dos patrões vai acabar com a violência e garantir melhores condições de vida para as mulheres trabalhadoras. O PT por exemplo, governou por mais de uma década e inclusive elegeu a primeira mulher presidenta do país, no entanto, isso não serviu para mudar estruturalmente a vida das mulheres trabalhadoras, sequer foi o suficiente para garantir uma lei de salário igual para trabalho igual ou a descriminalização e legalização do aborto ou mesmo reduzir os índices da violência contra a mulher, pois sem dinheiro para a aplicação da lei Maria da Penha, virou letra morta durante todos esses anos de governo petista.

Só um governo que esteja integralmente a serviço da classe trabalhadora poderá de fato implementar essas medidas, um governo dos trabalhadores sem patrões e sem burgueses, que se apoie em conselhos populares para governar. Por isso, junto com a tarefa de derrotar Bolsonaro é preciso também travar uma luta sem tréguas contra qualquer projeto de conciliação de classes. Para nós, a luta contra o machismo e a violência não pode estar desvinculada da luta pela transformação da sociedade, ou seja, para pôr fim ao capitalismo e construir o socialismo. Qualquer organização que defenda que é possível acabar com a opressão nos marcos do capitalismo está mentindo, qualquer organização que proponha uma unidade permanente das mulheres trabalhadoras com as burguesas estará na prática traindo as trabalhadoras.

As mulheres trabalhadoras não podem se deixar enganar, o fim da opressão e do machismo só é possível com o fim do capitalismo, mas a derrota do capitalismo tampouco é possível pela via eleitoral e muito menos por meio de projetos eleitoreiros de conciliação de classes. Pelo contrário, o país precisa de uma revolução de toda a classe trabalhadora contra a burguesia, na qual as mulheres devem ser vanguarda, combinando a luta contra opressão e o machismo à luta contra o capitalismo e a exploração!