Mulheres da ex Convergência Socialista que lutaram contra a Ditadura e foram anistiadas pelo Estado Brasileiro

Nas greves operárias, as mulheres não só desafiavam o poder, mas também a opressão sobre elas

Não é de hoje que as mulheres são esquecidas (ou excluídas) como sujeito da luta de classes no nosso país e no mundo. Na mais importante revolução de nossa história, a Revolução Russa, também se encontram pouquíssimos textos sobre o papel da mulher. Em um artigo, Alexandra Kollontai, diz:

Algum dia a historia escreverá sobre as proezas dessas heroinas anônimas da revolução, que morreram na Guerra, foram mortas pelos Brancos e amargaram incontáveis privações nos primeiros anos seguintes a revolução, mas que continuou a carregar nas costas o Estandarte Vermelho dos Poder Soviético e do comunismo.[1].

Infelizmente, as proezas dessas heroínas continuam desconhecidas pela história. As mulheres trabalhadoras carregam o fato de ter a memória de sua luta apagada pela história oficial, escrita pela classe dominante. Nas poucas lembranças existentes, seu papel é desprezado porque sofrem a opressão de gênero.  Assim, a luta contra a ditadura militar no Brasil possui poucos registros e são escassos os estudos que resgatam o papel da mulher nesses anos “de chumbo”.

Não temos a pretensão nem a condição de recontar a história e resgatar em cada ponto dela as heroínas que estiveram nas diversas frentes de luta, lado a lado com os homens contra a ditadura.  Como diz Alexandra Kollontai, algum dia a história escreverá. Acreditamos.

Nosso objetivo é contribuir para a construção da memória social de nossa classe, resgatando o papel da mulher na luta contra a ditadura. Chamar a atenção para a participação da mulher nas lutas do passado e, sobretudo alertar para a necessidade de, no dia a dia de nossas batalhas atuais, considerar, registrar, ressaltar a participação da mulher. Acima de tudo, incentivá-la a ser parte da história por uma sociedade mais justa, mais igualitária, uma sociedade socialista, onde a opressão sobre a mulher tenha possibilidade de desaparecer.  

As mulheres estiveram nas organizações de esquerda e na luta armada
Segundo a Comissão Nacional da Verdade, a partir dos levantamentos realizados até o momento, as mulheres representam 11% do total de mortos e desaparecidos políticos no período da ditadura militar[2].

As mulheres participavam de todo tipo de ações, inclusive as ações armadas. Segundo Ridenti [3], em um estudo sobre militantes processados pela ditadura militar, em cerca de 40 organizações de esquerda, as mulheres chegavam até 30% do total de processados de em algumas organizações. Em média, eram 18%.  Organizações como a ALN (Aliança Libertadora Nacional) e VPR (Vanguarda Popular Revolucionária)tinham respectivamente 15,4% e 24,1% de mulheres processadas em relação ao total.

A CS – Convergência Socialista, antecessora ao PSTU, também lutou incansavelmente contra a ditadura nos anos 70 e 80. São 39, cerca de 20%, as mulheres da organização que hoje exigem reparação pela perseguição, tortura e prisões sofridas na luta contra a ditadura. Já somos 8 mulheres anistiadas.

As mulheres lutaram nas ruas e nas universidades, nas escolas, no campo e na cidade
As mulheres foram para as ruas nas diversas manifestações e passeatas, na luta contra a carestia, em movimentos de mulheres que protestavam contra a repressão a seus familiares. Estiveram presentes com ousadia exigindo liberdade e o fim da censura e também foram a mulheres as principais organizadoras e lutadoras nos Comitês Brasileiros pela Anistia.

A resistência do movimento estudantil foi muito importante nos anos 60 e 70, e as jovens mulheres também estavam presentes. Era a defesa da educação, da liberdade e contra a repressão que buscava desarticular a União Nacional dos Estudantes. Em 1966, no congresso clandestino realizado em Belo Horizonte, as mulheres eram 10% do total de delegados, ou seja, 30 entre os 300. No 30° congresso realizado em Ibiúna, no ano 1968, onde a repressão invadiu e prendeu os participantes, estavam cerca de 140 mulheres entre os 900 presentes.

As mulheres fizeram greves e lutas nas fábricas
Em 1968, houve greves operárias, mas foi no final da década de 70 e início da década de 80 que a classe operária insurgiu na luta por seus direitos e afrontou os alicerces do regime ditatorial. Nesse momento, se formou a aliança operária- estudantil e se fortaleceu a luta com batalhões de trabalhadores e trabalhadoras.

Os empresários colaboraram com a ditadura militar, ajudando financeiramente o aparato repressivo e perseguindo dentro das empresas aqueles e aquelas que lutavam. Essa parte da história, que começa a ser desvendada, tem ainda menos registros que as demais.  Mas, a cada dia, aumentam as listas dos já milhares de trabalhadores e trabalhadoras que foram demitidos/as, perseguidos/as com seus nomes em listas que percorriam as empresas e os órgãos repressivos.

Nessas greves operárias, estavam as mulheres, mais uma vez desafiando o poder e a opressão sobre elas. No entanto, é nesse setor que a maioria das mulheres que lutaram continuam no anonimato, pois a opressão sofrida em todas as esferas de suas vidas contribuiu para que uma minoria continuasse na luta e que hoje possam contar suas histórias.

SIM, essas mulheres são heroínas
Não é exagero chamar de heroínas as mulheres que lutaram contra a ditadura, pois assim como hoje a mulher nos anos sessenta, setenta e oitenta tinha que enfrentar obstáculos maiores que os homens para encarar uma militância política, participar de uma manifestação ou uma greve.

As mulheres, em 1970, significavam 50,3% da população e no mercado de trabalho eram aproximadamente 21%. O papel da mulher era ser mãe e dona de casa. Aquelas que passavam por cima dessas normas, questionavam e ultrapassavam o espaço do lar, participando das lutas, eram vistas como a negação das mulheres, pois só ao homem era permitido meter-se na política. 

A mulher militante política nos partidos de oposição à ditadura militar cometia dois pecados aos olhos da repressão: de se insurgir contra a política golpista, fazendo-lhe oposição e de desconsiderar o lugar destinado à mulher, rompendo os padrões estabelecidos para os dois sexos. A repressão caracteriza a mulher militante como Puta Comunista.[4]”

Para a repressão, era a puta comunista. Para a família, era a decepção, pois os seus parentes queriam mesmo era vê-la casada, exercendo seu papel de mulher e, na militância, se assexuavam para tentarem se igualar aos homens. Isto porque nos grupos de esquerda, o papel exercido pelo homem militante era sempre superior ao da mulher e o combate ao machismo era secundarizado em função da “luta maior”.

Muitas heroínas, anônimas, ignoradas pela história, não estão mais entre nós porque foram assassinadas ou suas vidas foram marcadas pela repressão e a opressão, dificultando ainda mais a continuidade da sua militância política.  Cabe a nós, mulheres trabalhadoras, resgatar essa história e, ombro a ombro com os homens, combatendo o machismo, lutar por uma sociedade socialista, uma sociedade onde a mulher tenha plena liberdade.

[1] Kollontai, Alexandra, Mulheres Militantes nos Dias da Grande Revolução de Outubro. Acessado 12/03/2014 em: http://www.marxistsfr.org/portugues/kollontai/index.htm

[2] Vasconcelo Quadros , iG São Paulo, Mulheres integraram “grupo de fogo” da luta armada durante a ditadura militar. 01/04/2013.

[3] Ridenti, Marcelo Siqueira, As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo Social; Rev, Social, USP, S.Paulo, 2(2): 113-128, 2.sem. 1990.

[4] ] Colling, Ana Maria, As mulheres e a ditadura militar no Brasil. Acessado 12/03/2014 em: http://ich.ufpel.edu.br/ndh/downloads/historia_em_revista_10_ana_colling.pdf