Secretaria Nacional LGBT

Como parte do processo de reorganização dos movimentos sociais, a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) pode criar uma alternativa de luta e de esquerda para gays, lésbicas, bissexuais e transgênerosQuando nos deparamos com a situação do movimento de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT) no Brasil ou no restante do mundo, particularmente nos últimos dez anos, nos salta aos olhos seu distanciamento de um debate político mais aprofundado e sua quase aversão ao restante das lutas sociais.

Contudo, ao remontarmos brevemente a história do movimento, podemos observar que sua origem foi bastante diferente. Já houve momentos em que o movimento esteve enraizado socialmente na classe trabalhadora, envolvido com suas lutas e cumpriu um importante papel na politização da discussão sobre a opressão.

Recentemente, dada a incorporação da CUT e diversos outros setores do movimento social ao governo Lula, abriu-se um processo de reorganização da militância sindical e social, aglutinando os setores mais comprometidos com a luta política e com o combate aos pelegos governistas. Um de seus resultados foi a construção da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), que agrupa em seu interior setores dos movimentos sindical, camponês, popular e, também, GLBT, reabrindo a perspectiva da politização e da unidade com outros setores de explorados e oprimidos da classe trabalhadora.

Um breve histórico: as origens do movimento GLBT na América Latina
Nos EUA, já nos anos 50, quando ainda imperava a perseguição política e moral conhecida como macartismo, alguns pequenos grupos GLBT começaram a se organizar, impulsionados por militantes e ex-militantes do Partido Comunista e setores que despontavam do nascente movimento por direitos civis, que varreu os Estados Unidos nos anos do pós-2ª Guerra.

Estes grupos foram de grande importância para preparar o grande ascenso dos anos 60, com a explosão do movimento contra a guerra do Vietnã e dos protestos contra a discriminação racista, sexista e homofóbica.

Para o movimento homossexual, o divisor de águas nesta história foi a rebelião de Stonewall, um bar em Nova York freqüentado por gays, lésbicas e travestis, que sofria freqüentes investidas policiais marcadas por forte repressão. Foi neste local que, no dia 28 de junho de 1969 (transformado, desde então, em Dia do Orgulho GLBT), irrompeu uma batalha campal que durou quatro dias e marcou a virada do movimento para a resistência aberta à opressão.

No mesmo ano, surgiu, na Argentina, o grupo “Nuestro Mundo”, composto por ex-militantes do Partido Comunista, que haviam sido expulsos exatamente por serem gays. Uma parte de seus membros era formada por dirigentes sindicais e suas atividades eram voltadas para a classe trabalhadora.

No restante da América Latina, a história não foi muito diferente. No decorrer dos anos 70 e 80, muitos dos dirigentes das organizações de homossexuais que começaram a surgir no subcontinente eram ativistas, líderes, membros ou dissidentes de partidos comunistas e grupos de esquerda.

Influenciados pelo clima de questionamento dos modelos burgueses de conduta que marcava o período posterior a 1968, surgiram grupos gays no México, Porto Rico e vários outros países. Em diversos casos, o discurso, programa e mesmo o linguajar destes grupos deixavam claros sua herança e vínculo com a esquerda e as lutas sociais do momento.

Na Argentina, posteriormente ao “Nuestro Mundo”, surgiu a “Frente de Liberação Homossexual da Argentina”, que vinculava a luta pela libertação nacional do jugo do imperialismo à libertação do corpo das relações mercantilistas impostas pelo Capital. A onda revolucionária que atravessou a América Central no período da Revolução Nicaragüense de 1979 também formou uma geração de ativistas gays e lésbicas naqueles países. No Brasil, quando da fundação do PT em 1981, a corrente trotskista “Convergência Socialista” (principal grupo que deu origem ao PSTU, em 1994) desenvolvia um importante papel na organização do setor em torno de uma perspectiva classista e socialista.

A relação do movimento homossexual nas décadas de 70 e 80 com a esquerda e as lutas sociais é inegável, e esta é uma importante lição para o movimento GLBT de hoje. É importante lembrar, contudo, que a maioria da esquerda nem sempre foi tão receptiva com gays e lésbicas.

Uma relação contraditória
A Revolução Russa de 1917 trouxe os maiores avanços da história em relação à homossexualidade, que foi totalmente descriminalizada. Superior, inclusive, à atual legislação de países como Espanha, Holanda e Canadá (considerados os mais progressivos hoje). Contudo, após a morte de Lênin e a ascensão de Stálin ao poder, todos os avanços se reverteram em retrocessos.

Criando e incentivando a ideologia de que a homossexualidade era uma degeneração do capitalismo, associada à decadência moral da burguesia, o stalinismo contaminou boa parte do movimento revolucionário com sua homofobia.

Em Cuba, por exemplo, logo após a revolução, os homossexuais foram enviados para fazer trabalhos forçados em campos de reeducação. Por aqui, em 1981, o Partido Comunista Brasileiro ainda sustentava essa argumentação em seus pronunciamentos oficiais. Postura idêntica foi adotada por grupos revolucionários pró-soviético, pró-chinês, pró-maoísmo albanês e em outros países da América Latina, como Colômbia e Peru.

De acordo com esta ideologia, não existia espaço para a homossexualidade dentro da “verdadeira” classe operária e do campesinato. Para a própria noção do que era ser revolucionário, se colava a absurda ideologia de uma certa “virilidade revolucionária” – de cunho visivelmente machista e homofóbico – tão bem expressa na declaração de um dos dirigentes do MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária Chileno) em 1975: “En el MIR no hay maricones”.

No decorrer do processo de democratização nos países latino-americanos e conforme o movimento gay e lésbico foi ganhando espaço, essas posições foram se abrandando na forma. Porém, não foram completamente extintas.

Para muitos, o caráter policlassista dos movimentos negro, de mulheres e homossexuais, os manteria distantes dos interesses da classe trabalhadora. Outros, apesar de reconhecerem sua importância, inclusive no que se refere aos problemas enfrentados pela classe operária, alegavam que estes problemas seriam questões para depois da revolução. De uma forma ou de outra, a esquerda no geral seguia abstendo-se do debate.

Anos 90, a “onganização” do movimento
No decorrer dos anos 80 e 90, impulsionado por uma série de fatores – inclusive a reação aos ataques e ao aumento do preconceito decorrentes do surgimento da epidemia da Aids – o movimento GLBT seguiu crescendo e se afirmando, ainda que cada vez mais distante da esquerda.

Contudo, esse crescimento foi fortemente influenciado pelo vendaval oportunista dos anos 90, que abalou as organizações marxistas e lançou descrédito sobre o projeto do socialismo. Desse modo, cresceu também sua despolitização e seu isolamento das demais lutas sociais.

Por fim, a questão homossexual, que tanto havia avançado, passou a ser incorporada pelo mercado através das ONGs e de toda uma indústria que surgiu ao seu redor. Hoje, é possível dizer que as milionárias paradas do orgulho gay em quase nada questionam a ordem dominante e sua moral. Da mesma forma, para a maioria, a atuação militante tem se reduzido ao dia das paradas e a atuação cotidiana, tem se limitado aos poucos “funcionários de causas sociais” empregados pelas ONGs, descomprometidas com uma política conseqüente e perfeitamente encaixadas no esquema neoliberal.

Algo de velho no novo, algo de novo no velho
O conjunto do continente latino-americano está passando por uma onda de convulsões sociais que tem trazido para a arena política movimentos como o dos indígenas e “cocaleros”, de desempregados, além de vários setores tradicionais do movimento sindical. Centrais sindicais como a COB, na Bolívia, têm servido de referência e organização para todos esses setores e suas demandas.

Da mesma forma, no Brasil, com a falência da CUT e do PT, os ativistas comprometidos com a luta começam a se reorganizar na Conlutas, que, em seu congresso de fundação, criou um Grupo de Trabalho (GT) para debater e organizar as GLBTs e mulheres.

A proposta é abrir espaço para que os ativistas homossexuais dispersos nas categorias, organizações e grupos país afora se aglutinem junto aos demais movimentos sociais combativos. Isso representa um gigantesco avanço e uma possível guinada à esquerda, que recoloque a pauta e as reivindicações do movimento GLBT lado a lado com as demais lutas da classe trabalhadora, através da construção de uma unidade nas lutas, bem como de um projeto político para a sociedade, não mais dividindo, mas sim, agregando todas as demandas dos explorados e oprimidos.

A Conlutas, através de seu GT Nacional, representa um espaço político onde o movimento sindical pode ser ganho para a luta homossexual e os homossexuais trabalhadores(as) possam ser ganhos para a luta sindical. Novamente, mas sob bases superiores, se coloca a possibilidade da síntese no seio da heterogeneidade da classe trabalhadora: homens, mulheres, negros, negras, gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, operários, camponeses, desempregados, estudantes, etc. E o projeto capaz de unificar todos numa mesma direção é a construção de uma outra sociedade, uma sociedade verdadeiramente socialista.