Qualquer cidadão bem informado que estivesse passando pela Avenida Paulista na tarde do dia 19 de março poderia ficar espantado com a cena que se desenrolava frente os seus olhos. Fechando completamente a avenida, dezenas de milhares de professores da rede pública estadual realizavam uma ruidosa manifestação, com faixas e cartazes bradando “greve”.

Fosse ele um cidadão preocupado com as notícias que lê regularmente nos dois principais jornais do estado antes do café, poderia estranhar aquela movimentação. De onde teriam saído todos aqueles professores? Ora, tanto a Folha de S. Paulo quanto o Estado de S. Paulo cobriam cotidianamente a greve dos professores da rede estadual. Mas nessa greve informada pelos grandes jornais havia baixa adesão da categoria e esvaziamento, pois se trataria de uma greve “política” forjada por meia dúzia de radicais.

Quando a imprensa se revela
A greve dos professores da rede pública, iniciada no dia 8 de março, vem sendo um revelador exemplo do verdadeiro caráter da chamada grande imprensa. Desde seu início ela vem sendo sistematicamente atacada, através de editoriais ou reportagens editorializadas com o claro objetivo de desmoralizar a paralisação e os próprios professores.

Logo no primeiro dia de greve, foi decretado o fracasso da mobilização. Os jornais repercutiram a nota da Secretaria da Educação do governo Serra que atestava a adesão de apenas 1% dos docentes. Mas, jornal que se preze sai a campo para apurar as informações. E foi assim, dando cara de reportagem para artigos que poderiam ter vindo da assessoria do governo, que o Estadão, por exemplo, publicou verdadeiras pérolas, dignas de figurarem nas aulas da faculdade de jornalismo. Nas aulas de ética.

Uma delas, do dia 10 e publicada no site, relatava as razões do suposto fracasso da paralisação. “Descrença na eficácia de greves, desconfiança nas razões dos sindicatos e temor de perder rendimentos foram apontados por professores como motivos de eles não aderirem à greve da rede estadual de educação, que entrou ontem no segundo dia com baixa adesão”, dizia a reportagem “Professores afirmam não acreditar na eficácia da greve”.

Já editorial do jornal publicado um dia antes, “Greve política”, colocava de maneira mais aberta a posição da empresa, tascando sem mediações assertivas como: “A greve do professorado paulista não passa de encenação”. O argumento desfiado era que se trata de uma greve eleitoral para atacar Serra, com reivindicações exclusivamente corporativas. O editorial da Folha, do dia 10, intitulado “Queda de braço”, também não escondia seu lado ao afirmar que “para sorte das famílias que dependem do ensino oficial, a adesão está baixa”.

A Folha, porém, preferiu terceirizar os ataques mais diretos. No caso, o serviço sujo ficou a cargo do articulista Gilberto Dimenstein, que mantém uma coluna na Folha Online, chamada Pensata. O jornalista, que também dirige uma ONG voltada à educação, publicou um artigo com o titulo infame de “Uma greve contra os pobres”. Logo no início do breve artigo, ele avisa “não vou discutir aqui o pedido de aumento salarial”. Ele quer sim discutir o que considera “reivindicação contra o mérito”, que balizaria a greve que, por sua vez, prejudicaria os mais pobres, aqueles que dependem do serviço público.

Deu pra entender? Dimenstein, para começo de conversa, ataca brutalmente a greve e, logo, os professores que fazem greve. Mas simplesmente não toca na principal reivindicação, de reajuste de 34%, na verdade a reposição de perdas que a categoria sofreu desde 1998. Isso ele não quer discutir. Como também não quer debater as demais reivindicações, como abertura de concurso para efetivação dos temporários (que hoje somam algo como 40% dos docentes) e a limitação do número de alunos por sala de aula, hoje abarrotadas com até 50 estudantes por classe.

Estivesse realmente preocupado com o destino do ensino público, o título do artigo de Dimenstein poderia ser: “Uma política educacional contra os pobres”, ou até mesmo “Um governo contra os pobres”. Estranho que os pobres só sejam lembrados neste momento, quando os professores deixam a rotina e partem para as ruas.

Imprensa reacionária e a perda da credibilidade
O que estão por trás de tantos ataques? Que os principais veículos de mídia no estado são historicamente ligados ao PSDB não é segredo para ninguém. O caso, porém, parece exceder os limites das disputas partidárias. Quando os servidores federais, um dos setores mais castigados nos últimos anos, partem para a greve contra o governo Lula, por exemplo, não são tratados com mais condescendência pela imprensa.

Para além da disputa eleitoral, está um arraigado ranço autoritário e reacionário, que ataca tudo o que lembre greve ou mobilização. É assim em qualquer esfera, tanto municipal, quanto estadual ou Federal. E é justamente em situações como essa que a chamada grande imprensa abandona seu verniz democrático e imparcial, partindo para o ataque com a disciplina e a unidade de um verdadeiro partido político.

A diferença no caso da greve do professorado paulista é que a distorção e a manipulação são tão gritantes, que está minando qualquer tipo de credibilidade desses veículos. Quando um jornal distorce os fatos numa ocupação de terra, por exemplo, não há qualquer possibilidade de o leitor ir lá verificar a veracidade do que fora noticiado. Manipular informações sobre a greve e a real situação do ensino público paulista é outra coisa. Estamos falando de um universo de 220 mil professores, e algo como 5 milhões de alunos que, diariamente, convivem com a precariedade das escolas estaduais.

A categoria, composta principalmente por professores de classe média, cada vez mais baixa, mas ainda classe média compõe o principal alvo comercial de jornais como Estadão e a Folha. Mas, a cada dia, os professores vão descobrindo que, como disse Gramsci sobre os jornais e a classe trabalhadora, “a moeda atirada distraidamente para a mão do ardina é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno”.

Num momento em que os jornais vão perdendo leitores e se reformulando graficamente para garantir uma roupa nova às velhas ideias, fica a questão: até que ponto a perda da credibilidade não influencia para a rápida decadência da imprensa?

Uma pergunta que, com certeza, não só o nosso amigo distraído que caminhava pela Paulista faria, como a massa de professores, alunos e pais de alunos que estão descobrindo como a imprensa mente.