O BNDES deveria financiar projetos sociais, mas são os grandes grupos de comunicação que vão garfar R$ 2,5 bilhões para pagar dívidas, sem criar nenhum emprego`ArteHá tempos, a história da dívida das empresas brasileiras de mídia tem ocupado os noticiários. Um dos principais focos é a proposta de empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para “salvar” o setor. Dois questionamentos estão sendo levantados. Um deles é sobre a finalidade dos recursos desse banco; o outro é quanto à moralidade dessa operação.

No início do ano, o “debate” chegou a assumir perfil de campanha publicitária. Nessa guerra, vale tudo, inclusive grupos como a Globo organizar seminários “em defesa e pela valorização da produção artística nacional” e se apresentar, com o apoio de parlamentares do PT, como defensora da cultura nacional.

Mas afinal, o que está acontecendo?

Oficialmente, são R$ 10 bilhões em dívidas, dos quais 60% pertencem à Rede Globo. Dívidas relacionadas, majoritariamente (80%), a empréstimos contraídos em dólar. O dinheiro teria sido destinado, nos anos 90, para a reestruturação do setor e investimentos em novos negócios – TV por assinatura, telefonia e internet.

Esses investimentos ocorreram durante o governo FHC, cuja política foi quebrar o monopólio estatal da telefonia e, em 1998, privatizar a Telebrás. Na época, com a equivalência entre o dólar e o real, mesmo sem ter capital, inúmeras empresas recorreram a empréstimos no exterior.

De olho na privatização e na ampliação dos negócios, grupos entraram de cabeça, com empresas estrangeiras, nos novos investimentos. Entretanto, depois da bonança, veio a tempestade. A equiparação entre o dólar e o real acabou. A crise econômica fez cair o número de inserções publicitárias. A venda de jornais e revistas também entrou em declínio. O número de assinantes dos canais “fechados” não chegou ao esperado. Parcerias com o capital estrangeiro naufragaram. Foi quando entrou o BNDES.

Procurado por entidades do setor, o BNDES apresentou ao Senado, há duas semanas,
uma resposta ao pedido de financiamento: R$ 2,5 bilhões para o refinanciamento das dívidas, cabendo a cada grupo R$ 500 milhões.

Os problemas que envolvem esse acordo são muitos. O setor de telecomunicações que, entre 2001 e 2002, demitiu mais de 10 mil trabalhadores, não criará um único emprego. Além disso, não foi criada nenhuma medida em direção ao controle e à democratização do setor. O governo Lula repete a antiga fórmula das relações entre mídia e poder.

Mídia x Poder: uma velha relação

Associados ao capital financeiro e assentados nas inovações tecnológicas, os meios de comunicação de massa, cada vez mais, se concentram nas mãos de um punhado de mega-empresas mundiais. Esses conglomerados controlam a produção de programas para TV, filmes, impressos, CDs, jogos de videogame, notícias, desenhos animados etc., mantendo relações cada vez mais íntimas com o poder nos países imperialistas. Uma tendência do capitalismo mundial.

No Brasil, sua expressão pode ser identificada nas políticas neoliberais, em particular, para o setor das telecomunicações, aplicadas por FHC e na forma pela qual a mídia nacional reproduz os consensos ideológicos gerados nos países centrais.

No entanto, o monopólio no Brasil, impulsionado durante a ditadura militar, tem características peculiares. Aqui, há a concentração da propriedade, incentivada pelo descarado descumprimento da lei (como no caso da que estabelece limites à propriedade, por um mesmo grupo, de emissoras de rádio e TV), além da conveniente inexistência de normas que regulem a formação de redes nacionais e/ou regionais. Outra característica é o fato do sistema brasileiro ser dominado por elites políticas. Os Sarney (no Maranhão), Barbalho (no Pará), Collor de Melo (em Alagoas), Magalhães (na Bahia), Quércia (em São Paulo) etc. No Senado, atualmente, pelo menos 36% dos parlamentares mantêm vínculos com veículos de comunicação. A presença dos proprietários de mídia também é garantida no primeiro escalão do governo. O exemplo é o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Para os grandes grupos, a política governamental beira à promiscuidade – com empréstimos de dinheiro público, favorecimento à Globo no investimento de verbas publicitárias (a emissora garfou 61% das verbas de 2003) e participação explícita de seus representantes em campanhas em defesa de emissoras. Já, para as rádios comunitárias, vale a força da lei e a morosidade na autorização para funcionamento e uma fiscalização tão rígida que, somente no primeiro ano de gestão Lula, foram fechadas 2.759 rádios, 17% a mais que no último ano de FHC.

Democratização do sistema

Ao contrário do discurso governamental, a defesa da cultura e da soberania nacional não passam pelo monopólio global ou de qualquer outro grupo, mas, sim, pela democratização do sistema de telecomunicações. Para começar, é preciso acabar com o monopólio, fortalecer as redes públicas e estatizar o sistema, além de reconhecer e incentivar as rádios e TVs comunitárias. Até agora, o que fez o governo Lula foi superar FHC na perseguição às rádios comunitárias e manter um Conselho Nacional de Comunicação a serviço das elites.

Post author Eneida Almeida, especial para o Opinião Socialista
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