Moradores começam a construir os primeiros barracos
Clara Zardo

Entre uma das principais rodovias da cidade e uma grande avenida estratégica, a ocupação do MTST em Campinas chega ao quarto diaNa sexta-feira, 28 de março, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) organizou a entrada de 300 famílias no local e, hoje, elas já somam mais de 800 famílias. Militantes do PSTU, PSOL, sindicato dos metalúrgicos, MST, Conlutas e outros movimentos aliados estiveram na noite da ocupação e continuam contribuindo para intensificar a força do movimento no local. Na manhã desta quarta-feira, houve uma assembléia para resolver questões de organização interna.

A área ocupada possui sete donos e, na verdade, nenhum. O IPTU não é pago há dez anos e o valor da dívida já ultrapassa o valor do próprio terreno. A reivindicação do movimento é a desapropriação desta área pela prefeitura e que ela seja destinada à construção de moradias populares. Em Campinas, segundo a própria prefeitura, existem 400 mil pessoas que moram em áreas irregulares. Isto significa que pelo menos 40% da população não possui casa garantida. “A cidade tem 36 mil famílias no cadastro da Cohab e com cinco meses sem pagar aluguel já estão sofrendo ação de despejo”, explica Marco, liderança do MTST.

Diante deste déficit habitacional, a jornada nacional de lutas do MTST – que prevê não somente a luta por moradia, mas também a reforma urbana e denúncia de todas as reformas que retiram direitos dos trabalhadores – vem se intensificando mais ainda no estado de São Paulo.

Até agora, os ocupantes não receberam a liminar de reintegração de posse. Ela foi pedida no final de semana, mas a juíza indeferiu por não considerar regime de urgência. A organização do MTST possui um advogado de plantão no fórum para acompanhar as tramitações.

Organização interna
Por enquanto, a ocupação está organizando-se internamente, pois há muitas famílias chegando. “A idéia é encher os terrenos, vamos pintar os barracos, fazer os núcleos internos, as cozinhas, os banheiros”, afirma Marco. “Nós aprovamos o regimento interno em assembléia com todas as regras do movimento como, por exemplo, horário de silêncio, proibição de comércio, respeito na convivência, entre outros”, disse Natália, também do MTST.

Para o movimento, este período de organização interna é importante para a formação política do acampamento e a garantia de manutenção do grupo coeso e em luta. A experiência de assembléias, núcleos internos, reuniões diárias e a criação e cumprimento de regras feitas pelos próprios trabalhadores são importantes para o avanço da consciência e a manutenção da luta. “As pessoas estão animadas, estão acreditando no sonho de ter uma moradia. Estamos nos esforçando para manter este sonho organizado que é o papel do movimento”, explica Bruno, do MTST.

Em relação à arrecadação de alimentos, vestuário, bebidas, remédios, os ocupantes contam com a ajuda dos sindicatos e movimentos estudantis e alguns vizinhos que se solidarizam. No entanto, o número de famílias cresce a cada dia. Todo o tipo de doação é bem-vinda. “Aqui a vida é mais difícil: não tem água, não tem luz, mas é um sacrifício que vale a pena. Mas a recompensa vem, eu tenho certeza que vem, e ela depende da nossa luta e da nossa garra. Estou aqui para lutar”, declara uma ocupante do acampamento.

“Estamos criando as nossas próprias regras, ou seja, que vêm do trabalhador. A polícia não entra aqui para dar regras, porque essas vêm da burguesia e nós não vamos aceitá-las” disse Bruno, do MTST. “Não estamos aqui para lutar pelas pessoas, apenas organizamos a força que elas já têm. Sem a mobilização popular, o movimento não é nada”, conclui.

Repercussão
As lideranças do MTST já têm informes de repercussões em diversos veículos, como Correio Popular, Rádio CBN, Bandeirantes, Folha Online. Eles receberam ligações da Globo News e da Agência Reuters. A notícia está se espalhando, e o fato político está criado. No final de semana, a Confederação Geral do Trabalho, da Espanha, fez uma manifestação em frente à embaixada brasileira em apoio às ocupações do MTST.

Jornada Nacional
As ocupações de Mauá e Embu das Artes, ambas periferias de São Paulo, permanecem. Até quarta-feira, não havia liminar de reintegração de posse. “Vale lembrar que esta ação [de Campinas] não é uma ação isolada. Faz parte de uma jornada nacional que tem embasamento político e o apoio de grande parte de toda a esquerda desde sindicatos, passando por movimentos e até partidos de luta”, diz a coordenação MTST. No Amazonas, três companheiros foram feridos durante ação de repressão.

Por fim, o movimento organiza e luta para que as causas da mobilização não parem somente na moradia. “Aqui a realidade é muito diferente: e é nela que nos apoiamos inclusive para formar militantes e despertar o sentimento de solidariedade e coletividade que não é o que impera aí fora”, explica Marco. “No acampamento não tem saída: ou a gente faz as coisas em coletividade, ou não conseguimos sobreviver aqui dentro”, completa.

E o representante do MTST faz um convite: “lutamos também para trazer as pessoas de fora para conhecer a realidade do povo. Grande parte dos estudantes, principalmente de classe média, ficam afastados do dia-a-dia do povo e, vir para um acampamento desses, é uma experiência de formação política tanto para quem está dentro quanto para quem estava fora do movimento”.